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sábado, 19 de julho de 2025

Da política individualista à política relacional: a Lei Magnitsky e o colapso do sujeito autônomo

“Nenhum homem é uma ilha.”
— John Donne

Resumo

O presente artigo defende que o advento de legislações como a Lei Magnitsky inaugura um novo paradigma político — o da política relacional — em ruptura com a tradição moderna do individualismo político. Argumenta-se que esse novo modelo jurídico e moral reconhece o ser humano como inserido em redes de pertencimento e responsabilidade, onde seus atos têm repercussões morais e sociais para além de sua individualidade. Por fim, propõe-se que esse retorno ao vínculo exige um fundamento teológico sólido para evitar arbitrariedades e distorções ideológicas.

Palavras-chave: individualismo, política relacional, Lei Magnitsky, antropologia política, moral cristã.

1. Introdução

Desde a modernidade, a política ocidental tem operado segundo a lógica do individualismo jurídico. Trata-se de uma concepção do homem como sujeito autônomo, desvinculado de laços comunitários que o comprometam moral ou juridicamente por atos alheios. Esse paradigma alcançou seu auge com o liberalismo contratualista e a codificação do direito moderno, sobretudo nos séculos XVIII e XIX.

Contudo, a emergência de novas ameaças globais — como o crime transnacional, a corrupção sistêmica e o terrorismo — desafia esse modelo. Leis como a Magnitsky Act revelam uma nova lógica de responsabilização: o homem não é mais julgado apenas como indivíduo, mas como parte de uma rede moral e econômica. O artigo propõe que esta lógica inaugura uma nova antropologia jurídica e política, cuja matriz é relacional.

2. A tradição do sujeito isolado

A modernidade política, fundada no racionalismo antropocêntrico, concebe o indivíduo como a menor unidade moral e política. John Locke, por exemplo, afirma que os direitos naturais precedem qualquer forma de associação civil: “os homens são, por natureza, livres, iguais e independentes”¹. O contrato social nasce, portanto, de uma reunião de sujeitos autônomos que escolhem submeter-se ao Estado, sem que esse Estado possa violar a esfera da autonomia privada.

Essa concepção culmina numa teoria da justiça que exclui a culpa por associação e privilegia a responsabilidade individual estrita. É o que se vê, por exemplo, na estrutura penal liberal, onde se evita a punição de herdeiros, cúmplices involuntários ou grupos afetados por ações isoladas. Esse modelo, por mais eficaz que tenha sido na limitação do arbítrio estatal, gera uma profunda erosão dos vínculos morais comunitários.

Como observa Alasdair MacIntyre:

“No mundo moderno, perdemos a linguagem da virtude justamente porque perdemos a concepção do homem como membro de uma história que o precede”².

3. A irrupção da política relacional: o caso da Lei Magnitsky

A Lei Magnitsky, promulgada em 2012 pelo Congresso dos Estados Unidos, autorizou o poder executivo a aplicar sanções econômicas, migratórias e diplomáticas a indivíduos acusados de graves violações de direitos humanos ou corrupção. Posteriormente, a legislação foi expandida e adotada por outros países como Canadá, Reino Unido, Estônia e Lituânia.

Contudo, o que torna essa lei paradigmática é o fato de que suas sanções muitas vezes se estendem aos entornos dos acusados: empresas ligadas, familiares próximos, aliados políticos e até estruturas estatais que os protejam. Está implícita aí uma mudança de lógica: do ato isolado à rede de cumplicidade; do indivíduo ao contexto relacional.

Não se trata mais apenas de “o que você fez?”, mas: “com quem você se aliou?”, “quem foi favorecido?”, “quem perpetuou o dano social?”. Essa lógica é incompatível com o individualismo jurídico, e evoca uma ética da responsabilidade coletiva.

Charles Taylor observa que uma das marcas do homem moderno é sua “perda da encarnação”, isto é, da percepção de estar situado num contexto histórico e relacional³. A política relacional pode ser vista, nesse sentido, como um retorno — ainda que incipiente e contraditório — a essa encarnação moral.

4. Fundamento metafísico: o ser relacional na tradição cristã

Para que essa nova lógica não se torne mero instrumento de poder geopolítico, é necessário enraizá-la numa antropologia sólida. Essa base é fornecida pela tradição cristã, que entende o homem como um ser relacional por natureza.

Santo Tomás de Aquino, ao tratar da lei natural, ensina que o homem é “por natureza um animal político e social” (Summa Theologica, I-II, q. 94, a. 2). Logo, suas ações têm sempre repercussões na ordem da comunidade. O pecado, por sua vez, “contamina a cidade” (q. 90, a. 1), e a virtude “edifica o corpo místico”.

Na tradição veterotestamentária, essa estrutura é ainda mais explícita: o bem de um pai beneficia os filhos até a milésima geração; o pecado de um líder pode atrair maldição sobre o povo (cf. Ex 20,5; Nm 14,18). Não se trata de culpa automática, mas de vínculo real entre atos e consequências herdadas.

