Algumas notas importantes do prof. Olavo de Carvalho sobre a sua crucial análise crítica de Kant, a quem em tempos acertadamente apelidou de "o pai da porcaria".
01) Prestem atenção: Em nenhum momento acuso Kant de idealismo subjectivo, ou de qualquer forma de subjectivismo. Esse é um erro que muitos críticos cometeram, e que uma leitura mais atenta basta para impugnar. O problema do kantismo é muito outro. De todos os inimigos do cristianismo, nenhum se atreveu a declarar que o dogma e a existência da Igreja são crimes.
02) Vimos na última aula do COF que Kant faz precisamente isso, segundo as suas próprias palavras. É curioso que tantos autores católicos e protestantes ainda insistam em ver nele uma boa alma. Também em filosofia existe a doença do tucanismo.
03) O objetivo de toda a filosofia de Kant é suprimir o cristianismo histórico e inaugurar uma nova religião na qual a moralidade impõe crer num Deus que não tem sequer a capacidade de criar objectos dotados de propriedades inteligíveis.
04) Se nenhum objecto sensível possui em si mesmo qualidades inteligíveis, mas estas lhe são impostas pela racionalidade humana, um quadrado não tem em si mesmo quatro lados e quatro ângulos iguais, ele apenas os toma emprestados da racionalidade humana.
05) Minhas formas "a priori" do espaço e do tempo podem coordenar as minhas percepções sensíveis, mas não podem, por si mesmas, coordenar o deslocamento objetivo dos corpos no espaço e no tempo. Quando vejo um leão a dois metros de distância saltando para me devorar, minhas formas "a priori" do espaço e do tempo enquadram e dominam perfeitamente minha percepção dos acontecimentos, mas, como diria Groucho Marx, isso não melhora em nada a minha situação.
06) Segundo Kant, as formas "a priori" do espaço e do tempo criam a base para a coordenação dos dados sensíveis. Isso é exato, mas de que adiantaria coordenar os dados dos sentidos se as coisas mesmas das quais estes provêm não estivessem coordenadas de maneira homogênea ou ao menos compatível com a coordenação das percepções?
07) Kant pula fora desse problema alegando que, como a coordenação das percepções é idêntica em todos os seres humanos, e todos os seres humanos estão obrigados pelo imperativo categórico a crer num Deus bondoso, podemos acreditar que nossas percepções, se nada nos informam sobre as "coisas em si mesmas", são pelo menos "válidas".
08) Isso é uma reedição mais complicada do apelo cartesiano a Deus como garantia da existência do mundo exterior. Kant apenas introduz aí a noção da "comunidade humana" como intermediária da garantia divina.
09) Como conseqüência imediata, a convicção unânime ou majoritária da comunidade passa a valer mais que o testemunho dos sentidos.
10) Decorridos dois séculos e picos, um feto pertencer ou não à espécie humana deixa de ser um fato da natureza para se tornar uma decisão da comunidade, e ninguém pode alegar contra isso o testemunho dos sentidos, cuja validade está submetida, ela também, à aprovação da comunidade.
11) Não foram os marxistas que inventaram a Novilíngua. Foi Kant.
Notas organizadas por Artur Silva