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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Eis um debate importante que me aconteceu

Tiago Barreira:

01) Creio que exista uma diferença entre a remuneração dos serviços prestados aos amigos, fundada no mercado pessoal, e aquela prestada no mercado impessoal - neste segundo mercado não se pode esperar um retorno certo da ajuda dada a alguém, posto que você não conhece a pessoa, a ponto de incorporá-la ao seu mundo interior - e há momentos e circunstâncias em que esta integração se torna inviável. Eis ai o momento em que a impessoalidade se torna um fator de risco e fonte do conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida.

02) Tenho dúvidas, por exemplo, quanto ao atendimento das necessidades humanas em um mercado pessoal, pois no mercado impessoal é possível se fazer promessas claras e objetivas e a violação da promessa leva a uma punição legal.

03) Tendo a ver o mercado pessoal como se fosse um casamento - é muito difícil manter o atendimento de expectativas mútuas entre um casal, ainda mais onde os papéis de cada um estão cada vez mais confusos e obscuros. 

04) Afinal, não há cristalização mais clara das trocas pessoais como há na instituição do casamento, que é uma das mais antigas da sociedade. Por isso que a economia fundada nas relações familiares tende a ser a base do cristianismo - por isso que a regra basilar do distributivismo é a amar a sua família - e isso implica amar o próximo como a si próprio sistematicamente. 

José Octavio Dettmann:

01) Esta dúvida que você tem aponta para a existência de dois mercados: o mercado pessoal descristianizado, em que todos têm a sua própria verdade, e o mercado pessoal cristianizado, cujas leis de lealdade e reciprocidade se dão na carne, na conformidade com o Todo que vem de Deus.

02) No mercado pessoal descristianizado, nós temos toda uma economia voltada para o ativismo revolucionário. É o capitalismo a serviço da mentalidade revolucionária, voltado para tornar qualquer utopia fundada em sabedoria humana dissociada da divina possível. Essa edifica ordem herética.

03) Toda economia personalista fundada numa liberdade fora da liberdade de Cristo é a economia da mentalidade revolucionária - é a economia fundada no ativismo. E essa economia não merece ser estudada, a não ser como um meio para se obter informações estratégicas sobre de que modo devemos combater a mentalidade revolucionária. Basta ver a "caridade" do terceiro setor e das ONGS, que é uma caridade interessada, pois tem mero caráter publicitário. A descristianização da caridade leva ao assistencialismo e ao populismo. No fundo, ONGS não passam de extensões do Estado, subsidiadas por impostos.

04) Agora, quando eu trato a economia personalista, eu olho para dentro de uma tradição cristã, pois Cristo é o caminho, a verdade e a vida. Nela, nós vemos uma economia personalíssima se tornar pessoal - a economia do mundo interior, do quarto, começa primeiro a envolver as pessoas da casa e depois vai para as ruas e para as paróquias. E ela cresce até um certo ponto - e a partir deste ponto a pessoa perde o controle de tudo isso. Enfim, a extensão máxima da economia pessoal é o espaço da família e da vizinhança. O cerne do problema está na limitação do ser humano - o mercado pessoal abrange o ambiente próximo e local, mas não abrange regiões distantes. E neste ponto, o comércio supre aquilo que falta. 

05) Da mesma forma como promovo a minha livre iniciativa, existem muitas outras em concurso e elas se encontram, de modo a formar um sistema de mercado que extrapola o campo da ação individual - eis a economia da cataláxia. Eis aí que temos um mercado impessoal formado pelo encontro das mais diferentes iniciativas e circunstâncias em torno de um ponto em comum. Isso não nega a teoria dos cículos concêntricas - o que ocorre é a comunhão de vários cículos concêntricos que se tornam um cículo público, comunitário, formado por conta do compartilhamento desses círculos e que transcende a soma de suas partes - e esse círculo espera ser colonizado por quem queira empreender e servir bem. Eis aí o ponto em que a ação pessoal é renovada, de modo preencher esse novo espaço vazio no corpo social, por conta da mudança de cenário, de circunstância.