Esse é o fundamento último da política relacional: reconhecer que, em cada ato humano, há uma reverberação comunitária, familiar e até espiritual.

5. Riscos da distorção secular

Sem um fundamento transcendente, essa política relacional pode degenerar:

  • Em perseguições ideológicas, onde meros vínculos afetivos são suficientes para a condenação.

  • Em instrumento geopolítico, onde países impõem suas sanções seletivamente, segundo interesses estratégicos.

  • Em inversão do ônus da prova, punindo não atos, mas conexões.

Por isso, uma política relacional autêntica precisa estar ancorada numa lei moral objetiva, como aquela expressa na tradição naturalista cristã. Caso contrário, ela será apenas a máscara moral de novos totalitarismos.

6. Conclusão

A emergência de leis como a Magnitsky revela o colapso da ideia moderna de sujeito isolado. A política relacional que delas emerge reconhece o homem como ser enraizado em vínculos reais, cujas ações ressoam além de sua própria esfera.

Trata-se de uma reconfiguração profunda da justiça: a volta da noção de comunidade moral, linhagem espiritual, corpo ético. Contudo, sem um fundamento transcendente, esse retorno pode ser manipulado e pervertido.

O desafio contemporâneo, portanto, é o de reconstruir uma teoria política e jurídica que una a eficácia das novas práticas com a sabedoria da tradição perene, onde a justiça relacional não se torne tirania, mas sim instrumento da paz e da ordem.

Notas

  1. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 17.

  2. MACINTYRE, Alasdair. After Virtue: A Study in Moral Theory. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2007. p. 204.

  3. TAYLOR, Charles. Sources of the Self: The Making of the Modern Identity. Cambridge: Harvard University Press, 1989. p. 27.

Bibliografia

  • AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.

  • LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

  • MACINTYRE, Alasdair. After Virtue: A Study in Moral Theory. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2007.

  • SCRUTON, Roger. How to Be a Conservative. London: Bloomsbury, 2014.

  • TAYLOR, Charles. Sources of the Self: The Making of the Modern Identity. Cambridge: Harvard University Press, 1989.

  • U.S. Congress. Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. Public Law 114-328, Dec. 23, 2016.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

O tributo como cashback nos méritos de Cristo: arquitetura, servidão santa e reconstrução da nobreza cristã

Resumo

Este artigo desenvolve uma doutrina tributária e civilizacional inspirada nos princípios do direito natural cristão, segundo a qual o tributo, longe de ser uma exação forçada, pode assumir a forma de uma oferenda voluntária — análoga ao cashback — quando nasce da gratidão de um povo que reconhece no monarca a imagem do verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Argumenta-se que o tributo pode ser prestado in natura, através do trabalho jubiloso do cidadão, e que esse serviço edifica não apenas obras públicas, mas também formas arquitetônicas sagradas, costumes civilizadores e vínculos sociais nobres. Em resposta, o monarca pode recompensar com títulos e honrarias aqueles que serviram à nação nos méritos de Cristo.

1. Introdução

O tributo, à luz da Tradição cristã, não é apenas exigência fiscal, mas gesto de amor político. Quando um homem serve à liberdade de muitos nos méritos de Cristo, por meio do trabalho, da inteligência e do tempo consagrados ao bem comum, nasce uma dívida da comunidade em relação a ele. Essa dívida pode ser satisfeita com honra, nobreza e preferência política. O tributo, nesse caso, é um dom que retorna — um cashback espiritual.

2. Liberdade Aperfeiçoada como fonte de autoridade

A liberdade, segundo o Evangelho, é fruto da Verdade: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Quando o vassalo de Cristo consagra sua vida à Verdade, torna-se agente de libertação. A sociedade, por gratidão, tributa esse homem, reconhecendo sua autoridade. Essa autoridade, que nasce do serviço, exige reciprocidade: tributo espiritual, prestígio e, quando necessário, títulos.

3. O tributo como cashback espiritual e social

A noção de cashback aqui não se aplica ao consumo, mas à graça e ao dom. O vassalo oferece sua vida pela pátria; a pátria devolve, não apenas em bens materiais, mas em reconhecimento e preferência social. A moeda é substituída pelo símbolo. O trabalho se converte em memória, e a memória em gratidão política.

4. A forma arquitetônica como fruto do tributo in natura

As formas arquitetônicas que moldaram civilizações inteiras — do Egito faraônico à Cristandade medieval — nasceram precisamente da oferta jubilosa do trabalho popular ao soberano. As pirâmides, os templos gregos, as catedrais francesas e os mosteiros ibéricos não foram erguidos por empresas contratadas, mas por povos inteiros que viam no rei o mediador entre Deus e a terra.

Esse esforço era uma liturgia do espaço, onde a matéria obedecia à alma da civilização. Os estilos arquitetônicos são, portanto, expressão material da teologia política de um povo: românico, gótico, barroco — todos frutos de um tributo que não era imposto, mas voto.

