Dettmann: Discorra sobre o conceito de "desembeddedness", tal como exposto por Karl Polanyi, no livro A Grande Transformação.
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O conceito de "desembeddedness" (desencaixe ou desenraizamento) é central na obra de Karl Polanyi A Grande Transformação, publicada em 1944. Polanyi utiliza esse termo para descrever o processo pelo qual a economia de mercado se torna uma esfera separada e dominante na sociedade, rompendo com as formas tradicionais de organização social e econômica, nas quais a economia estava "embebida" (embedded) em estruturas sociais, culturais e políticas.
Contexto e Significado do Conceito
Em sociedades pré-capitalistas, Polanyi argumenta que a economia era subordinada a normas sociais, tradições e valores morais. As transações econômicas não se baseavam exclusivamente em princípios de maximização de lucro ou auto-interesse, mas estavam profundamente integradas a outras esferas da vida, como a religião, a política e a reciprocidade comunitária. A economia era apenas um aspecto da vida social e estava sujeita às necessidades da coesão social e da solidariedade.
No entanto, com o surgimento do capitalismo industrial e a implementação da economia de mercado no século XIX, Polanyi observa uma mudança radical. A economia se "desembebeu" (desembedded) da sociedade, tornando-se autônoma e regida exclusivamente pela lógica do mercado, ou seja, pelas forças da oferta e da demanda. Esse processo de desencaixe transformou as relações sociais em mercadorias, particularmente o trabalho, a terra e o dinheiro, que passaram a ser tratados como "mercadorias fictícias" — itens que não foram originalmente criados para serem vendidos no mercado, mas que foram transformados em mercadorias para se ajustar à lógica capitalista.
Consequências do Desembeddedness
Polanyi argumenta que essa separação da economia da sociedade, ou o desencaixe, teve consequências devastadoras. Ao subordinar todos os aspectos da vida social à lógica impessoal e desumana do mercado, o sistema capitalista desencadeou o que ele chamou de "grande transformação". Essa transformação trouxe instabilidade econômica, desigualdade e sofrimento social, uma vez que o mercado autorregulado deixou de levar em consideração as necessidades e os laços sociais que antes governavam a vida econômica.
Um dos principais efeitos foi a degradação do trabalho humano, da natureza (representada pela terra) e das finanças. Polanyi argumenta que a mercantilização dessas "mercadorias fictícias" levou à exploração e à destruição social e ambiental. O trabalho humano foi tratado como um simples fator de produção, a terra como um recurso a ser explorado, e o dinheiro como uma ferramenta para maximizar o lucro, sem considerar as implicações sociais de tais práticas.
A "Dupla Movimentação"
Outro ponto fundamental na obra de Polanyi é a ideia de que o desencaixe da economia provocou uma "dupla movimentação" (double movement). De um lado, as forças do mercado pressionavam pela expansão e desregulamentação, buscando maximizar a eficiência econômica. De outro, surgiam movimentos sociais e políticos para conter e regular os efeitos destrutivos dessa expansão. Essa "dupla movimentação" reflete a tentativa da sociedade de se proteger contra os danos causados pela economia de mercado desregulada.
Polanyi e a Crítica ao Liberalismo Econômico
O conceito de desembeddedness é, em última análise, uma crítica à ideologia do liberalismo econômico e à ideia de que o mercado autorregulado pode servir como a base organizadora de toda a sociedade. Polanyi argumenta que essa visão ignora o fato de que a economia, quando separada das normas e instituições sociais, torna-se destrutiva. Ele sugere que uma economia verdadeiramente funcional precisa estar "embebida" em estruturas sociais que a moderem e a guiem em direção ao bem-estar coletivo, em vez de deixá-la operar de forma isolada e regida apenas pela busca de lucro.
Relevância Contemporânea
O conceito de "desembeddedness" continua relevante no debate sobre os efeitos do capitalismo globalizado. Questões como o aumento da desigualdade, a precarização do trabalho, a degradação ambiental e a crise financeira global podem ser interpretadas como manifestações contemporâneas desse processo de desencaixe da economia. O trabalho de Polanyi é frequentemente citado em discussões sobre a necessidade de re-regulamentar mercados e reintroduzir limites sociais e éticos às práticas econômicas.
