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http://tiagocabral91.wordpress.com/2013/05/28/liberalismo-e-distributismo/
Tiago Cabral: "A escola austríaca de economia defende a praxeologia, ou seja, que o estudo do mercado deva ser todo baseado em deduções lógicas extraídas a partir de um fato irrefutável e parte da premissa de que toda ação humana visa a um bem determinado. Esse fato enunciado por Ludwig von Mises, e explicado à maneira kantiana como um dado a priori, também encontraria respaldo na filosofia clássica e tradição escolástica católica".
Crítica de José Octavio Dettmann:
1) Quando se busca a satisfação das necessidades humanas, há que se considerar os bens lícitos, bons por si mesmos, fontes de toda a virtude, por estarem conforme os planos do Criador, e os bens ilícitos, fontes de todo o vício e pecado, maus por si mesmos, cuja busca em si nos afasta desses planos.
2) O estudo da praxeologia, por ser de essência formal e por não permitir fazer juízo de valor, permite a escolha otimizada, racional e eficiente acerca de quais seriam os melhores meios para se satisfazer um fim, que é a necessidade humana. A praxeologia é neutra, indiferente quanto ao valor do bem em si - e nem todo fim buscado para saciar uma necessidade é honesto e bom por si mesmo.
3) Exatamente por isso que falei no ponto 2 de minha crítica que o estudo da praxeologia deve ser limitado a fornecer quais seriam os melhores meios para atender as necessidades humanas boas por si mesmas, conforme à verdade revelada - o que é ruim, nefasto não deve sequer ser objeto de consideração, de deliberação, pois fazer ciência no mal é perverter a verdade e promover a mentira, tal como se verdade fosse. Sem esse limite, ocorre a ruptura completa entre economia, enquanto estudo da ação humana, e a moral. Esse divórcio é a causa do relativismo moral, pregado por todos os libertários.
Resposta de Tiago Cabral:
Concordo que o kantismo traz em seu cerne o relativismo moral, mas a lei econômica pode ser defendida sem Kant. Rothbard usava o princípio escolástico de que toda ação visa um bem como fundamento da lei praxeológica sobre o qual se deduz toda a lei econômica. E separar campos de estudos em ciências naturais e morais, não implica na relativização deste último. Ajudar o próximo é bom moralmente, mas ela não pode violar leis dadas pela natureza, como a gravidade, ou as leis do mercado.
Resposta de Guilherme Freire a Tiago Cabral:
1) Eu acho bom que ela seja defendida sem Kant. Só que a separação de estudos em categorias estanques não pode ser confundida com a própria realidade. Nenhuma ciência é capaz de abarcar os vários fatores complexos da realidade e concatenar eles. Reduzir a economia a algo como meras "leis do mercado", e excluir fatores políticos, morais, entre outros é fugir da realidade. Esse é um problema de quase toda a Escola Austríaca (não só a de economia, Weber perdeu a cabeça por causa disso).
2) Me parece que a Escola Austríaca foi a que chegou mais perto da realidade, em comparação com escola keynesiana ou mesmo a monetarista. Muito do que é dito por Hayek, Mises e outros é verdadeiro. No entanto, isso não é o bastante, pois negligencia uma série de outros conhecimentos, na busca da tal ciência pura kantiana que, na verdade, não existe. Pior são os que tentam transpor constatações de mercado para a ética, como Ayn Rand.
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Tiago Cabral: "Thomas Woods, em seu livro The Church and the Market: A catholic defense of the free economy, mostra como o pensamento econômico liberal e sua doutrina subjetiva e voluntarista se desenvolveu no seio da Igreja Católica. Os Escolásticos tardios Juan de Mariana, San Bernardino de Siena e Sant’Antonio de Florença criticaram as regulações de salários como geradoras de desemprego, bem como controle de preços e segredos de informações em guildas. Eles foram os primeiros a ter um entendimento sobre o real funcionamento do mercado. Usando a prova lógica, argumentavam como as regulações impostas pelas guildas levariam a fins contrários ao que se pretendiam inicialmente, e que havia uma lei natural de mercado, imposta pela Divina Providência, sobre a qual todos devem se submeter."
Crítica de Guilherme Freire: os Escolásticos tardios, nos quais o Woods se baseia, não são liberais que magicamente brotaram de um meio hostil ao livre mercado. Eles são a continuação do próprio pensamento econômico desenvolvido por São Tomás de Aquino, que é a base do distributivismo. O que ele viu de liberal nos escolásticos espanhóis é um dos aspectos do distributivismo, que se baseia na livre iniciativa. Acho curioso que ele saiba tão pouco sobre o assusto. Nunca vi ele discutindo a noção de distribuição Universal, que nada mais é do que dar a cada um o que é devido, ou a filosofia tomista por trás das encíclicas.
Crítica de José Octavio Dettmann:
1) Há que se considerar também o sentido de liberdade, defendido pela Igreja. A livre iniciativa, como um elemento do dom de si, deve ser exercida para se chegar a um fim, que é bem servir à verdade, ou seja, de servir bem a quem necessita e estar conforme os planos de Deus.
