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segunda-feira, 21 de julho de 2025

O retorno da Liga Hanseática: por que o Patrician I merece um remake narrativo ou um 4X estratégico

 Lançado originalmente em 1992, Patrician I foi um marco discreto, porém significativo, nos jogos de simulação econômica. Ambientado no norte da Europa medieval e centrado na poderosa rede de cidades da Liga Hanseática, o jogo colocava o jogador no papel de um comerciante em ascensão — mas com foco mais narrativo e social do que seus sucessores. Diferentemente das versões posteriores, que priorizaram gestão logística e expansão de impérios comerciais, Patrician I guardava uma alma mais intimista e política. Hoje, diante do sucesso de jogos como Merchants of Kaidan, Vagrus: The Riven Realms e Tortuga: A Pirate’s Tale, é legítimo perguntar: não seria a hora de resgatar essa alma original em uma nova roupagem?

A alma do primeiro Patrician: narrativa, política e ambição

Enquanto Patrician III e IV se consolidaram como simuladores complexos de comércio e política urbana, o primeiro jogo da série era quase uma novela medieval interativa. O jogador precisava conquistar prestígio local, sobreviver à política urbana e ganhar influência nos conselhos das cidades hanseáticas. Ainda que rudimentar, essa estrutura favorecia uma narrativa mais orgânica, onde as decisões não eram apenas econômicas, mas éticas, relacionais e políticas.

Esse espírito é cada vez mais valorizado na nova onda de jogos com forte componente narrativo. Merchants of Kaidan, por exemplo, embora mais simplificado mecanicamente, resgatou esse comércio aventureiro entre vilarejos e cidades com decisões difíceis e imprevisíveis. Vagrus, por sua vez, criou um universo inteiro onde o comércio é só uma das ferramentas para sobreviver e influenciar o destino de uma civilização pós-apocalíptica. 

Duas direções possíveis para um renascimento do Patrician

1. Remake narrativo: “Patrician – Tales of the Hanse”

Inspirado em Vagrus e Kaidan, este remake manteria o comércio como pilar, mas o colocaria a serviço de decisões morais, histórias pessoais e disputas políticas locais. O foco deixaria de ser a macrogestão e passaria a ser o papel do indivíduo: um comerciante, um político, um possível prefeito ou líder regional.

  • O jogo se desenrolaria por eventos (em estilo de cartas ou escolhas múltiplas).

  • Cada cidade teria seu próprio ecossistema social: famílias influentes, guildas, candidatos, escândalos.

  • Elementos históricos poderiam ser explorados com mais liberdade literária, valorizando a vivência pessoal sobre a precisão documental.

  • Trilha sonora e arte em 2.5D dariam o tom imersivo, reforçando o drama e a ambientação do Báltico medieval.

2. Spin-off estratégico 4X: “Patrician – Rise of the Hanse”

Outra direção promissora é seguir o modelo Tortuga, também publicado pela Kalypso Media. O jogo manteria a identidade comercial, mas incorporaria elementos de exploração e estratégia em escala maior.

  • Exploração do mapa do Mar do Norte e Báltico, com desbloqueio de rotas marítimas, eventos climáticos e ameaças piratas.

  • Expansão econômica e política: alianças entre cidades, compra de títulos, influência sobre o conselho hanseático.

  • Exploração, Exploração, Expansão e Extermínio (4X) adaptados ao contexto medieval europeu, com foco comercial e diplomático, não bélico.

  • Possibilidade de campanha cooperativa ou competitiva online entre casas mercantis rivais.

Por que agora?

O mercado atual de jogos de estratégia e simulação está pronto para uma proposta desse tipo. Jogos como Old World, Terra Invicta, Against the Storm e o promissor Millennia mostram que há uma fome por jogos históricos que combinam profundidade estratégica com identidade narrativa. O ciclo de nostalgia também favorece o resgate de IPs antigas — especialmente quando se pode atualizar o conceito com mecânicas modernas e visuais aprimorados.

Além disso, a Kalypso já detém a marca Patrician e tem experiência recente com jogos similares (Tortuga, Port Royale 4). Com um motor gráfico já disponível e uma base de fãs cultivada ao longo dos anos, o investimento seria proporcionalmente baixo e o potencial de retorno, considerável.