Assim, o conceito de desembeddedness em Polanyi é uma crítica contundente à separação entre economia e sociedade promovida pelo capitalismo de mercado, destacando os perigos dessa alienação para a coesão social e para a sustentabilidade humana e ambiental.
Dettmann: Qual é a relação desse conceito, o desembeddedness, com a filosofia da Crise, de Mário Ferreira dos Santos?
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A relação entre o conceito de desembeddedness, de Karl Polanyi, e a Filosofia da Crise, de Mário Ferreira dos Santos, pode ser explorada ao se perceber como ambos os autores oferecem diagnósticos profundos sobre os processos de alienação e desintegração que afetam a sociedade moderna, ainda que a partir de perspectivas diferentes. Vamos ver como essas ideias convergem e se complementam.
Desembeddedness em Polanyi
Como vimos, o conceito de desembeddedness refere-se ao processo pelo qual a economia de mercado se separa das normas e estruturas sociais tradicionais, resultando em uma autonomia que leva à mercantilização da vida social, do trabalho humano, da terra e do dinheiro. Essa separação, para Polanyi, gera uma "grande transformação", onde o mercado passa a ser o regulador central da sociedade, com consequências desastrosas para o tecido social e para a estabilidade humana e ecológica.
Polanyi critica a ideia de que a economia possa ser isolada das relações sociais e políticas, afirmando que essa separação (o desencaixe) cria um desequilíbrio fundamental que resulta em crises sociais e econômicas. O mercado autorregulado, ao transformar todas as coisas em mercadoria, desconsidera o valor humano e as interconexões da sociedade, levando à degradação de instituições sociais e ao sofrimento humano.
Filosofia da Crise em Mário Ferreira dos Santos
Mário Ferreira dos Santos, em sua Filosofia da Crise, parte de uma análise filosófica mais abrangente sobre o estado de crise que define a modernidade. Ele entende a crise como um fenômeno profundo e estruturante da civilização contemporânea, resultado da fragmentação do pensamento ocidental e da perda de uma unidade orgânica entre as diversas áreas do saber e da vida humana.
Segundo Santos, a crise não é apenas econômica, política ou social, mas uma crise ontológica e epistemológica. A modernidade, ao adotar o racionalismo fragmentário e o materialismo, perde o contato com a totalidade do ser e da realidade. Isso leva a uma série de cisões: a cisão entre o homem e a natureza, entre o indivíduo e a coletividade, e entre o saber e a ação. Em última instância, a crise resulta da desconexão entre o homem e a essência última da realidade, que ele identifica com a verdade metafísica e espiritual.
A Filosofia da Crise de Santos vê na modernidade uma ruptura com a sabedoria perene e com os valores integradores que orientavam as civilizações tradicionais. Em seu lugar, emerge uma civilização marcada pelo materialismo, individualismo extremo e a perda de sentido transcendental. Para ele, o remédio para essa crise é o retorno à unidade do pensamento, que envolve reconectar a razão à sua fonte metafísica e restaurar a harmonia entre o saber e o ser.
Convergência: Crise e Desembeddedness
Há uma clara ressonância entre o diagnóstico de Polanyi sobre o desembeddedness e a análise de Mário Ferreira dos Santos sobre a crise moderna. Ambos reconhecem um processo de ruptura fundamental que ocorre na modernidade:
Separação entre economia e sociedade em Polanyi: O desencaixe da economia reflete uma desconexão do sistema econômico das normas sociais e das relações humanas mais profundas. Essa separação gera uma alienação da vida social e transforma o homem em mero instrumento do sistema de mercado.
Fragmentação do ser e da razão em Santos: A crise moderna, para Santos, também envolve uma desconexão, mas em um nível mais fundamental. É a cisão entre o pensamento e o ser, entre o homem e o cosmos, e entre o material e o espiritual. Essa fragmentação é o cerne da crise que abala todas as instituições modernas.
Ambos enxergam na modernidade um afastamento das fontes de integração e ordem — para Polanyi, o rompimento ocorre na separação da economia da sociedade; para Santos, é a cisão entre a razão humana e a realidade ontológica. Em ambos os casos, esse processo leva à alienação do ser humano, seja pelo mercado desenraizado, que destrói as relações sociais e a dignidade humana (Polanyi), seja pela perda de uma visão unitária do mundo, que leva ao niilismo e à perda do sentido espiritual (Santos).