5. A servidão santa e a diferença com a escravidão

Há quem confunda essa oferenda de trabalho com escravidão. Trata-se, no entanto, de distinção essencial:

  • A escravidão é servidão contra a vontade, imposta por força ou coação.

  • A servidão santa é entrega voluntária de si por amor à ordem, à justiça e ao rei, reconhecido como servidor de Cristo.

Essa entrega é jubilosa, pois reconhece que a vida só tem sentido se for doada. E se a doação for grande, grande também será a recompensa.

6. A recompensa justa: títulos, honrarias e preferência

Se o governante não pode pagar em dinheiro, deve pagar com o que é mais precioso: a honra. Os que serviram à nação nos méritos de Cristo têm direito à memória, à distinção e à preferência.

Essa é a origem legítima dos títulos nobiliárquicos:

  • Não como privilégio hereditário injustificado,

  • Mas como herança espiritual de famílias que doaram tempo, sangue e alma para a pátria cristã.

A pequena lei que dá preferência a tais famílias é justa: reconhece que o passado importa, e que a lealdade dos pais deve contar em favor dos filhos. Essa relação entre o monarca e o súdito é análoga à do pai e do filho — uma reciprocidade nos méritos de Cristo.

7. A possibilidade brasileira

Se houver no Brasil um monarca legítimo que governe nos méritos de Cristo, surgirá novamente essa reciprocidade de serviço e honra. E, com ela, a arquitetura deixará de ser cópia estrangeira e voltará a ser símbolo do espírito nacional redimido.

As catedrais, escolas, hospitais e obras públicas erguidas pelo povo fiel serão marcos de uma nova civilização. E os títulos concedidos aos seus construtores não serão vaidade, mas justiça.

8. Conclusão

O tributo cristão, quando prestado por um povo que ama seu rei e serve nos méritos de Cristo, não apenas financia o Estado, mas constrói civilizações. Ele gera estilos arquitetônicos, cultura, leis e nobreza. Ele edifica a beleza e a memória. E, em troca, quem serviu com fé deve ser distinguido com títulos, preferências e honra — para que a justiça reine e a gratidão permaneça viva de geração em geração.

Referências Bibliográficas

ASSMANN, Jan. A mente egípcia: história e significado da religião faraônica. Petrópolis: Vozes, 2006.
PIEPER, Josef. Ócio e a vida intelectual. São Paulo: É Realizações, 2010.
BELLLOC, Hilaire; CHESTERTON, G. K. O Estado Servil. São Paulo: LVM, 2020.
SANTA BÍBLIA. Evangelhos de João (8,32) e Mateus (25,21).

Notas de Rodapé

¹ Cf. ASSMANN, Jan. A mente egípcia, p. 112-114.
² Cf. PIEPER, Josef. Ócio e a vida intelectual, p. 88.
³ Ibid.






O tributo sobre a renda como expressão de gratidão ao vassalo de Cristo: uma perspectiva jurídico-teológica

A doutrina jurídica que interpreta o tributo sobre a renda sob a ótica monárquica e cristã encontra fundamento histórico e teológico nas práticas tradicionais do Império Português. Um exemplo paradigmático dessa compreensão se dá quando observamos o patrocínio régio às atividades da Companhia de Jesus. A monarquia portuguesa remunerava os padres jesuítas para que evangelizassem e instruíssem os súditos na América Portuguesa, transmitindo-lhes as verdades fundamentais fundadas na conformidade com o Todo que vem de Deus.

Esse é o típico caso de uma autoridade que aperfeiçoava a liberdade de muitos nos méritos de Cristo. Tal ação pode ser comparada à figura do pai de família que remunera sua esposa, dona de casa, para cuidar dos filhos, ao invés de colocá-la a serviço de um patrão. A autoridade serve e santifica, em vez de dominar e explorar. Ela patrocina a liberdade e a elevação do povo.

É precisamente por conta de patrocínios dessa natureza — como a evangelização jesuítica ou o desenvolvimento de indústrias do luxo na França, que retiraram muitas pessoas da miséria na época de São Vicente de Paulo — que se faz justo pagar o imposto de renda. Esse tributo não deve ser visto como um confisco, mas como um ato de gratidão. Ele é o reconhecimento de que a autoridade cristã aperfeiçoa a liberdade de seus súditos ao investir em obras que glorificam a Deus e promovem o bem comum.

Nesse sentido, o imposto sobre a renda assume a natureza de um dízimo dirigido não a um mendigo ou necessitado, mas ao vassalo de Cristo. É como se disséssemos: “Senhor, recebei o meu tributo — não é uma esmola porque não sois mendigo, nem um auxílio porque não precisais dele. Esta oferta representa a minha gratidão, pois o que eu tenho eu recebi de vós, nos méritos de Cristo.”

A necessidade de pagar esse tributo pode nascer do costume, fundado a partir do reconhecimento de que o povo vê Cristo na figura do monarca. Após gerações e gerações praticando esse costume, a lei é criada de modo a proteger esse costume, pois a obrigação nasceu a partir do reconhecimento — da lei nascida na carne, não de uma imposição exterior arbitrária. Assim, o tributo se torna expressão concreta de uma aliança orgânica e espiritual entre o governante e os governados, tendo como mediador o próprio Cristo Rei.

