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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Debate entre Tiago Cabral Barreira e Rafael Gusmão sobre a crítica liberal do distributivismo

1) Eu venho acompanhando o debate de liberalismo x distributivismo no meio católico desde 2013. 

2) Considero que o capitalismo não resolve todos os problemas do mundo, mas também não é esse monstro satanizado por Chesterton. Observo que o Chesterton é um excelente escritor e apologeta do catolicismo. 

3) Contudo, vejo também que o pensamento de Chesterton não têm raiz na tradição filosófica católica, mas sim do romantismo gnóstico, como em todos os escritores do século XIX.
Chesterton pintou o capitalismo com óculos românticos. Por isso ele é um anti-mecanicista e odioso da lógica e da racionalidade técnica. 

4) Ele rejeita a funcionalidade da divisão social do trabalho, ao defender o retorno à autossuficiência, como dito no lema "Dois alqueires e uma vaca". Ele nega que o comércio e a propensão natural de indivíduos à troca e barganha constitua um dos fundamentos naturais da organização da sociedade, bem como de seu progresso. Ele também nega a existência de leis econômicas enquanto mecanismos de correção de excessos de oferta e demanda de bens. Preços altos são visivelmente escandalosos, mas controle de preços e guerra contra a "ganância" termina por gerar escassez e corrupção, uma injustiça pior e não óbvia de ser percebida, pois é invisível aos olhos de um romântico sentimental. Ao rejeitar a lógica do funcionamento de uma economia de mercado, Chesterton vai contra o que a boa tradição escolástca de Salamanca desenvolveu.

5) Além disso, a descrição que ele faz do ambiente das fábricas é muito viesada pelos romances de ficção românticos. Uma pessoa com algum grau de cultura literária acharia essas descrições extremamente hiperbolicas e exageradas. Ele fundamentou todo o pensamento distributivista a partir desta imaginação apocaliptica da sociedade disseminada pelo romantismo anticapitalista.

6) Identificar as correntes culturais aos quais os escritores estão filiados é crucial, na qual uma pessoa com pouco trato com a literatura dificilmente descobriria.Todos os escritores do século XIX padecem do mal de buscar alternativas de sociedade mais "humanas, pois eles rejeitam a razão e vêem as estruturas racionais e lógicas da sociedade como opressoras. E Chesterton está intoxicado e inserido nessa atmosfera.

Tiago Cabral Barreira (https://www.facebook.com/tiago.cabral3/posts/1550154605045452)

Facebook, 1º de setembro de 2017.

Comentários:

Rafael Gusmão: 

1.1) Desculpe, mas pressupor que a visão liberal das trocas comercias é o estado "natural" é romantismo. 

1.2) Essa lógica parte de dois conceitos historicamente errôneos: 

A) a de que o comércio, tal como conhecemos hoje, embasado no individualismo e no economicismo, é um estado natural e transcendente, quando na verdade, ele surge muito tempo depois, só no século XVIII. 

B) A racionalização da vida social implica também sua burocratização e impessoalização, como tambéb a destruição dos antigos laços comunitários da família, das municipalidades e das autonomias locais. 

2) A racionalização burocrática, seja no âmbito privado da economia capitalista, como no âmbito estatal, pode ser um dos maiores monstruosos mecanismos de controle social jamais inventados. 

3) Ainda que não neguemos a eficiência e a lógica do mercado, mas esta lógica, por si mesma, não é capaz de construir qualquer estrutura moral e ética.Ou melhor, pela lógica do mercado, sem os seguintes dilemas éticos, morais e comunitários, podemos tb espalhar pornografia, o funk, a cultura de massas, a indústria cultural, etc. Os homens, vistos como consumidores, como "indivíduos" abstratos e não como pessoas partícipes de uma história, de uma realidade ou de uma comunidade, basicamente são reduzidos a isso.

4) Ademais, a tradição escolástica de Salamanca é muito bem manipulada pelos austríacos de forma desonesta: 

A) Porque a Escola de Salamanca é uma escola de filosofia moral, não de economia. Jamais os escolásticos aceitariam as premissas de Mises, a respeito da economia dissociada do plano moral e ético social cristão. 

B) A questão dos preços e salários na Escolástica não está dissociada cognitivamente da realidade moral dos indivíduos. Essa idealização subjetivista da realidade, mesclada com uma visão utilitarista no plano econômico e moral, não somente é estranha aos escolásticos, como contrariaria qualquer postulado de filosofia moral. 

5.1) Chesterton pode parecer romântico ao defender as antigas comunidades medievais, as corporações de ofício e outras formas orgânicas. 

5,2) Contudo, quando vemos a cidade grande - sem laços fortes de solidariedade, muitos menos relações orgânicas, pura e simplesmente baseada na pseudo-ética liberal do autointeresse -,  ela síntese é dessa pseudo-ética já que ajudou a promover a diluição dos antigos laços de família, de solidariedade, de religião e de cultura em nome de uma massa de indivíduos atomizados, sem cultura e identidade, moldados apenas por uma indústria de consumo ou pelos poderes do Estado. Só por conta disso, as críticas de Chesterton ao capitalismo estavam certas. Mas quem disse que os liberais se dão conta disso? Toda tentativa de transformar o capitalismo do século XVIII numa estrutura não-histórica é puro idealismo romântico de liberal.

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