Conclusão

A história da Liga Hanseática é rica em comércio, diplomacia, ambição e conflito velado. Patrician I capturou essa essência de forma simples, mas memorável. Hoje, temos tecnologia, público e precedentes para fazer essa proposta florescer de novo — seja com uma roupagem narrativa profunda e pessoal, seja com um sistema 4X estratégico e ambicioso.

A Europa medieval do norte nunca foi tão promissora. Resta saber quem ousará içar as velas do renascimento hanseático.

Honra e Oportunismo: como nos portamos diante da fragilidade alheia

Nos últimos anos, tornou-se visível e desconcertante o modo como certos homens reagem diante da vulnerabilidade feminina, especialmente em cenários de guerra e crise humanitária. Um dos casos mais vergonhosos veio à tona quando o então deputado Arthur do Val, conhecido pelo codinome “Mamãe Falei”, viajou à Ucrânia em meio ao conflito bélico, não para prestar solidariedade, mas para comentar com tom libidinoso sobre a beleza e a “facilidade” das mulheres refugiadas¹.

A repercussão não foi à toa: esse episódio expôs, de forma pública e escandalosa, uma estrutura de pensamento perversa — uma ética de conquista que nada tem de nobre ou viril, mas que se ancora na exploração da dor, na inversão da caridade, e na instrumentalização do outro para fins pessoais. É o oposto do que o amor cristão ensina.

1. A mulher frágil como campo de caça: crítica ao modelo predatório

O comportamento desse tipo de homem — travestido de coragem por se “aventurar” em zona de guerra — revela, na verdade, uma covardia moral. Ao invés de proteger, usa a fragilidade como alavanca para seu desejo. Ao invés de elevar, rebaixa.

Essa postura representa o modelo predatório de masculinidade, no qual o outro é reduzido a ocasião de consumo. A mulher em situação de guerra ou pobreza deixa de ser um “próximo” no sentido evangélico (cf. Lc 10,29-37), para ser vista como um “objeto sexualmente disponível”.

Esse imaginário é uma forma moderna de colonialismo afetivo: o homem "ocidental", rico ou ao menos em situação de estabilidade, se vale da ruína alheia para extrair o que deseja, sem compromisso, sem entrega, sem reciprocidade.

2. A liberdade no amor e a ética cristã da honra

Em contraste a esse modelo está o homem honrado, que se orienta por outro princípio: o da liberdade fundada na verdade. Em minha experiência pessoal, por exemplo, tenho mantido contato com mulheres ucranianas por meio de plataformas de relacionamento como o Amal Date. E, embora muitas delas tenham se mostrado receptivas e até empenhadas em conquistar minha atenção, não vejo nisso uma brecha para exploração, mas um convite à responsabilidade.

Esse olhar é cristão porque vê o outro como um fim em si mesmo, não como meio. O verdadeiro amor não se aproveita da liberdade do outro, mas se submete a ela. Ele não invade, mas convida. Como diz São Paulo, “o amor é paciente, é benigno; [...] não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal” (1Cor 13,4-5).

A liberdade, neste caso, não é a de fazer o que se quer, mas de agir segundo a verdade do bem. E isso supõe o domínio de si, o controle do desejo e o reconhecimento da dignidade alheia. É o que Aristóteles chamava de sophrosyne, e que Santo Tomás traduz em termos de temperança.

3. Josiah Royce e a lealdade como fundamento da amizade verdadeira

O filósofo americano Josiah Royce, em sua obra A Filosofia da Lealdade, estabelece que o bem mais alto da convivência humana está em se viver por uma causa que transcenda o interesse próprio². A lealdade, nesse sentido, não é um mero sentimento de fidelidade, mas uma escolha ativa de dedicar-se a uma causa digna, como a verdade, a justiça ou — neste caso — o amor que edifica.

Relacionamentos fundados na desigualdade e na manipulação do outro estão em contradição direta com esse ideal. Se a mulher ama ou se entrega apenas porque se sente sem saída, não há ali liberdade, logo, não há verdadeira reciprocidade. A lealdade exige liberdade interior de ambas as partes.