06) Em todo o caso, o mercado impessoal é complementar ao mercado pessoal - eis aí o ponto de contato entre o micro e o macro. A economia impessoal abrange o comércio entre regiões, assim como o comércio nacional e internacional - e ela preenche os espaços que os indivíduos, sozinhos, não conseguem preencher. Ela leva à noção de país tomado como se fosse um lar e pede a colaboração do Estado de Direito, na construção deste projeto civilizatório, que é de muitos. Eis aí que a nação, por conta da nacionidade, acaba se tornando um Estado-mercado, cuja influência pode extravasar as suas fronteiras naturais, por conta da virtude cultural e civilizacional que essa nação exerce. E a economia, tal como conhecemos, cuida deste segundo mercado.

07.1) Se formos ver a ferro e fogo, existem dois tipos de economia: uma que examina a questão pessoal e a outra que examina a questão impessoal. E como falei, uma completa a outra. São duas ciências que levam a um sistema geral de conhecimento, a uma ciência geral da economia, que é a ciência da ação humana em geral. O estudo da ação humana abrange três áreas: a economia a sociologia e história

07.2.1) A sociologia trata das ações sociais que não envolvem o uso da moeda - os pactos e as trocas fundados na lei da reciprocidade e da cooperação, cuja lei se dá na carne. Enfim, ela estuda a ação da pessoal. O problema da sociologia, tal como a conhecemos, está no fato de que ela não leva em conta os critérios morais, posto que ela foi fundada em olhares outsiders, tomando os fatos como se fossem coisas que tivessem a sua própria verdade. 

07.2.2) Se a sociologia se contrapõe à economia ao observar o papel de ações não-monetárias que promovem a ordem social, por outro ela erra ao ignorar a importância que se deve dar ao caráter moral dessa ação. O verdadeiro conhecimento sociológico pede um olhar insider. Se Cristo é a verdade, então devemos estudar a ação social de modo a que ela fique em conformidade com o Todo que vem de Deus e não buscar justificativas, de modo a nos libertarmos da liberdade em Cristo, pois a negação da cruz no leva à prisão. 

07.3) A História estuda a ação social no tempo - de que forma ação humana mudou o comportamento da sociedade, a ponto de gerar uma renovação do senso de tomar o país como se fosse um lar, a partir de novas perspectivas conhecidas, a partir do melhor conhecimento da conformidade com o Todo que vem de Deus. Essa renovação, no sentido romano do termo, é chamado de revolução - e o tempo dela se dá na eternidade. Nada tem a ver com o sentido germânico do termo, que é materialista, violento e destrutivo.

07.4) A economia estuda o aspecto monetizado da ação social. E isso implica o estudo dos aspectos práticos, de modo a que a troca saia de modo mais rápido, em maior quantidade e volume e de uma maneira mais eficiente. E isso pede administração. É a economia que pede necessariamente a constante presença e interação de agentes e corpos intermediários - e são esses corpos intermediários que fazem com que a troca continue ocorrendo, mesmo com o passar das sucessões. E isso é que gera a estabilidade dos preços.

08) Neste sentido, a economia impessoal é conforme o Todo que vem de Deus. Basta ver o caso da Igreja como um banco, pois ela é a caridade organizada. Isso pede uma política organizada voltada para se promover a caridade, o que nos leva à noção de país tomado como se fosse um lar. E isso pede a aliança do altar com o trono - mais do que conveniente, essa ação é necessário, de modo a que Cristo seja a verdadeira ordem de todo o mundo civilizado. Tanto as relações econômicas garantem a ordem no que diz respeito ao plano interregional, nacional e internacional quanto vemos as relações sociais garantirem aquilo que se vê no plano local. Eis aí o cerne da integração da economia com a sociologia e história.

09) É possível, sim, estudar praxeologia, sem se contaminar com a ideologia que prega uma liberdade fora da liberdade em Cristo: o libertarismo. Pois liberalismo implica magnificência, conformidade com o Todo que vem de Deus.

10) De certo modo, estamos cristianizando Mises e Weber, de modo a desfazer esta barafunda. Sinto que é possível, sim, separar a impessoalidade que é conforme o Todo que vem de Deus com a aquilo que o protestante fomentou: a negação da crença da fraternidade universal. A heresia protestante contaminou a impessoalidade, de modo a contaminar a ordem fundada na pessoalidade, de modo a gerar uma economia personalista marcada na mentalidade revolucionária. Afinal, a heresia se deu em praça pública.

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