Essa concepção confere ao tributo sobre a renda, no contexto de uma monarquia cristã, um caráter sacramental e não meramente fiscal. Trata-se de um ato jurídico fundado em relações reais, espirituais e históricas, que ultrapassa o positivismo jurídico moderno e se ancora no reconhecimento recíproco de dons, deveres e graças. O tributo torna-se, assim, uma das formas visíveis pelas quais se manifesta a política como arte de santificação no tempo, e não como técnica de dominação ou mera administração de interesses.

Referências

  • COSTA, João Paulo Oliveira e. D. João III. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

  • SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Lisboa: Europa-América, 1993.

  • ROCHA, Heleno Taveira Torres da. Tributação e Justiça Distributiva. São Paulo: Malheiros, 2001.

  • VICENTE DE PAULO, São. Escritos e Conferências. Tradução: Irmãs Vicentinas. Lisboa: Paulinas, 1985.

  • LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum. 1891.

Nota: Este artigo propõe uma reconstrução teórico-histórica e simbólica da função tributária no interior de uma monarquia cristã. Ele não se propõe a oferecer diretrizes práticas para a legislação atual, mas contribuir à reflexão sobre as raízes espirituais e jurídicas da tributação.

A legiimidade da tributação sobre a renda como gratidão à autoridade que aperfeiçoa a liberdade de muitos nos méritos de Cristo

Resumo

Este artigo propõe uma reinterpretação teológico-jurídica do imposto de renda como expressão legítima da gratidão dos cidadãos a uma autoridade política que, reconhecendo-se como vassala de Cristo, patrocina obras que aperfeiçoam a liberdade espiritual e material do povo. Partindo de exemplos históricos como o patrocínio régio à Companhia de Jesus na América Portuguesa e o financiamento das indústrias de luxo na França absolutista, demonstra-se que a tributação é justa quando deriva de uma autoridade ordenada ao bem comum segundo a ordem natural e divina. A perspectiva aqui adotada recupera os fundamentos tradicionais do direito natural, opostos ao modelo fiscal expropriatório e burocrático do Estado moderno, e propõe critérios teológicos e morais para a legitimidade do imposto sobre a renda.

Palavras-chave: imposto de renda; autoridade; direito natural; monarquia católica; liberdade; bem comum.

1. Introdução

Na tradição jurídica ocidental, especialmente sob a influência do pensamento cristão, o poder político não é autônomo, mas derivado da ordem natural estabelecida por Deus. A autoridade legítima é aquela que se reconhece vassala do verdadeiro Rei, o Cristo, e que exerce o poder temporal para servir à verdade e ao bem comum. A tributação, nesse contexto, não é mero instrumento de arrecadação, mas expressão concreta da justiça distributiva e da gratidão do povo a uma autoridade que, servindo a Deus, aperfeiçoa a liberdade dos súditos.

Este artigo busca demonstrar que o imposto de renda, especificamente, só é moral e juridicamente legítimo quando recolhido por uma autoridade que emprega os recursos públicos para elevar espiritualmente e civilizar moralmente o povo, como exemplificado no patrocínio da Monarquia Portuguesa às missões jesuíticas ou na política de incentivo às indústrias de luxo sob o reinado de Luís XIII e Luís XIV, contexto no qual atuou São Vicente de Paulo.

2. O fundamento natural e teológico da autoridade política

A autoridade política, segundo o ensinamento clássico da Igreja, não é invenção do contrato social, mas sim deriva da própria natureza social do homem, criada por Deus. São Paulo já ensinava que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13,1), e Santo Tomás de Aquino reafirma que a política é uma arte ordenada ao bem comum⁽¹⁾.

O Papa Leão XIII, na encíclica Diuturnum Illud, reafirma que:

“A autoridade, como a sociedade, tem sua origem na natureza, e é, por consequência, estabelecida por Deus.”⁽²⁾

Esse princípio implica que a legitimidade do tributo está condicionada à legitimidade da autoridade que o exige. O tributo é justo não por si mesmo, mas porque é recolhido por uma autoridade que realiza sua função natural e divina: proteger os bons, punir os maus e promover o bem comum em conformidade com a verdade.

3. A Monarquia Portuguesa e o patrocínio à evangelização como exemplo de autoridade legítima

Durante o período em que éramos parte de Portugal, a Monarquia Portuguesa financiou largamente as missões da Companhia de Jesus na América. Não se tratava apenas de uma política de domínio territorial, mas de uma missão espiritual civilizadora: formar almas para Cristo, estabelecer escolas, alfabetizar os indígenas, ensinar ofícios e organizar a vida comunitária segundo o Evangelho⁽³⁾.