4. O exílio como campo de prova da honra masculina

Vivemos tempos de dispersão e exílio. Muitos de nós não habitamos mais as terras onde nascemos, seja física ou espiritualmente. E é justamente nesse estado de "estrangeiros no mundo" (cf. Hb 11,13) que a honra se torna mais necessária.

Se, como ensinava Olavo de Carvalho, o exílio é uma condição espiritual antes de ser geográfica, então é justamente nesse estado que somos chamados a reafirmar a nossa fidelidade ao que é justo, belo e verdadeiro³. E isso inclui o trato com as mulheres, especialmente com as mais vulneráveis.

Ser homem, à imagem de Cristo, é carregar a cruz, não impô-la ao outro. É proteger, não possuir. É amar até o fim, mesmo que o fim não traga vantagem alguma.

Conclusão

Enquanto o mundo celebra o cinismo, a esperteza e a conquista a qualquer custo, o homem honrado — aquele que ama nos méritos de Cristo — se distingue pela reverência ao mistério da liberdade alheia. Ele vê no rosto da mulher estrangeira, ferida, solitária, não um corpo a ser usado, mas uma alma a ser ouvida, cuidada e, se Deus quiser, amada.

Ao contrário do predador que vagueia em meio aos escombros da guerra à procura de prazer, o homem justo se aproxima com temor e tremor, sabendo que, diante dele, está uma filha de Deus. E com isso, cumpre aquilo que está escrito: “O que fizerdes a um destes pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).

Notas de rodapé

  1. A viagem de Arthur do Val à Ucrânia e seus comentários foram amplamente repercutidos na imprensa brasileira em março de 2022, culminando em sua renúncia ao cargo de deputado estadual e sua inelegibilidade por oito anos.

  2. Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908. Ver especialmente o capítulo “Loyalty and the Moral Life”, onde o autor sustenta que o bem moral está no comprometimento com uma causa contínua e partilhada.

  3. Cf. Carvalho, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995. O autor mostra como a perda do eixo espiritual leva o homem moderno a um estado permanente de desterro existencial, sendo a fidelidade à verdade o único remédio contra a dissolução da alma.

domingo, 20 de julho de 2025

O Soldado-Cidadão e A Estratégia das Milhas: como a liberdade fiscal e digital se conquista em tempos de tirania estatal

 "A liberdade é, em grande parte, uma questão de acesso inteligente aos meios legítimos de resistência."

Introdução

Vivemos tempos em que o Estado brasileiro, sob a batuta de lideranças irresponsáveis, não apenas enfraquece a diplomacia, como compromete a liberdade concreta de seus cidadãos. Quando um governo entra em conflito com os Estados Unidos, o prejuízo recai sobre o povo: desde bloqueios diplomáticos e comerciais até a restrição do espaço aéreo para aeronaves brasileiras. Este artigo é um exercício de resistência prática: mostra como o cidadão comum pode, com estudo e estratégia, vencer as amarras do sistema por meio de pontos, milhas, isenção fiscal e acesso legítimo a tecnologias globais, como o GeForce Now.

1. O poder das milhas e dos pontos Livelo

O sistema Livelo oferece uma brecha estratégica: ao concentrar compras significativas, como um upgrade de computador, em datas específicas — Black Friday e Prime Day — e com campanhas de turbinamento (onde R$ 1 gera até 10 pontos), é possível obter centenas de milhares de pontos a partir de uma única compra.

Por exemplo, uma compra de R$ 5.000 pode gerar até 500.000 pontos, especialmente se o usuário for assinante do plano pago da Livelo, onde os pontos não expiram.

Esses pontos podem ser convertidos em milhas aéreas em programas como Latam Pass, Smiles, TudoAzul ou TAP Miles&Go, e posteriormente trocados por passagens internacionais gratuitas. Trata-se de um capital de mobilidade fundado no consumo inteligente, como apontava Leão XIII, ao dizer que o capital se constitui pelo acúmulo do trabalho santificado ao longo do tempo¹.

2. A escolha estratégica pelo estado de Delaware

Nos EUA, o estado de Delaware é conhecido por não cobrar imposto sobre vendas (sales tax), o que significa uma economia real na compra de eletrônicos, livros, roupas ou equipamentos profissionais. O mais importante: a simples estada temporária não caracteriza residência fiscal, desde que se observe a regra dos 183 dias do IRS Substantial Presence Test².

