Outro erro muito comum - e difundido nos livros de história, nas enciclopédias e nas nossas crenças históricas habituais - é falar do vice-reinado como se estivéssemos falando de uma colônia, pois estamos falando de categorias ontológicas diferentes.
De acordo com o dicionário da Academia Real da Língua Espanhola, enquanto uma colônia é um território dominado e administrado por uma potência estrangeira, que é a partir do exterior como se fosse um Estado-fantoche, um vice-reinado é um distrito governado por um vice-rei, a partir de dentro. A figura do vice-rei é de uma autoridade que se encarregou de representar o Rei num território da Coroa, exercendo plenamente as prerrogativas reais a ponto de govern[a-la em seu nome, o que significa que a figura do Rei não só é muito considerada, mas também respeitada entre os governados que se encontram no além-mar. Os vice-reinados não podem ser comparados a meras colônias, pois a autonomia desses territórios é plena, os cidadãos do além-mar têm os mesmos direitos e deveres que os súditos da coroa e ela obedece aos mesmos princípios do governo católico universal, os mesmos princípios pelos quais os vassalos de Cristo observam quando são coroados, sejam por meio da Igreja, seja diretamente do próprio Cristo, como aconteceu com D. Afonso Henriques, na batalha de Ourique.
Ao contrário do que comumente se pensa, o Império Espanhol não era um império centralizado, composto de metrópoles e colônias, mas sim um império descentralizado de reinos que tinham em comum a religião, as leis, a língua, a cultura e o conceito de unidade. Mesmo o termo “Império Espanhol” é relativamente novo e acrescentado pela historiografia contemporânea, já que na época do império ninguém falava em império. Exceto na época Filipe II, onde no império dele o sol nunca se põe - o que representa uma verdadeira analogia ao Império Britânico que viria anos mais tarde - o verdadeiro termo que se utilizou e se refletiu nos documentos oficiais foi o de Monarquia Hispânica Monarquia Católica ou Monarquia Universal.
Também é falso dizer que cargos de poder, como o título de vice-rei, fossem exclusivos dos espanhóis da Península Ibérica. O vice-rei mais importante da Nova Espanha (México) no século XVIII foi o conde de Revillagigedo, nascido na ilha de Cuba. A burocracia, o exército e a Marinha Real contavam com nativos do Novo Mundo em diversos cargos e hierarquias, aos quais tinham acesso em igualdade de condições com os peninsulares.
Os vice-reinados não foram uma invenção criada para o domínio espanhol do continente americano - nas índias como era mais chamado naquela época - já que também existiam vice-reis na Espanha européia como forma administrativa da nação: havia o vice-rei do reino de Aragão, havia o vice-rei do principado da Catalunha, o vice-rei do reino da Galiza, o vice-rei do reino de Navarra, o vice-rei do reino de Valência, o vice-rei do reino da Sicília e, finalmente, o vice-rei do reino de Sardenha. Os quatro vice-reinados das Índias - A Nova Espanha, o Peru, a Nova Granada e o Rio da Prata - ficavam todos do outro lado do oceano, eram regidos pelas Leis das Índias e dentro delas incluíam vários reinos, regiões, audiências e capitanias. A Nova Espanha teve a capitania geral das Filipinas, a Nova Granada teve a Audiência Real de Quito, o vice-reinado do Peru teve a Capitania Geral do Chile, enquanto o Rio da Prata passou a administrar o país africano da Guiné Equatorial.
Na era do vice-reinado, errôneamente chamada de era colonial, havia cultura e muita riqueza, havia um grande senso de justiça e os mais elevados padrões de vida foram alcançados em todas as classes sociais, ultrapassando e muito os países europeus em muitos aspectos.
Como esclarecimento final a respeito da diferença entre vice-reinado e colônia, deve-se dizer que a causa fundamental da guerra de independência entre as treze colônias britânicas na América do Norte (que deu origem aos Estados) foi a exigência de os colonos dos países de lingua inglesea quererem ser tratados da mesma forma como o o México era tratado pela Espanha, conforme corrobora o historiador Ricardo Beltrán y Rózpide [1}; “Pode parecer surpreendente”, diz um escritor americano, “não saber que a causa fundamental da revolução nos Estados Unidos foi a reivindicação dos colonos ingleses de terem com a sua metrópole as mesmas relações jurídicas que o México e o Peru desfrutavam com a Espanha."
Na foto, vemos como era a Cidade do México ao lado da bandeira da Nova Espanha que os mexicanos de hoje nem conhecem; ela parecia a capital dos reinos, sem colonialismo.
Desta forma, conta-se que alguns emissários das Índias que chegaram a Madrid exclamaram: “Que pena que o Rei tenha que viver aqui quando poderia estar na Cidade do México ou em Lima”. Houve mais esplendor e progresso. Como poderiam ser colônias?
Bibliografia:
"Las Indias no fueron colonias" Ricardo Levene. Argentina
"El árbol de odio" Philip W. Powell. California EEUU.
[1] O Brasil era tratado por Portugal da mesma forma como a Espanha tratava estes territórios. Isto consta na obra O Brasil não foi colônia, de Tito Lívio Ferreira. Ela é possível de ser adquirida neste link: https://payhip.com/b/AwGo
Blas de Lezo
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Fonte:
https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=pfbid0MqJGsWe3261BxZSKoVUDNdgTK9ALE85QvAqJHBMkSbeFYcKMUaTGJPFrT6NeGMoVl&id=100043700872726