1) Há uma expressão em francês chamada "esprit de corps" (espírito de corpo ou corporação). Nele podemos ver os laços que uma pessoa tem com o seu grupo serem tomados como se fossem um ser, um sujeito de direito.
2) Essa questão de espírito de corpo pode se tornar um espírito de porco sistemático se esse ser for reduzido a uma coisa feita de modo a servir egoisticamente a quem está dentro da instituição, pois é da perversão do espírito de corpo que vem o corporativismo, uma vez que o corpo (a corporação de ofício) foi tomada como se fosse religião, a ponto de conservar o que é conveniente e dissociado da verdade, a ponto de um Estado por se formar dentro do Estado, criando uma espécie de poder paralelo. E é neste ponto que o agente público se torna um parasita, ao reduzir a política a uma verdadeira fisiologia - e nela o poder se reduz a um balcão de negócios, como vemos em Brasília.
3.1)
O espírito de corpo tem sua origem na família; nela as pessoas aprendem
a amar e a rejeitar as mesmas coisas tendo por Cristo fundamento.
3.2) Como o idem velle, idem nolle
é fundamento para a sobrevivência, para a vida econômica de uma nação
de modo que o país seja tomado como se fosse um lar em Cristo, então era
natural que as pessoas de uma determinada atividade profissional se
juntassem a outras da mesma atividade profissional neste fundamento. E é
daí que surgem as guildas, as corporações de ofício.
4.1)
O mestre de uma corporação de ofício agia como um irmão para os seus
companheiros, um bom chefe para seus comandados e um pai para os
aprendizes. Ele era a figura do pai, nos termos da atividade
profissional organizada - e ele lutava pelos interesses da classe
profissional, de modo que não fosse prejudicada por força dos interesses
de outra classe profissional, uma vez que na guilda não havia o
conflito entre o capital e o trabalho, mas unidade fundada no fato de se
viver junto e de se trabalhar junto.
4.2)
O mestre de uma corporação de ofício tinha dois corpos funcionais: era
tanto empresário como também dirigente de sindicato, uma vez que a
guilda era uma associação de famílias que amavam e rejeitavam as mesmas
coisas tendo por Cristo fundamento - esse senso era aplicado na prática,
na atividade profissional.
5.1)
De modo que houvesse a concórdia entre as classes produtivas, havia a
Igreja Católica, que fazia com que as coisas se tornassem orgânicas
espiritualmente, fundadas na conformidade com o Todo que vem de Deus;
onde não houvesse eucaristia, não haveria unidade, muito menos senso de
se conservar a dor de Cristo.
5.2)
Afinal, os que rezam devem provar as coisas de modo a ver nelas a
figura de Cristo, que é sumo legislador de todas as coisas. Como cabe a
quem legisla fiscalizar quem executa as coisas de modo que o país seja
tomado como se fosse um lar, então nada mais justo que corporação de
ofício imitasse em suas atividades organizadas aquilo que havia na
Igreja, pois o Rei dos Reis era carpinteiro - ou seja, exerceu um
ofício, antes de ser sumo sacerdote.
5.3.1)
Em matéria de unidade territorial - fundada no poder temporal, de modo a
se reger o bem comum e dizer o direito com justiça - havia a figura do
primeiro cidadão da cidade: os príncipes, responsáveis pela defesa da
cidade em face de um ataque inimigo.
5.3.2)
Os príncipes são a mônada do rei, a menor partícula que rege as coisas
de modo que a cidade dos homens seja um espelho da cidade de celestial,
uma vez que Cristo veio nos trazer a espada, além do arado - e era isso
que fazia da Idade Média uma idade da luz, pois foi neste tempo que os
homens estavam mais propensos a cooperarem com Deus, uma vez que o
paganismo clássico havia sido derrubado no Ocidente. Se a influência
desse príncipe atingisse mais cidades e mais territórios, ele podia ser
barão, visconde, conde, marquês, duque - e só se tornava rei se fosse
coroado pela Igreja Católica, enquanto corpo intermediário que liga a
Terra ao Céu, ou diretamente coroado pelo próprio Cristo, tal como houve
em Ourique.
5.3.3)
No caso de o soberano ter o privilégio excepcional de receber a coroa
diretamente de Cristo, o país será tomado como se fosse um lar em Cristo
se este servir a Ele em terras distantes - e este país continuará
tomado desta forma enquanto honrar dignamente essa missão.