Portanto, ao viajar para Delaware com milhas adquiridas legalmente, o cidadão pode passar o verão norte-americano lá, comprar ou usar livremente seus dispositivos sem taxação adicional, e operar dentro do ambiente digital americano com IP nativo.

3. Acesso ao GeForce Now e Soberania Digital

Serviços como o GeForce Now, oferecidos pela NVIDIA, não estão disponíveis no Brasil com a mesma qualidade e liberdade que nos EUA. Há latência, restrição de IP e impossibilidade de monetização via afiliados ou streaming, dado que VPNs não são permitidas em termos de uso comercial.

Nos EUA, usando o próprio Vaio adquirido em 2024, o usuário pode acessar toda a biblioteca da nuvem NVIDIA com desempenho máximo e com legalidade plena. Isso é soberania digital: não depender de um governo que bloqueia ou dificulta o acesso à tecnologia por incompetência ou por opção ideológica.

4. O Exemplo do Soldado-Cidadão

Este plano não é evasão. Não é sonegação. É elisão fiscal legítima e mobilidade inteligente, dentro do que a legislação brasileira e internacional permite. Como afirmava Olavo de Carvalho, em seu combate às formas de tirania cultural e institucional, o caminho da liberdade começa pelo estudo da realidade e pela recusa a se submeter ao artificialismo estatal³.

“Num ambiente onde tudo tende à escravidão consentida, aquele que se prepara para ser livre se torna, sem querer, um soldado.” – O.G.C.

Esse é o papel do soldado-cidadão: ele se arma com leis, milhas, pontos, inteligência financeira, geografia fiscal, e conhecimento técnico para driblar os muros da ignorância estatal e alargar as fronteiras da liberdade pessoal.

Conclusão

A luta pela liberdade hoje não se trava apenas no plano político, mas também no plano fiscal, digital e existencial. Um cidadão que entende como comprar bem, como acumular pontos, como escolher o estado certo nos EUA, e como operar dentro da legalidade internacional, se torna um centro de resistência silenciosa contra a tirania.

Não precisamos de armas. Precisamos de método, estudo e ação coordenada.

Referências

  1. LEÃO XIII. Rerum Novarum (Das Coisas Novas). Encíclica sobre a condição dos operários. Vaticano, 1891.

  2. INTERNAL REVENUE SERVICE (IRS). Substantial Presence Test. Disponível em: https://www.irs.gov/individuals/international-taxpayers/substantial-presence-test. Acesso em: 20 jul. 2025.

  3. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.

  4. BASTIAT, Frédéric. A Lei. São Paulo: Instituto Liberal, 2005.

  5. HAYEK, Friedrich. O Caminho da Servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

A Amizade, A Curiosidade e O Critério Moral: entre o algoritmo e a virtude

Vivemos em tempos em que as relações humanas são, cada vez mais, mediadas por algoritmos. Plataformas como o Facebook nos apresentam listas de “pessoas que talvez conheçamos”, e basta um clique para que a conexão se estabeleça — ou, ao menos, uma aparência de conexão. Mas será que uma amizade assim iniciada possui alguma profundidade? Ou seria apenas mais uma relação forjada na curiosidade, sem nenhum critério moral?

Este artigo busca refletir sobre essa pergunta fundamental à luz de um princípio maior: a amizade verdadeira só pode existir quando se ama e se rejeita as mesmas coisas, tendo por fundamento o próprio Cristo, na conformidade com o Todo que vem de Deus. Esta não é uma exigência puramente religiosa, mas uma exigência racional, moral e antropológica — pois, como dizia Aristóteles, o homem é um ser que tende naturalmente à comunhão no bem¹.

1. A superficialidade da curiosidade

Quando alguém adiciona uma pessoa simplesmente por ter visto seu rosto em uma sugestão automatizada, essa pessoa se deixa mover por uma curiosidade ociosa. Essa curiosidade é um apetite desordenado pelo novo, pelo diferente, pelo que provoca momentaneamente a atenção. São Tomás de Aquino já advertia contra essa disposição: a studiositas — a estudiosidade — é a virtude contrária à curiositas desordenada, pois busca o saber ordenado à verdade e ao bem².