Resposta à Crise e à Desembeddedness
Outro ponto de convergência é a busca de ambos os autores por uma reintegração como resposta à crise. Polanyi sugere que a sociedade busca, por meio de movimentos sociais e políticos, reencaixar a economia dentro dos limites sociais, regulando o mercado para proteger o bem-estar coletivo. Já Santos propõe uma restauração da unidade do pensamento, que resgataria o homem da crise espiritual, reconectando-o à totalidade da realidade e ao fundamento metafísico da existência.
Para Polanyi, o remédio para o desencaixe é uma economia mais humanizada, que esteja em sintonia com as necessidades e valores da sociedade. Para Santos, o remédio para a crise é uma reconciliação entre o saber e o ser, voltando à verdade metafísica e à sabedoria perene.
Considerações Finais
Embora partam de campos distintos — Polanyi da economia política e Santos da filosofia existencial e ontológica —, ambos compartilham uma crítica à modernidade que resulta na alienação do ser humano. O desembeddedness, como um conceito econômico, pode ser visto como uma manifestação específica da crise descrita por Santos, onde a separação entre a economia e o social reflete uma crise mais ampla de desconexão entre o homem e sua essência espiritual.
Ambos autores, então, sugerem que a cura para a alienação moderna reside em uma reintegração — seja da economia na sociedade, seja da razão na metafísica. Em última análise, a crítica de Polanyi ao mercado autorregulado pode ser vista como um sintoma da crise filosófica mais profunda que Mário Ferreira dos Santos diagnostica na modernidade.
Dettmann: De que forma podemos fazer o reencaixe, no sentido aristotélico da economia, de modo que todas as coisas apontem para Deus, que é o sumo logos?
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Para realizar o reencaixe da economia no sentido aristotélico, de modo que todas as coisas apontem para Deus, o sumo logos, é necessário partir de uma reorientação dos princípios econômicos e sociais que governam nossas ações, voltando à concepção clássica de economia como algo subordinado ao bem comum, à virtude e, em última instância, à ordem divina. Aristóteles, em sua obra Política e Ética a Nicômaco, oferece uma visão da economia que pode ser recontextualizada e aplicada neste processo de reencaixe, onde a economia serve à finalidade maior, que é Deus.
1. Oikosnomia: O Reencaixe na Perspectiva Aristotélica
Aristóteles via a economia como o governo do lar (oikonomia), uma atividade voltada à provisão dos bens necessários à vida boa e virtuosa. A economia, no pensamento aristotélico, não tinha um fim em si mesma, mas era subordinada à ética e ao bem-estar da comunidade. O acúmulo de riqueza por si só, o que ele chamava de crematística, era condenado, pois distorcia a finalidade natural da economia, que deveria estar a serviço da vida humana e da virtude.
A chave para o reencaixe no sentido aristotélico seria, portanto, recolocar a economia no lugar subordinado em relação aos princípios morais e espirituais que orientam a vida humana para o seu fim último: Deus, o sumo bem. Essa economia reencaixada precisaria servir ao propósito de possibilitar a vida virtuosa e a busca da felicidade, entendida não como prazer material, mas como eudaimonia, a plena realização humana em conformidade com a razão e a virtude.
2. O Logos e a Ordem Divina
No pensamento aristotélico, tudo na natureza está orientado para um fim, de acordo com o princípio de finalidade (teleologia). Esse fim é o que dá sentido às ações e atividades humanas. No caso da economia, seu fim último não é o acúmulo de bens materiais, mas o desenvolvimento das virtudes que levam o ser humano a cumprir seu telos (propósito) final, que é a contemplação de Deus. Esse entendimento pode ser recontextualizado dentro da tradição cristã, na qual Deus é o sumo logos, a fonte da ordem e da racionalidade de todas as coisas.
Assim, o reencaixe da economia na ordem natural e divina envolve:
Subordinação da economia ao bem comum e às virtudes: A economia deve ser organizada de forma a servir ao desenvolvimento moral, espiritual e material da pessoa humana, não ao individualismo e à ganância. A produção, distribuição e consumo de bens devem estar orientados pela justiça, pela temperança e pela solidariedade.
