Em tempos em que o jogo e as apostas ocupam um espaço crescente na cultura popular, é necessário distinguir aquilo que é apenas diversão daquilo que pode efetivamente construir algo duradouro para a sociedade. A aposta esportiva, tão comum hoje, é baseada no modelo de ganha-perde: para que alguém ganhe, outro necessariamente precisa perder. No entanto, há uma forma de aposta que transcende essa lógica competitiva — a aposta no campo político.
Imagine um cenário em que cidadãos pudessem apostar em votações presidenciais, em projetos de lei nacionais, estaduais e municipais, movidos não apenas pelo desejo de lucro, mas pelo incentivo de acompanhar, estudar e participar mais ativamente das decisões que moldam a sociedade. Nesse modelo, mesmo quem perde a aposta em termos financeiros poderia ganhar na prática, caso a legislação aprovada produza efeitos benéficos para o bem comum.
A aposta política seria, portanto, um jogo de ganha-ganha. A consolidação de governos e leis voltados ao interesse público beneficiaria toda a coletividade, inclusive aqueles que, por erro de previsão, perderam dinheiro na aposta. Em vez de estimular a rivalidade pela rivalidade, como ocorre nos esportes, essa modalidade estimularia o interesse consciente pela política, a educação cívica e a responsabilidade coletiva.
Além do benefício individual de um eventual ganho monetário, haveria o benefício social de uma legislação mais discutida, mais estudada e melhor compreendida. O cidadão se tornaria menos vulnerável a slogans fáceis e a paixões partidaristas, e mais atento às consequências reais dos atos políticos. Afinal, quem aposta quer entender, analisar e prever — e essa atitude investigativa, quando aplicada à política, favorece a democracia.
Assim, a aposta política não seria apenas um jogo: seria uma ferramenta de amadurecimento social, um modo de transformar o interesse pessoal em serviço ao bem comum. Em vez de nos perdermos em rivalidades vazias, poderíamos construir uma cultura de participação consciente, onde a vitória maior seria sempre a da justiça, da verdade e do progresso coletivo.
Neste novo paradigma, a aposta política não seria um fim em si mesma, mas um meio de reconectar o cidadão ao seu dever fundamental: trabalhar, com todos os meios legítimos ao seu alcance, pela realização do bem comum.
Bibliografia
Sobre política, bem comum e participação cívica:
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Aristóteles — "Política"
Fundamento clássico sobre a ideia de política como busca do bem comum.
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Santo Tomás de Aquino — "Suma Teológica" (especialmente a Parte II-II, questões sobre justiça e lei)
Discussão sobre a função das leis e o objetivo do governo na ordem do bem comum.
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Jacques Maritain — "O Homem e o Estado"
Aborda a responsabilidade do cidadão na democracia e a importância do bem comum acima dos interesses privados.
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Alasdair MacIntyre — "After Virtue" (Depois da Virtude)
Um estudo profundo sobre a ética nas sociedades modernas e como a política perdeu seu foco no bem comum.
Sobre o conceito de jogos, apostas e sociedade:
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Roger Caillois — "Os Jogos e os Homens"
Analisa os tipos de jogos, incluindo apostas, e como eles refletem e moldam comportamentos sociais.
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Johan Huizinga — "Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura"
Mostra como o jogo (inclusive o espírito de competição) é essencial para o desenvolvimento cultural, inclusive na política.
Sobre apostas, risco e racionalidade:
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Nassim Nicholas Taleb — "Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos"
Fala sobre o valor do risco bem calculado e a diferença entre apostas que constroem e apostas que destroem.
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John Rawls — "Uma Teoria da Justiça" (especialmente o "véu da ignorância")
Traz uma reflexão que pode ser adaptada ao conceito de apostas políticas justas e voltadas ao bem comum.
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