Neste contexto, a curiosidade que leva à adição de alguém nas redes sociais nada mais é do que um reflexo de uma cultura que perdeu o senso do valor das relações humanas. O resultado é que as conexões se tornam voláteis, e as pessoas são reduzidas a perfis, imagens ou postagens agradáveis. Mas nenhuma amizade se constrói na superfície.

2. O critério moral da amizade: amar e rejeitar o mesmo, em Cristo

A verdadeira amizade é sempre fundada em algo superior. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, distingue três tipos de amizade: a fundada na utilidade, a fundada no prazer e a fundada na virtude. Só esta última pode ser duradoura, pois é baseada na comunhão de vida entre aqueles que amando o bem, buscam o bem um do outro³.

No entanto, a filosofia clássica pode ser aperfeiçoada pela teologia cristã: o critério último da amizade não é apenas o amor ao bem em abstrato, mas o amor à Verdade encarnada: Cristo, o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem⁴. Por isso, é na conformidade com o Todo que vem de Deus — isto é, com a ordem do universo redimido por Cristo — que as amizades devem ser firmadas.

Quem não compartilha este critério tenderá a se aproximar do outro por impulsos passageiros, simpatias momentâneas, modismos ideológicos ou afinidades superficiais. Mas uma verdadeira amizade exige mais: exige estudo da alma do outro, discernimento das virtudes, paciência na convivência e firmeza no juízo moral.

3. Entre a psicologia, os recursos humanos e a economia da pessoa

Esse princípio tem um ponto de contato direto com áreas como a psicologia, a teoria da personalidade e os recursos humanos. Não se trata de confundir amizade com gestão de talentos, mas de reconhecer que qualquer relação entre pessoas exige um mínimo de leitura moral da personalidade, seja na amizade, no casamento ou na escolha de um colaborador.

A boa gestão de pessoas não começa com uma ficha de competências técnicas, mas com a compreensão profunda da vocação, das disposições morais, do caráter e dos amores de cada um⁵. Isso exige um olhar psicológico afinado, mas também um critério superior de bem. Não há verdadeira teoria da personalidade sem uma teleologia — isto é, sem saber para que o homem foi feito.

Assim, a psicologia só se completa na teologia moral, e a gestão de pessoas só é eficaz quando está orientada por uma antropologia que reconhece a centralidade da vocação humana à verdade e ao amor⁶.

4. A economia da amizade

Também aqui cabe falar de uma verdadeira “economia da amizade” — não em termos financeiros, mas no sentido profundo de oikonomia: a administração ordenada da casa e da vida. Amizades não se acumulam como contatos em redes sociais. Elas são construídas, cultivadas, discernidas. São como alianças: requerem tempo, estudo e virtude.

O homem verdadeiramente moral não adiciona uma pessoa por impulso. Ele primeiro observa, estuda, pondera. E, se julgar que essa pessoa possui virtudes compatíveis com seu próprio caminho de vida, então se aproxima — com reverência, como quem entra num templo. Pois cada alma é um templo do Espírito Santo, e tratá-la com superficialidade é cometer um sacrilégio relacional⁷.

Conclusão

Vivemos num tempo de relações líquidas, digitais, descartáveis. Mas o homem, mesmo perdido nesse mar de sugestões de amizade, ainda carrega em si o anseio por uma comunhão verdadeira. Cabe a nós, então, recusar os vínculos fáceis e retomar o critério moral da amizade: o amor pela verdade, o estudo das almas e a comunhão com Cristo. Só assim as nossas amizades — e nossas equipes, famílias e comunidades — serão sólidas, fecundas e orientadas ao bem.

Notas de Rodapé

  1. Aristóteles afirma que o homem é um animal político (zoon politikon), naturalmente inclinado à vida em comum, e que a amizade é a forma mais perfeita de vida conjunta entre os virtuosos.

  2. Cf. AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 167. A studiositas é tratada como uma parte da virtude da temperança, sendo o apetite ordenado ao saber, em contraste com a curiositas, que é desordenada.

  3. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro VIII.

  4. Cf. VON HILDEBRAND, Dietrich. A essência do amor. Hildebrand apresenta Cristo como critério último de toda comunhão verdadeira, e fundamenta a amizade na comunhão de valores eternos.