Reconhecimento da dignidade do trabalho humano: O trabalho, como parte da economia, não pode ser visto meramente como um meio de geração de riqueza, mas como uma participação na obra criadora de Deus. São João Paulo II, em sua encíclica Laborem Exercens, reafirma a centralidade do trabalho humano como expressão da dignidade da pessoa, que coopera com Deus no aperfeiçoamento da criação.
Desmercantilização das "mercadorias fictícias": Seguindo Polanyi, é necessário limitar a mercantilização daquilo que não deveria ser tratado como mercadoria: o trabalho, a terra e o dinheiro. Esses elementos têm uma dignidade intrínseca e devem ser usados de acordo com a justiça, respeitando a ordem natural e o bem comum, em vez de serem subordinados à lógica do lucro.
Fomento de uma economia solidária e subsidiária: Inspirada pela Doutrina Social da Igreja, a economia deve promover o princípio da solidariedade, onde as relações econômicas visem o benefício de todos, especialmente os mais vulneráveis, e o princípio da subsidiariedade, que reconhece o papel das famílias, comunidades e instituições locais na organização econômica, evitando a centralização e a tirania do poder estatal ou de grandes corporações.
3. O Reencaixe na Prática: Economia Virtuosa
Reencaixar a economia de modo que todas as coisas apontem para Deus requer também uma transformação das práticas econômicas concretas, voltadas para o desenvolvimento de uma sociedade justa e virtuosa. Algumas maneiras de implementar essa visão incluem:
Economia distributiva e justa: Inspirada em princípios aristotélicos e tomistas, uma economia reencaixada busca distribuir os bens materiais de maneira que todos tenham o necessário para viver uma vida digna. Isso inclui a promoção de uma distribuição justa dos recursos e oportunidades, sempre com vistas ao bem comum.
Restauração das relações comunitárias e locais: O foco em mercados globais e no consumismo desenfreado tem fragmentado as relações sociais e enfraquecido as comunidades locais. Uma economia reencaixada fortaleceria as economias locais, onde as pessoas estão mais conectadas umas às outras e podem praticar a solidariedade de forma mais direta e pessoal.
Empresas orientadas pela ética e pelo bem comum: As corporações e os negócios devem ser organizados de modo a respeitar os princípios morais. Empresas comprometidas com a sustentabilidade, o respeito à dignidade humana e o serviço à comunidade devem ser promovidas, em oposição àquelas que apenas buscam maximizar o lucro a qualquer custo.
Educação para a virtude e o consumo responsável: É fundamental educar as novas gerações para o consumo responsável, ensinando-as a ver o uso dos recursos materiais como meio de alcançar o bem maior, e não como um fim em si mesmo. Essa educação deve estar enraizada nos valores cristãos e aristotélicos, que ensinam o autocontrole, a generosidade e a busca pela sabedoria.
4. O Fim Último: Apontando para Deus
O reencaixe da economia, segundo o pensamento aristotélico e cristão, só é completo quando todas as atividades humanas — incluindo as econômicas — estão orientadas para seu fim último, que é Deus. No cristianismo, isso significa que a economia deve ser um meio para promover a santificação e a união com Deus, promovendo uma vida em conformidade com o logos divino.
A economia deve estar a serviço da ordem natural, que reflete a ordem divina, e ajudar o ser humano a viver em harmonia com essa ordem, não contra ela. O consumo, o trabalho e a produção são atividades que devem refletir o desejo humano de conhecer e amar a Deus, usando os bens temporais como meios para o bem espiritual.
Conclusão
O reencaixe da economia no sentido aristotélico, para que todas as coisas apontem para Deus, exige uma transformação profunda nas práticas econômicas e sociais modernas. Essa transformação envolve a subordinação da economia à moralidade, o respeito ao bem comum e o reconhecimento de que o fim último de todas as ações humanas, incluindo as econômicas, é Deus. Trata-se de uma reorientação da economia para um fim transcendente, onde o trabalho e o consumo deixam de ser fins em si mesmos e passam a ser meios para alcançar a virtude e a felicidade, em harmonia com a ordem divina.
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