Serafim Leite relata:

“O Padre, mestre e missionário, substituía a autoridade ausente e tornava-se, em muitos casos, o verdadeiro pai espiritual e civilizador do gentio. E para isso era sustentado pelo próprio rei.”⁽⁴⁾

Esse modelo confirma que a Coroa portuguesa exercia autoridade conforme o direito natural, pois subsidiava não o mero domínio político, mas a difusão da verdade e a formação moral dos súditos, que é o que verdadeiramente liberta (cf. Jo 8,32).

4. A indústria do luxo no tempo da Monarquia Francesa e a superação da miséria

Outro exemplo de autoridade que aperfeiçoa a liberdade nos méritos de Cristo encontra-se na França dos séculos XVII e XVIII, onde a monarquia absolutista investia no desenvolvimento das chamadas indústrias de luxo — tapeçarias, manufaturas, porcelanas, alta-costura — como forma de promover a economia e gerar trabalho para os mais pobres.

Nesse mesmo contexto, São Vicente de Paulo atuava em Paris e nas províncias, organizando instituições de caridade, hospitais, orfanatos, e conciliando a ação da Igreja com a política de promoção social indireta promovida pela Coroa⁽⁵⁾.

Portanto, quando o soberano utiliza os tributos para financiar obras que elevam moral e espiritualmente o povo, a cobrança do imposto de renda é justa, pois representa a participação do cidadão nos frutos de uma autoridade santificadora.

5. O tributo sobre a renda como sinal de gratidão à autoridade justa

Assim compreendido, o tributo sobre a renda não é mera prestação pecuniária compulsória ao Estado, mas expressão de justiça e gratidão para com aquele que, no exercício da autoridade, aperfeiçoa a liberdade dos governados por meio do patrocínio a instituições de ensino, arte, religião, e assistência.

Esse tributo se justifica nos méritos de Cristo, quando recolhido por uma autoridade que não busca a sua glória, mas a glória de Deus na santificação da sociedade. Tal autoridade não é tirânica nem burocrática, mas paternal e subsidiária, como ensina Pio XI:

“Não se pode tirar aos particulares e transferir para a comunidade o que eles podem realizar por sua própria iniciativa e com seus próprios meios.”⁽⁶⁾

6. O imposto de renda como dízimo à autoridade vassala de Cristo

O imposto de renda, quando recolhido por uma autoridade que se reconhece vassala de Cristo, assume natureza de dízimo: não se trata de caridade, nem de auxílio, mas de reconhecimento e justiça. Assim como os hebreus ofereciam o dízimo ao Templo em gratidão pelo Deus que os libertou do Egito, o cidadão cristão oferece parte de sua renda ao soberano que, nos méritos de Cristo, o livra da ignorância, da tirania e da miséria.

Essa concepção eleva o tributo a uma forma de ato ritual de gratidão ordenada, cujo significado pode ser expresso na seguinte fórmula:

“Senhor, recebei o meu tributo — não é uma esmola, porque não sois mendigo; nem um auxílio, porque não precisais dele. Esta oferta representa a minha gratidão, pois o que eu tenho eu recebi de vós, nos méritos de Cristo.”

É esse o verdadeiro espírito da tributação cristã: o tributo sobre a renda é o dízimo social da liberdade recebida por meio da autoridade justa, e sua legitimidade depende de estar a serviço da verdade e ordenado ao bem comum sobrenatural.

7. Conclusão

O tributo sobre a renda, na perspectiva cristã clássica, só é legítimo quando cobrado por uma autoridade que age como vassala de Cristo, buscando o bem espiritual e material de seus súditos. O patrocínio à educação religiosa, às artes, ao cuidado dos pobres e ao desenvolvimento de ofícios são expressões de um governo justo, e a resposta justa a esse governo é a gratidão expressa no tributo voluntário e moralmente devido.

Ao contrário da exação moderna, fundada na soberania autônoma do Estado, o modelo tradicional nos ensina que a liberdade dos cidadãos cresce na medida em que a autoridade se ordena ao Todo que vem de Deus. Esse é o verdadeiro fundamento jurídico e moral do tributo sobre a renda.

Referências Bibliográficas

  1. TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001, I-II, q. 90-97.

  2. LEÃO XIII. Diuturnum Illud, 1881. In: Cartas Encíclicas. Petrópolis: Vozes, 2003.

  3. MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. São Paulo: É Realizações, 2005.

  4. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Livraria Portugália, 1938, v. I, p. 203.

  5. BERDIAEFF, Nicolas. A Idade Moderna e o Destino do Homem. São Paulo: Paulus, 2000.

  6. PIO XI. Quadragesimo Anno, 1931. Disponível em: https://www.vatican.va

  7. BENTO XVI. Caritas in Veritate. Vaticano, 2009.

  8. BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007.

Tributação Territorialista e Imposto de Renda no Império Português: justiça, liberdade e serviço a Cristo em terras distantes

1. Introdução

O Império Português, diferentemente das potências coloniais modernas, fundou sua expansão em um regime de povoação municipalista, marcado por uma capilaridade política assentada nas câmaras locais e pela aliança entre a Coroa e os súditos em cada território. A relação entre o Rei e seus vassalos não era genérica ou centralizada, mas orgânica, pessoal e fundada na justiça. Nesse contexto, a tributação seguia o princípio do territorialismo, segundo o qual cada terra contribuía conforme sua realidade, através de pactos locais ajustados ao bem comum e à glória de Deus.