  5. Cf. ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Royce trata da importância da lealdade a causas maiores como critério de formação da personalidade e da convivência.

  6. Cf. BENTO XVI. Caritas in Veritate. A encíclica trata da economia e do desenvolvimento humano a partir da centralidade da verdade e do amor como princípios orientadores.

  7. Cf. I Cor 3,16-17: “Não sabeis que sois templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?”

Referências 

AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. Tradução da versão latina. São Paulo: Loyola, 2001. (v. II-II, q. 167).

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os Pensadores).

BENTO XVI. Caritas in Veritate: sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. São Paulo: Paulus, 2009.

HILDEBRAND, Dietrich von. A essência do amor. Lisboa: Principia, 2016.

ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

Comentários sobre a bibliografia

  • Tomás de Aquino, ao abordar o vício da curiosidade e a virtude da estudiosidade, fornece uma chave para compreender a diferença entre aproximação superficial e verdadeira busca pela sabedoria relacional.

  • Aristóteles continua sendo a base clássica para o entendimento das categorias de amizade e da vida moral partilhada.

  • Dietrich von Hildebrand eleva a amizade à dimensão espiritual, mostrando que o amor só é real quando se funda na comunhão com o valor eterno.

  • Josiah Royce conecta o amor, a lealdade e a personalidade moral, apontando que a amizade verdadeira depende da fidelidade a um bem maior que a si mesmo.

  • Bento XVI, com clareza e profundidade, articula a verdade e a caridade como os dois pilares de toda vida social bem ordenada, seja ela afetiva ou econômica.

Notas sobre a situação para rodar o jogo Millenia no Vaio que meu pai adquiriu em 2024

Adquiri meu notebook da linha Vaio em 2024. Um bom equipamento, adequado para a maioria das tarefas que preciso no dia a dia, inclusive alguns jogos. Mas como sou um homem paciente, não costumo me empolgar com lançamentos. O jogo Millennia, da Paradox, por exemplo — um título 4X de grande profundidade — foi lançado no mesmo ano da minha máquina. Mas ele não roda ainda com a fluidez que considero digna. Espero até 2030 para jogar. Daqui a cinco anos, farei meu próximo upgrade. Sem pressa. O tempo kairológico me ensina que há um momento certo para todas as coisas debaixo do céu.

Enquanto isso, uso o que posso. Às vezes, recorro a serviços como o GeForce Now, que me permitem rodar jogos mais exigentes pela nuvem, com desempenho de ponta. Mas essa opção só funciona em países sérios, com infraestrutura sólida e diplomacia estável. Não é o caso do Brasil atual.

Desde que Lula voltou ao poder, observo com crescente preocupação a deterioração das relações diplomáticas com os Estados Unidos. Não me refiro a simples divergências políticas — elas são naturais entre nações soberanas. Refiro-me à irresponsabilidade reiterada, à postura agressiva e antiocidental, à retórica infantil que mistura nostalgia revolucionária com populismo de ocasião. Tudo isso nos isola.

E o isolamento tem consequências práticas. Não é só que não temos GeForce Now no Brasil. É que, se a escalada de atritos continuar, aviões comerciais brasileiros poderão ser barrados do espaço aéreo norte-americano. Isso não é delírio — é uma possibilidade real. É a linguagem diplomática respondendo aos abusos com sanções.

Ou seja: não poderei sequer viajar para os Estados Unidos para usar infraestrutura que me permita trabalhar, estudar ou jogar com dignidade, como hoje planejo. A tirania não é uma abstração — ela chega até a placa de vídeo. Até o jogo que ainda não posso jogar.

O desgoverno brasileiro não destrói apenas a economia, a justiça ou a educação. Ele destrói também a nossa liberdade de acesso ao conhecimento, à tecnologia e ao lazer. O cidadão que deseja se atualizar precisa cada vez mais driblar o seu próprio país, como se fosse um criminoso fugindo de um regime totalitário. O sistema transforma o trabalhador honesto em contrabandista de progresso.

E é por isso que vejo em cada upgrade postergado, em cada compra estratégica com cashback, em cada livro importado com paciência e zelo, um ato de resistência silenciosa. A construção da liberdade não se faz com slogans revolucionários, mas com o acúmulo honesto de capital espiritual, intelectual e material, como ensina Leão XIII.