5.3.4)
É por força disso que a suserania e vassalagem temporal de Carlos Magno
dá lugar à soberania, que é a suserania e vassalagem que se dá no campo
sobrenatural, pois o rei é vassalo do verdadeiro Deus e verdadeiro
homem - que é o Rei dos reis -, ao invés de ser vassalo de um pecador
como outro qualquer.
5.3.5)
Isto não elimina, no entanto, a importância de ser leal à Santa Madre
Igreja Católica, que foi fundada pelo próprio Cristo, uma vez que a
figura do vigário de Cristo é provisória até que o próprio Rei dos reis
volte pela segunda vez; é só n'Ele que há os dois corpos: o corpo
temporal e espiritual da Cristandade.
5.3.6.1)
É por conta de o poder subir à cabeça que muitos dos vassalos tendem a
violar o princípio da não-traição à verdade revelada (verdade conhecida é
verdade obedecida, como diz Platão) e a trair a Igreja ou o mandato que
receberam do próprio Cristo de modo a servir a Ele em terras distantes.
5.2.6.2)
A maior prova disso que é Portugal teve muitos reis excomungados porque
estes se esqueceram de ver o Papa como um vigário de Cristo e que este
exerce sua prerrogativa porque é sucessor de São Pedro. E se a pessoa
não vê no Papa a figura de Cristo, então não poderá imitar bem seu
antecessor, D. Afonso Henriques.
5.2.6.3)
O mandato que recebemos em Ourique não dá necessariamente o direito de
dizer que o vassalo de Cristo tem dois os corpos do Rei. E isso faz com
que a nacionalidade perca seu caráter transcendente e passe a ter seu
caráter imanente, a ponto de fazer o país ser tomado como se fosse uma
religião em que tudo está no Estado e nada esteja fora dele ou contra
ele.
5.2.6.4)
E é neste ponto que a missão de servir a Cristo em terras distantes,
casando o nacional com o universal, se reduz a fundar colônias para a
vanglória do rei, tal como houve na França. Ou para a promoção dos
interesses do comércio, tal como houve na Holanda. Isto faz com que a
missão da qual somos herdeiros seja servida com fins vazios, o que leva à
apatria sistemática.
6.1)
Em cada um dos dois corpos - o corpo espiritual e o corpo temporal,
ambos intermediários -, o Santo Espírito de Deus age, criando a noção de
uma instituição, uma corporação, uma atividade organizada de modo que
os homens em sucessão ajam como instrumentos de Deus de modo a servir a
Ele, seja em terras distantes ou dentro do país, de modo que ambos sejam
tomados como parte do mesmo lar em Cristo.
6.2.1)
Quando o corpo é acometido pelo espírito revolucionário, a atividade
organizada do corpo instituído se reduz a um verdadeiro ativismo,
fundado no carreirismo e no egoísmo, pois as pessoas estão amando mais o
dinheiro - ou mesmo os privilégios - do que a Deus - e nela tudo se
reduz à política, à manutenção do poder, o que leva a um totalitarismo. E
neste ponto, as instituições estão pecando contra o Espírito Santo,
pois vários homens estão agindo em concurso de modo a pecar
sistematicamente contra isso.
6.2.2) Quando nesta República ficam apelando para a importância das instituições, isso não passa de flatus vocis,
de autoridade exercida para o nada, pois as instituições servem à
República e não àquilo que foi fundado em Ourique, o que edifica
liberdade com fins vazios.
6.2.3)
Por isso, pessoas que falam dessa forma são dignas de serem reprovadas
execradas publicamente, pois zombam de Deus. Como Deus não perdoa o
pecado contra o Espírito Santo, o lugar mais quente do inferno está
garantido a elas, por conta de conservarem o que é conveniente e
dissociado da verdade sistematicamente, uma vez que foram pessoas
mornas, indiferentes àquilo que nos gerou e nos nutriu desde nossos
primórdios - é isso que faz do espírito de corpo um espírito de porco,
pois as lealdades são voltadas para o nada, destituídas dessa conexão de
sentido sobrenatural, coisa que nos remete à Ourique.
José Octavio Dettmann
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2017.
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