2) Um dos quatro pressupostos da qualidade dos bens está justamente no poder se dispor deles para servir a um determinado propósito - e esse propósito deve ser necessariamente bom para ser útil.
3) O conceito de bem, fundado na verdade, antecede à utilidade. Como a verdade não é minha e nem sua para que seja nossa, a utilidade de um bem se difunde em razão do seu uso sistemático, difundido e ampliado, já que é bom por si mesmo - e isto é a causa da chamada "mão invisível", descrita por Adam Smith. É o caso dos costumes, dos padrões de qualidade, procedimentos técnicos. Isso favorece à integração social e a responsabilização os indivíduos em sociedade.
4) O liberal vê a liberdade como uma libertação de uma amarra. Sua visão de justiça ou de injustiça depende daquilo que é conveniente, enquanto política de Estado que possa maximizar riqueza para toda a população. Exemplo: vender ópio para a China é bom para a Inglaterra porque gera divisas, mas não é bom por si mesmo porque gera um bando de gente viciada e prejuízo de cunho social para toda a China. A utilidade da medida, para o liberal, antecede os valores e podem ser aplicados pelo governante, mesmo que sejam reprováveis, se eles beneficiarem a população de seu país, ainda que às expensas da outra. O utilitarismo da medida econômica se divorcia dos valores fundados na lei divina.
5) As conveniências, se não estiverem fundadas na justiça, são fonte de verdadeiras relações de assimetria do poder, causa de todo conflito, seja no âmbito do Direito Internacional, ou no Direito Interno, principalmente nas questões de Direito do Trabalho ou Direito do Consumidor.
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Tiago Cabral:
"No século XIX, historiadores alemães criariam um falso mito sobre o pensamento econômico medieval, e uma ênfase excessiva foi dada a von Langenstein e sua noção de preço justo. Woods continua:
'Esses historiadores glorificaram uma sociedade de status não-existente na qual cada pessoa e grupo se encontrava em uma estrutura hierárquica harmoniosa, não perturbada por relações de mercado ou ganância capitalista. [...] Essa visão sem sentido da Idade Média e doutrina escolástica foi primeiro proposta por socialista alemães e historiadores corporativistas estatistas Wilhelm Roschner e Werner Sombart no final do século XIX.'
Essas teorias historicistas sobre a economia rejeitariam os pressupostos da lei econômica, tida como um abstrativismo generalizante. As relações econômicas seriam apenas produtos arbitrários de circunstâncias históricas e possíveis de serem corrigidas pela vontade humana. Não existe mais preço de mercado definido por oferta e demanda, mas “preços justos” fixados por guildas e governos. Um salário não mais é definido pela lei natural do mercado, correspondente ao grau de escassez do trabalho e as circunstâncias de atender as necessidades dos consumidores, mas deve ser determinada arbitrariamente pelo empregador conforme critérios de subsistência do trabalhador.
A Doutrina Social da Igreja muito incorporaria dessas ideias. Segundo a Rerum Novarum:
“Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta. “
Essa constituiria a formulação moderna de salário justo. Tais intenções e propósitos de valorizar a dignidade do trabalho são nobres e bons, e não é a questão principal a ser discutida aqui. Mas tais propósitos jamais serão alcançados sem respaldo na lei econômica. Não é possível definir o melhor salário possível sem que haja livre vontade entre operário e patrão"
Crítica de Guilherme Freire:
1) O distributivismo não é historicismo, pois o seu fundamento principal não é o isolamento do aspecto histórico, no seu sentido mais puro, divorciado de outros aspectos, com o fim de se criar determinismo ou fatalismo. Isso contraria a doutrina do livre arbítrio, fonte da livre iniciativa. Belloc isola o aspecto histórico no sentido de destacar ou melhor explicar o fato - a análise dele não faz tábula rasa e não depende de purismo metodológico algum para ser compreendida nesses termos. Se a análise dele estiver errada, isso não invalida a proposta distributivista. De qualquer forma, me parece que as previsões dele foram muito acertadas. Ainda que essa seja uma corrente, existem outras correntes dentro da teoria distributivista (a começar pela teoria da nacionidade de Dettmann, é claro)
2) A idéia de um preço regulado pelo Estado é incompatível com o distributivismo. Aliás, a burocracia estatal moderna é incompatível com o distributivismo.
Resposta de Tiago Cabral a Guilherme Freire:
1) Reconheço que o distributivismo é contrário a burocracia estatal moderna, mas ele, ainda assim, defende a regulação de preços, operada pelas guildas. Tais associações eram o alvo das críticas dos escolásticos tardios e vejo isso como contrário à livre iniciativa.
Tréplica de Guilherme Freire:
1) Só que o distributivismo não é necessariamente a favor do controle de preços pelas guildas. o ponto é que me parece claro é que o Woods acha que distribuição universal tem algo haver com Estado ou burocracia, o que não é verdade.
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(esta postagem está inacabada. Ela será ampliada em uma outra oportunidade)