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sábado, 2 de abril de 2016

Notas sobre o divórcio que se dá entre o topo e a base da pirâmide social

1) Numa sociedade sem Cristo, nós temos o problema permanente dos "señoritos satisfechos" - pessoas bem nascidas, com a sobrevivência garantida, que não sabem o que fazer da vida e que não se interessam por saber qual é a sua situação acerca deste mundo e de que modo elas podem servir a Deus, dentro de suas circunstâncias. O fato de haver indivíduos assim revela um permanente problema: a crise das vocações. Eis um retrato da angústia, decorrente do fato de se estar num mundo cada vez mais vazio de sentido, fundado no fato de se conservar de maneira conveniente a crença de que nada é eterno, uma vez que isso está fora da verdade, daquilo que é conforme o Todo que vem de Deus - eis, pois, o abismo a que nos leva a cultura do hedonismo, da busca da liberdade voltada para o nada.

2) Numa sociedade fortemente cristianizada, como a da Idade Média, o tédio e o comodismo eram coisas impossíveis e até impensáveis, pois os mosteiros absorviam esses bem-nascidos e davam a eles a possibilidade de consagrarem suas circunstâncias pessoais à obra de Deus, esse grande engenheiro social que fazia grandes obras em todos, a todo o tempo e em todos os lugares. E era em Deus que essas solidões acabavam sendo compartilhadas - pelo exemplo do santo, a pessoa acabava tomando o país terreno, circunstancial, como se fosse um lar a partir do exemplo dado pela pátria celestial, pois nele era possível ver o exemplo da eternidade, um modelo perfeito e bem acabado de integração social que se dava entre pessoas diferentes - de diferentes lugares e diferentes épocas - que dedicavam suas vidas servindo a Cristo, ao levar suas diferentes circunstâncias de vida à consagração dos altares, pois para Deus nada disso é impossível.

3) O fato de vivermos uma vida sem Deus faz com que a vida intelectual esteja divorciada da contemplação necessária de modo a que seja nobre e edificante. Sem essa vida de contemplação, a atividade intelectual se reduz a um verdadeiro carreirismo - e num mundo movido a dinheiro, o intelectual é reduzido a um peão de campo, como vemos nos jornalistas de hoje em dia. Qualquer assunto voltado para o nada passa a ter ampla cobertura, ao passo que os verdadeiros assuntos dedicados à santidade da alma, bem como da pátria como um todo, passam a ter cobertura quase que nenhuma, a ponto de isso nem sequer existir, uma vez que não deixam meios para sequer imaginar a possibilidade de que isso realmente exista.

4.1) Todos esses fatores contribuem para que a classe intelectual - que ocupa o topo da hierarquia social, fundada na ordem do trabalho - comece a trair os que estão na base da pirâmide, esses que mantêm essa atividade possível. O divórcio entre a classe laboral e a classe intelectual se deve por conta da cultura de impessoalidade. 

4.2) O bem nascido não deve a Deus e não deve aos seus compatriotas tudo o que ele é - ele deve a si mesmo. Ele tem muita auto-confiança - acha-se uma espécie de Deus ateu auto-proclamado. Por conta da impessoalidade, ele não consegue enxergar nos que viveram a vida antes dele um irmão em Cristo, que deu a sua vida de modo a que pudesse ser o que ele é hoje. A cultura de ingratidão sistemática é, pois, fruto de uma cultura de impessoalidade, fundada no amor ao dinheiro e no amor ao presente como sendo o norte de todas as coisas, uma vez que esse presente não tem o lastro do passado - e como não há lastro no passado, o futuro é imprevisível e inseguro. É uma cultura de esquecimento - e é isso que nos levará à apatria sistemática. 
 
José Octavio Dettmann
 
Rio de Janeiro, 02 de abril de 2016 (data da postagem original).

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