Se o Brasil estivesse na rota da civilização, eu hoje teria acesso digno ao Millennia — um jogo que simula o desenvolvimento das nações. Mas vivo em um país onde as nações estão sendo destruídas pela estupidez revolucionária travestida de democracia. E sigo esperando. Estudando. Jogando no tempo certo. E, sobretudo, guardando no coração a convicção de que a liberdade verdadeira só floresce onde Cristo é Rei — inclusive da História.

sábado, 19 de julho de 2025

🎮 Cashback, Kairos e Narrativa: como resgatei Vagrus: The Riven Realms sem precisar investir em hardware futuro

Durante muito tempo, minha relação com os jogos não seguiu a rota dos entusiastas do hype ou da indústria dos lançamentos. Em vez disso, fui forjando um caminho próprio, alimentado por três princípios fundamentais: estratégia, paciência e propósito. A tecnologia que uso é, antes de tudo, uma extensão do meu pensamento — e não um fim em si mesma.

Foi nesse espírito que resgatei o jogo Vagrus: The Riven Realms, lançado originalmente em 2020, por meio do sistema de cashback da Epic Games, em 2025. Nada de investimento direto. Nada de upgrade antecipado. Tudo dentro da lógica que chamo de capital kairológico: fazer o tempo trabalhar a meu favor, amadurecendo os jogos, os preços e os equipamentos até o momento certo.

🕰️ A regra dos cinco anos

Esse caso confirma a regra dos cinco anos: um jogo lançado há meia década tende a rodar com excelente desempenho em uma máquina contemporânea, ainda que essa máquina utilize gráficos integrados, como os da Intel Iris Xe. O processador do meu notebook, um Intel i7-1255U, lançado em 2024, deu conta do recado com folga. O resultado? 60 FPS cravados, sem esforço.

Essa constatação é importante, sobretudo quando aplicada a jogos com foco narrativo, como Vagrus. Esses jogos não exigem placas gráficas de última geração, mas sim atenção, leitura e profundidade — elementos que exigem mais da alma do que da máquina.

"A alma se nutre da narrativa como o corpo se nutre do pão."
José Octavio Dettmann, diário pessoal, julho de 2025.¹

💰 Cashback como capital simbólico

O uso de cashback não foi apenas um golpe de sorte financeira, mas sim a aplicação prática de uma ideia antiga: o capital simbólico digital pode ser convertido em bens culturais duráveis. Receber gratuidades, acumular crédito, e transformá-los em algo significativo é uma forma de se libertar da lógica consumista acelerada. Em vez de ser tragado pelo fluxo, eu administro os recursos invisíveis que o tempo me oferece.

“Ser prudente com o tempo é a forma mais elevada de investimento.”
— Parafraseando Pierre Hadot, em Exercícios espirituais e filosofia antiga

🧭 Kairos, não Khronos

A tecnologia me ensinou que nem tudo deve ser comprado no tempo cronológico (khronos), mas sim no tempo oportuno (kairos). Enquanto muitos atualizam suas máquinas anualmente, eu espero a sinergia perfeita entre jogo, contexto e máquina. Não se trata de atraso, mas de sabedoria.

Em termos agostinianos, trata-se de escolher o momento justo, o "agora" onde a eternidade toca o tempo.³ O resgate de Vagrus foi um desses momentos.

✅ Conclusão: um ato de cidadania digital

No fim, o que realizei não foi apenas o resgate de um jogo. Realizei um pequeno ato de cidadania digital consciente, ao usar o cashback como ferramenta de liberdade, o tempo como aliado estratégico, e a escolha do jogo como expressão da minha vocação intelectual.

Não precisei investir em hardware futuro. Ao contrário: respeitei o passado do jogo, o presente do meu sistema, e o futuro da minha consciência. Joguei no tempo certo, com os recursos certos, por razões que fazem sentido dentro da minha missão pessoal.

📚 Notas de rodapé:

  1. Entrada do diário, julho de 2025. Reflexão escrita após testar Vagrus pela primeira vez no notebook VAIO com i7-1255U.

