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quinta-feira, 8 de junho de 2017

Fundamentos internacionalistas da teoria da nacionidade

1) O desenvolvimento do jus gentium foi crucial para o desenvolvimento do comércio – e não há nacionidade sem livre comércio. Esse direito desenvolveu-se paralelamente ao jus civile romano. A partir da convivência com os povos conquistados o direito romano evolui para poder cortar os custos de transação naturais decorrentes dessa convivência. Ao longo da Idade Média, com renascimento comercial das cidades, jus gentium renasce e acaba dando origem ao direito comercial e ao direito das gentes.

2) A nacionalidade, num modelo teórico estatutário, é um direito real criado por lei constitucional. Ele regula uma relação triangular: ele regula a relação jurídica entre contribuinte, terra e Estado. Trata-se de uma conseqüência lógica da Teoria do Estado - o direito da terra é o fato gerador que legitima o poder do Estado de cobrar tributos dos contribuintes, para custear a máquina pública, se tomarmos por leis constitucionais aquelas que organizam a estrutura e o funcionamento do Estado. E o objetivo dessa máquina pública, dentro dessa lógica estatutária, é fomentar o desenvolvimento civilizatório nas terras onde se acha historicamente domiciliada a sociedade, nos aspectos onde o mercado por si só não seria capaz de fomentar sozinho. O Estado, nessa lógica estatutária, subsidia o desenvolvimento civilizatório e não substitui a razão de ser do mercado: os indivíduos.

3) Embora eu adote a dicotomia constituição e lei constitucional de Carl Schmitt, meu fundamento é diferente. Minha teoria é baseada em Hayek.

A) Entendo como constituição a essência dos fundamentos da liberdade praticada em sociedade - isso decorre da ordem social criada a partir da sociabilidade humana e tal ordem é espontânea e anterior ao Estado de Direito. O direito produzido por essa sociedade é natural e não escrito - ela decorre do fato que todos nós somos seres humanos e que somos iguais à imagem e semelhança de Deus, o que significa, que entre nós, somos iguais em direitos e obrigações. A positivação desses princípios em regra escrita é desnecessária, enquanto os indivíduos dessa sociedades forem conscientes dessa liberdade e estiverem dispostos a mantê-la viva. O direito decorrente desse estado de coisas é o natural law

B) As leis constitucionais são um conjunto de regras escritas que organizam o Estado de Direito.

B-1) A constituição, que é o conjunto sistemático dessas leis escritas, nada mais é do que um programa de direito administrativo, no qual o Estado é criado para servir à sociedade que o criou, para que ele gerencie os bens de uso comum, que não pertencem a ninguém em especial.

B-2) A constituição, como um corpo de direito positivo, serve para orientar e delimitar o que os agentes políticos de uma sociedade livre podem fazer ou não fazer no trato da gestão da coisa pública. Esse programa cria também os meios e os procedimentos pelos quais o Estado resolverá os conflitos sociais, sem destruir a ordem estabelecida. A solução desses trade-offs pode ser preventiva (prevista no direito material) ou cirúrgica (prevista no direito processual).

B-3) As leis constitucionais não se encerram unicamente com a constituição - também são leis constitucionais o direito civil, o direito penal, o direito processual em matéria civil ou matéria penal, o direito eleitoral, o direito tributário e o direito das relações internacionais, entre outras coisas. Tudo isso dá a noção de ordenamento jurídico.

B-4) Esse ordenamento não é piramidal e hierárquico. As relações entre as normas não são formais e nem rígidas - a relação entre essas normas é horizontal e de complementaridade, e elas atendem a um princípio: o da efetividade. Trata-se de um sistema aberto, integrado e completo. 

B-5) A noção de ordenamento jurídico é natural e lógica - trata-se de um sistema jurídico pelo qual qualquer pessoa que sofre lesão ou risco de sofrer lesão pode demandar do Estado o direito de sanar o efetual conflito de interesses, que pode gerar óbice ao desenvolvimento econômico da sociedade. Nestes termos as leis constitucionais deságuam num natural right.

4) Os direitos de votar não decorrem do nascimento, mas do direito de domicílio. Se você habita a terra que escolheu viver, você se preocupa com os problemas existentes nela e deseja servir à sociedade para resolver esses problemas. O direito de escolha de domicílio só surge com a maioridade civil.

5) Se a nacionalidade é um vínculo tributário decorrente de lei constitucional, a nacionidade é um direito moral. Ela decorre de direitos pessoais e familiares.

6) Três são os fatos geradores da nacionidade: o direito de sangue, o direito de solo (de ter nascido na terra de seus pais) e o decorrente das experiências pessoais. A nacionidade pode ser também adquirida por direito matrimonial ou decorrente do pro labore

7) A nacionidade é um sentimento de pertencimento, de estar em casa - o indivíduo toma a terra que escolheu viver como seu lar.

8) A nacionidade se desenvolve das experiências que ele adquiriu em vida, seja na terra onde nasceu ou cresceu, com sua família e seus amigos - essas experiências são históricas e formam o "eu nacional" do indivíduo.

9) A nacionidade surge a partir do desenvolvimento do livre comércio, que aproxima culturas, valores e pessoas de diferentes origens. Os meios de comunicação maximizam esses efeitos - por isso, além do livre comércio, a criação cultural deve ser igualmente livre. Os direitos de propriedade decorrentes da criação cultural devem respeitar a voluntariedade das relações humanas, em vez de reprimi-las. 

José Octavio Dettmann

Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2010 (texto original).

Rio de Janeiro, 8 de junho de 2017 (texto republicado do original, sujeito à revisão).

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