Entretanto, essa estrutura descentralizada e personalizada não exclui a possibilidade de um imposto de renda. Pelo contrário: dentro do espírito cristão da monarquia portuguesa, um tributo sobre a renda pessoal poderia ser perfeitamente concebido como uma prestação voluntária e justa ao soberano, caso existisse tal instrumento fiscal no tempo histórico.

2. O Regime de Povoação Municipalista

A expansão portuguesa na América, África, Ásia e Oceania foi marcada pela fundação de núcleos urbanos dotados de câmaras municipais que, desde cedo, gozaram de grande autonomia administrativa e judicial. Como destaca Vitorino Magalhães Godinho, "a administração ultramarina portuguesa baseava-se mais na autoridade local das câmaras do que numa presença efetiva e constante da metrópole"¹.

Essas câmaras representavam o povo local e atuavam em consonância com a autoridade régia, gerando um modelo de pacto federativo orgânico, muito distinto do centralismo ilustrado das potências posteriores. O Rei era visto como pai da pátria, guardião da justiça e promotor da unidade moral do império. A monarquia portuguesa, especialmente após a revolução de Avis e o milagre de Ourique, consolidou-se como um projeto espiritual: um povo eleito, conduzido por um Rei eleito, a serviço de Cristo.

3. Tributação Territorialista: um império de pactos

A estrutura fiscal portuguesa nos territórios ultramarinos era, majoritariamente, territorialista. Os tributos variavam segundo a natureza econômica da terra e eram resultado de concessões régias, contratos, forais e compromissos locais. Como explica Diogo Ramada Curto:

"A arrecadação de impostos no império português estava longe de obedecer a um modelo centralizado; antes, configurava-se como um conjunto de arranjos locais mediados por agentes régios e pelas câmaras municipais"².

Isso significa que a justiça tributária era adaptada à realidade local, favorecendo a prosperidade da terra e permitindo que a liberdade do povo se aperfeiçoasse na ordem cristã. Não havia espaço para a espoliação ou o nivelamento: cada qual contribuía conforme podia, como os membros de um corpo que servem à cabeça.

4. O Imposto de Renda como possibilidade histórica

Embora o imposto de renda não existisse como figura tributária no período colonial português, nada impede, em termos de estrutura política e teológica, que esse tipo de tributo fosse implementado dentro da lógica monárquica e territorialista. Ao contrário dos modelos modernos, em que o imposto de renda é instrumento de engenharia social e redistributiva centralizada, no império português tal tributo seria expressão de gratidão e responsabilidade pessoal perante o soberano, nos méritos de Cristo, e com vistas ao bem comum local.

A relação entre o vassalo e o Rei não era puramente jurídica, mas sacramental e cristológica: o Rei, imagem de Cristo, recebia a oblação voluntária do povo como expressão de ordem, fidelidade e justiça. O imposto de renda, nesse espírito, poderia existir como uma prestação de contas espiritualizada, prestada àquele que exerce o poder para proteger, não para espoliar.

5. O Caso da Câmara de São Paulo de Piratininga

Tomemos como exemplo a câmara republicana de São Paulo de Piratininga. Sendo uma terra de difícil acesso, com economia inicialmente pobre e baseada na agricultura de subsistência e na caça, qualquer pacto tributário deveria ser cuidadosamente ajustado à sua realidade. Mas, com o passar do tempo, à medida que a terra prosperasse e os vassalos servissem a Cristo através do trabalho e da justiça, nada impediria que um imposto sobre a renda – entendido como fruto legítimo da atividade ordenada – fosse pactuado com o Rei.

Esse imposto seria:

  • Personalizado;

  • Proporcional à capacidade do território;

  • Instrumento de gratidão e não de punição;

  • Regido por acordos livres e não por decretos unilaterais.

6. Conclusão: tributar nos méritos de Cristo

O Império Português, enraizado na tradição católica, mostrou que é possível governar vastos territórios sem ceder ao centralismo revolucionário ou ao totalitarismo fiscal. O municipalismo cristão e o territorialismo fiscal não impedem a existência de um imposto sobre a renda, desde que este se subordine à ordem moral, à justiça concreta e ao serviço de Cristo.

Um imposto de renda assim concebido não seria um mecanismo de dominação, mas uma forma de aperfeiçoar a liberdade de muitos nos méritos de Cristo, a ponto de a autoridade monárquica servir a Cristo em terras distantes, por meio da força de sua justiça e de seu exemplo.

Notas de rodapé

  1. GODINHO, Vitorino Magalhães. Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa: Arcádia, 1968, p. 197.

  2. CURTO, Diogo Ramada. A circulação das elites no império português. In: SCHAUB, Jean-Frédéric; CURTO, Diogo Ramada (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos. Lisboa: ICS, 2001, p. 35.