  2. HADOT, Pierre. Exercícios espirituais e filosofia antiga. Trad. de Henrique Burigo. Petrópolis: Vozes, 2006.

  3. AGOSTINHO, Santo. Confissões. Livro XI, capítulo XIII. Tradução de J. Oliveira Santos. São Paulo: Paulus, 1997.

Vestir-se bem para Deus: um ato de resistência interior

“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará.” (Mt 6,6)

Durante as décadas de 1980 e 1990, assistir a um jogo da NBA era um evento cultural carregado de simbolismo. Muitos compareciam aos ginásios trajando terno e gravata, não como exigência formal, mas como reflexo de reverência. Tratava-se de reconhecer que certos espaços e ocasiões merecem formas elevadas de presença. Era, mesmo que inconscientemente, uma afirmação de que a forma educa, ordena e comunica dignidade. Hoje, tal postura parece anacrônica. A cultura da informalidade tomou conta de tudo — inclusive das igrejas.

Hoje, não é raro ver calças rasgadas de propósito e microshorts nos bancos das missas, enquanto a dignidade do culto se dissolve diante da vulgarização do vestir. Em contraste, tomei uma decisão que pode parecer excêntrica para os padrões modernos: vestir minha melhor roupa dentro de casa. Não para exibir-me aos outros, mas como testemunho interior diante de Deus, que tudo vê, e diante da nobre companhia dos santos e anjos, que comigo habitam no mundo invisível.

Essa escolha inverte a lógica mundana — ou melhor, inverte a inversão que o mundo produziu. Pois é próprio da revolução simbólica moderna subverter a ordem do ser e do parecer, da interioridade e da exterioridade. O filósofo Olavo de Carvalho foi agudo ao afirmar que “a cultura revolucionária se define não pela elevação do espírito, mas por sua contínua degradação deliberada”¹. A vulgaridade não é um acidente: é um projeto.

Joseph Ratzinger, em sua obra O Espírito da Liturgia, mostra como a forma cultual é expressão da alma que se curva diante do Mistério. Ele escreve:

“O corpo deve participar da oração, da liturgia. [...] O descuido com a forma exterior da oração não é sinal de interioridade, mas sim de perda do sentido do Todo”².

E mais adiante:

“A liturgia exige a beleza, e não como um luxo estético, mas como expressão sensível da ordem do cosmos e da verdade divina”³.

Quando nos vestimos com esmero, mesmo sem plateia, estamos ordenando o corpo à alma e a alma a Deus. Estamos dizendo com o tecido aquilo que cremos no espírito.

Essa é uma prática de santificação cotidiana, como ensinava São Francisco de Sales:

“A perfeição não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias”⁴.

Vestir-se com nobreza em casa — enquanto o mundo aplaude o desleixo nas ruas — é, pois, um ato de fidelidade ao invisível. É um gesto que fala a Deus com sinceridade, e silencia a voz da vaidade, que quer apenas parecer diante dos homens.

Escolhi, com isso, viver como se estivesse no Brasil-Império — aquele que melhor me representa, porque nele a forma ainda refletia um conteúdo moral e espiritual mais elevado. Nele, mesmo com todas as limitações humanas e políticas, havia respeito pelas solenidades, pelos ritos e pelos símbolos nacionais e religiosos. O Império era ordenado sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida⁵, e a monarquia refletia uma noção de autoridade que não se dissociava do serviço a Deus e à Nação.

Vestir-se com honra dentro de casa é, portanto, um ato de resistência interior, de fidelidade ao Reino invisível e à tradição que o mundo esqueceu. Deus, que me vê no secreto, é aquele diante de quem desejo estar preparado, como um servo digno, vigilante e atento. E se a beleza e a ordem habitam o mundo interior, um dia transbordarão também sobre o mundo exterior.

Notas de rodapé

  1. CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 213.

  2. RATZINGER, Joseph. O Espírito da Liturgia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 110.

  3. Ibid., p. 118.

  4. SALES, São Francisco de. Filotéia: introdução à vida devota. São Paulo: Cultor de Livros, 2004, p. 56.

  5. Em 1846, por decreto imperial de Dom Pedro II, Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Padroeira do Brasil, num ato que sela espiritualmente a identidade do Império brasileiro com a fé católica.