Referências Bibliográficas

CURTO, Diogo Ramada. A circulação das elites no império português. In: SCHAUB, Jean-Frédéric; CURTO, Diogo Ramada (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2001.

GODINHO, Vitorino Magalhães. Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa: Arcádia, 1968.

MATTOSO, José. Identificação de um país: ensaio sobre as origens de Portugal (1096–1325). Lisboa: Estampa, 1985.

VIEIRA, Padre António. Sermões. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002.

SUÁREZ, Francisco. De Legibus ac Deo Legislatore. Madrid: BAC, 1965.

A Tributação na Monarquia Brasileira: entre o centralismo paterno e o territorialismo municipalista

Introdução

A tributação na Monarquia não pode ser compreendida apenas como um mecanismo de arrecadação financeira, mas como uma expressão concreta da relação política e espiritual entre o monarca e seus súditos. Diferentemente das repúblicas modernas, onde o imposto é muitas vezes visto como um ônus impessoal, no contexto da Monarquia Católica — tal como vivida no Império do Brasil — o imposto de renda representa um ato de prestação de contas de um filho ao seu pai espiritual e político: o monarca, vassalo de Cristo, aquele que governa nos méritos do verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

O imposto de renda e a relação paterno-filial com o Monarca

Na Monarquia Brasileira, de cunho centralista, a tributação direta da renda encontra respaldo na natureza vertical da autoridade real. O imperador não é um mero administrador, mas o pai da pátria, o guardião da unidade espiritual e moral do povo. Assim, ao declarar seus rendimentos, o súdito não apenas cumpre uma obrigação civil, mas reafirma sua lealdade à ordem que provém de Deus.

O monarca, sendo vassalo de Cristo conforme o milagre de Ourique, possui autoridade sagrada para proteger seus súditos dos abusos dos poderes inferiores, especialmente através do Poder Moderador, aquele que garante a harmonia entre os poderes constitucionais e evita o desequilíbrio que hoje corrompe as repúblicas.

O territorialismo municipalista da tradição portuguesa

Por outro lado, a tradição lusa, especialmente sob a influência de um sistema de povoamento municipalista, adotou em muitos casos uma forma de tributação territorialista. Isso se justifica pelo fato de que a relação entre os diversos territórios do Reino — e, mais tarde, do Império — não era de homogeneidade, mas de diferença ordenada.

Na lógica tradicional portuguesa, a igualdade entre os súditos não significava tratamento uniforme, mas o reconhecimento das desigualdades legítimas oriundas de suas realidades geográficas, culturais e econômicas. Assim, a tributação devia respeitar essas desigualdades, tratando os desiguais na medida de sua desigualdade, tal como recomendava Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.

A unidade monárquica e a diversidade provincial

A grande extensão territorial do Brasil, somada ao desejo natural das províncias por certa autonomia administrativa, tornava o sistema territorialista mais coerente com a realidade do Império. A unidade política não dependia da uniformidade tributária, mas do fato de todas as províncias compartilharem o mesmo soberano: um monarca católico, vassalo de Cristo, cuja autoridade unificava as diferenças sem destruí-las.

Esse sistema, enraizado na tradição de D. Afonso Henriques, rei ungido por Deus após a batalha de Ourique, implica que a tributação no Brasil monárquico deveria servir antes à ordem e à paz do Reino do que ao financiamento cego de estruturas burocráticas.

Conclusão

A lógica tributária da Monarquia Brasileira só pode ser compreendida à luz da espiritualidade cristã e da tradição política portuguesa. O imposto de renda, quando existe, deve refletir a relação de filiação espiritual entre o povo e seu rei. Já a tributação territorialista, por sua vez, expressa a realidade concreta das províncias e o respeito às suas diversidades. Ambas as formas encontram harmonia na figura do monarca cristão, aquele que, como D. Pedro II, é sustentáculo da unidade sem eliminar a legítima diversidade.

Notas de Rodapé

  1. A referência ao milagre de Ourique remonta ao ano de 1139, quando D. Afonso Henriques teria visto Cristo em uma visão antes da batalha contra os mouros, o que lhe conferiu legitimidade divina para fundar o Reino de Portugal.

  2. A concepção de "desiguais tratados como desiguais" encontra eco na Ética a Nicômaco, de Aristóteles, e na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino (II-II, q. 61), onde se distingue justiça comutativa da distributiva.

  3. O Poder Moderador, previsto na Constituição do Império do Brasil de 1824, era entendido como a instância que harmonizava os conflitos entre os três poderes, em analogia com a alma racional que governa o corpo.

Bibliografia Inicial

  • AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2002.

  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

  • GURGEL, Rodrigo. Escola de Homens. São Paulo: Edições Vida Nova, 2018.

  • LIMA, Oliveira. O Império Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 1997.

  • MONTEIRO, Tobias Barreto. História do Império. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1921.

  • SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Lisboa: Publicações Europa-América, 1993.

O imposto de renda como ato poético: a confissão fiscal sob a Monarquia Cristã

Resumo

Este artigo reflete sobre a diferença substancial entre o ato de declarar imposto de renda numa monarquia cristã e numa república secular. Propõe-se que, sob o Império do Brasil — herdeiro espiritual da tradição portuguesa fundada no milagre de Ourique —, o tributo adquire um caráter de prestação moral, confissão pública e confirmação da ordem justa. Em contraste, sob a república burocrática e positivista, o imposto se torna frio, contábil e desumanizador. O texto argumenta que apenas dentro de uma monarquia legítima, fundamentada nos méritos de Cristo e sustentada pelo Poder Moderador, o ato tributário revela sua verdade como poiesis social.

1. Introdução

Dentre os inúmeros atos que um cidadão realiza ao longo da vida, poucos parecem tão áridos quanto a declaração do imposto de renda. Na república moderna, este rito anual é reduzido a um dever contábil, imposto por um Estado que não é pai, mas carcereiro. No entanto, à luz da tradição monárquica cristã, este mesmo ato pode adquirir um significado radicalmente diferente: a prestação de contas a um soberano legítimo, que, como vassalo de Cristo, exerce o poder em nome do bem comum.

2. A Monarquia como ordem providencial

Desde o milagre de Ourique, no qual D. Afonso Henriques ouviu de Cristo o chamado para fundar um reino, a monarquia portuguesa foi concebida como uma missão espiritual: proteger o povo, expandir a fé e manter a unidade^1. O Brasil, como desdobramento desse projeto, herdou essa missão. Dom Pedro II, em seu reinado, encarnou essa continuidade histórica, sendo não apenas chefe de Estado, mas pai da nação.

A monarquia, segundo Burke, “é a mais poética de todas as instituições políticas”^2. Ela estabelece uma relação viva entre o governante e o governado — uma relação que é mais do que contrato: é aliança. Por isso, a tributação sob o Império do Brasil não deveria ser entendida como extorsão, mas como manifestação de pertença a uma ordem superior.

3. O imposto como ato de confissão pública

Ao declarar o imposto de renda sob a autoridade de um imperador — vassalo de Cristo e guardião da justiça —, o cidadão reconhece a fonte legítima de poder. O tributo deixa de ser apenas uma transferência de recursos e se torna um testemunho do que faço e deixo de fazer diante do soberano. A tradição cristã sempre viu o rei como ministro da justiça de Deus^3, e o ato fiscal, nesse contexto, torna-se um gesto de consciência.

O imposto é então comparável à confissão: revela o trabalho realizado, as posses adquiridas e os bens administrados, tudo isso dentro da ordem moral. É um exame de consciência público, perante aquele que, ungido pelo dever do Poder Moderador, vela pela justiça e equilibra os poderes.

4. A frieza republicana

A república, fundada sobre os escombros da monarquia e imersa no positivismo jurídico, rompe esse laço sagrado. O Estado moderno já não é expressão do bem comum, mas instrumento de vontade partidária e interesse ideológico. A cobrança de tributos sob tal regime é desprovida de beleza, de justiça e de proporção.

Na linguagem contábil da Receita Federal, o cidadão não é mais sujeito moral, mas contribuinte. A declaração do imposto torna-se então um ato coercitivo, despersonalizado, submetido ao terror fiscal do Leão, símbolo de força bruta e não de realeza legítima.

5. O Poder Moderador e a proteção contra os maus governos

O Poder Moderador, tal como estabelecido na Constituição do Império de 1824, era a instância espiritual da política brasileira^4. Não servia para governar diretamente, mas para impedir que as paixões humanas corrompessem o governo. Ele representa o freio último ao arbítrio dos poderes e garante a unidade nacional.

Sob este regime, o imposto de renda é um ato de confiança: o povo oferece parte de seus frutos ao soberano, confiando que este os empregará com sabedoria, nos méritos de Cristo. A beleza dessa relação é visível: trata-se de uma poesia em ato, como dizia o autor deste ensaio.

6. Conclusão: conhecer a verdade, viver a beleza

A monarquia cristã revela o sentido histórico das coisas porque se ancora na verdade. Ao conhecer a verdade sobre a ordem política, reconhece-se que o imposto pode ser uma forma de serviço, não de servidão; uma manifestação de liberdade ordenada, não de submissão fiscal.

Por isso, afirmar que a declaração do imposto de renda é bela sob a monarquia e fria sob a república não é exagero, mas expressão de uma verdade que une teologia, história e filosofia política. É reconhecer que a beleza da ordem justa não está na forma do formulário, mas no coração daquele que oferece, sabendo que sua oferta se insere num projeto de salvação comum.

Referências

  1. COSTA, A. C. Ourique: Mito e História. Lisboa: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2004.

  2. BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

  3. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q. 96-97. Trad. Frei Leonardo. São Paulo: Loyola, 2005.

  4. BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 jul. 2025.