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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A apropriação tecnológica na Roma Antiga: estruturas econômicas, logísticas e militares

Introdução

A ascensão e consolidação de Roma como império não se devem exclusivamente à sua força militar ou à sua organização jurídica, mas também a uma capacidade singular: a de absorver, adaptar e expandir tecnologias e modelos de outros povos. Essa habilidade de incorporar práticas alheias foi um dos fatores centrais que explicam a resiliência do Império Romano ao longo dos séculos.

Neste artigo, analisaremos três exemplos paradigmáticos: o latifúndio romano e sua ligação com o modelo egípcio de produção, a formação dos oppida a partir da revolução logística dos barris e carrinhos de mão, e o papel das estradas romanas na integração econômica e militar do império.

O latifúndio e o modo de produção asiático

O latifúndio — grandes propriedades agrícolas voltadas para a monocultura e dependentes do trabalho escravo — foi um dos pilares da economia romana. A inspiração para esse modelo está em práticas observadas no Egito, sob domínio helenístico e posteriormente romano.

Historiadores como Karl Wittfogel e Perry Anderson identificaram no Egito antigo elementos do chamado modo de produção asiático, marcado pela centralização do controle da terra, pelo uso extensivo de mão de obra servil e pela produção orientada para excedentes coletivos. Roma, ao incorporar essas práticas, adaptou-as ao seu sistema escravista e ao seu mercado mediterrânico. O latifúndio romano, portanto, foi mais que uma simples inovação local: foi uma transposição criativa de um modelo agrícola oriental para o contexto itálico e mediterrânico.

O Oppidum e a revolução logística

Outro exemplo da apropriação tecnológica romana está no oppidum, fortificação construída para proteger mercadores e centros de comércio. Essa instituição só foi possível devido a uma transformação logística: a adoção do barril em substituição à ânfora e do carrinho de mão tracionado por cavalos.

O barril, mais resistente e eficiente no armazenamento de líquidos, permitia transportes mais longos e seguros. Já o carrinho de mão, aliado ao uso de tração animal, multiplicava a capacidade de carga, reduzindo custos e acelerando fluxos comerciais.

Essas inovações, provavelmente oriundas de contatos com povos celtas e orientais, foram integradas ao sistema romano de comércio. O resultado foi a possibilidade de estabelecer rotas comerciais mais extensas e a criação de núcleos fortificados (oppida) que funcionavam como entrepostos estratégicos entre cidades, vilas e regiões militares.

Estradas Romanas e Integração Imperial

As estradas romanas são talvez o exemplo mais famoso da engenharia do império. Mais do que simples vias, eram parte de um sistema logístico de integração econômica e militar.

Inspiradas em técnicas etruscas e gregas, as estradas romanas foram levadas a um grau de perfeição que transformou o Mediterrâneo em um verdadeiro “lago romano” (Mare Nostrum). As vias garantiam rapidez no deslocamento das legiões, mas também asseguravam a circulação de mercadorias e a difusão cultural.

Dessa forma, Roma não apenas conquistava territórios, mas os conectava em uma rede coesa de circulação. Esse foi um dos fatores centrais para a longevidade imperial.

Conclusão

A história de Roma mostra que a grandeza de uma civilização não depende apenas de suas inovações internas, mas também da sua capacidade de absorver e transformar tecnologias externas. O latifúndio inspirado no Egito, o oppidum possibilitado por barris e carrinhos de mão, e as estradas que integravam o império são exemplos eloquentes dessa dinâmica.

Ao compreender e adaptar o que havia de melhor em outras culturas, Roma construiu um sistema econômico, militar e logístico que serviu de modelo para civilizações posteriores. A lição histórica é clara: a adaptabilidade tecnológica é uma das principais forças motrizes do poder imperial.

Bibliografia

  • ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987.

  • FINLEY, Moses. A Economia Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

  • HOPKINS, Keith. Conquistadores e Escravos: A Sociedade Romana em Perspectiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980.

  • WITTFOGEL, Karl. Oriental Despotism: A Comparative Study of Total Power. New Haven: Yale University Press, 1957.

  • WOOLF, Greg. Becoming Roman: The Origins of Provincial Civilization in Gaul. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

  • CHEVALIER, Raymond. Les Voies Romaines. Paris: Picard, 1997.

Adaptabilidade e Circunstância: de Ortega y Gasset à guerra da Ucrânia e à crise da CLT no Brasil

Introdução

A filosofia de José Ortega y Gasset, marcada pela máxima “Eu sou eu e minha circunstância”, coloca a adaptabilidade no centro da existência humana. Para Ortega, viver não é apenas existir, mas responder criativamente às condições dadas, transformando hostilidade em possibilidade. Essa visão ganha atualidade tanto no campo militar quanto no econômico e político, sobretudo diante da guerra entre Ucrânia e Rússia e do debate sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil.

1. Ortega y Gasset: a adaptabilidade como núcleo da vida humana

Segundo Ortega, o homem não possui uma essência fixa e imutável: ele é chamado a construir-se nas circunstâncias que o cercam. A guerra, como situação-limite, mostra de maneira dramática a necessidade dessa adaptabilidade, já que expõe indivíduos e coletividades à aniquilação. Assim, sobreviver é absorver os dados da realidade, compreendê-los e reorganizar a ação a partir deles.

2. A guerra como prova máxima de adaptabilidade

A história mostra que a guerra sempre acelerou processos de inovação. O barril romano, que substituiu a ânfora, exemplifica essa dinâmica ao tornar-se ao mesmo tempo instrumento de comércio, logística militar e arma incendiária. O mesmo ocorre em conflitos modernos.

Na guerra entre Ucrânia e Rússia, observa-se:

  • Descentralização organizacional: a Ucrânia se apoia em pequenas unidades autônomas, mais ágeis que as estruturas centralizadas do inimigo.

  • Uso intensivo de dados e IA: drones, satélites e sistemas de análise permitem respostas em tempo real, transformando informação em vantagem estratégica.

  • Circunstâncias como insumo: terreno, clima e rede de comunicação (como o Starlink) são incorporados à adaptação tática, fazendo da hostilidade uma ferramenta.

Esses elementos confirmam a tese orteguiana: a vida só se mantém pela adaptabilidade, especialmente no ambiente mais hostil de todos — a guerra.

3. Reflexo no Brasil: CLT, autoritarismo e a negação da adaptabilidade

Enquanto a guerra evidencia o valor da adaptabilidade, o Brasil mantém um arcabouço trabalhista enraizado na rigidez.

  • A CLT, criada em 1943 sob Getúlio Vargas, é filha da Carta del Lavoro de Mussolini, um documento fascista que consolidava o controle estatal sobre as relações de trabalho.

  • Sua estrutura reflete a tradição autoritária instaurada na República brasileira desde 1889, marcada pelo positivismo militar que derrubou a monarquia e instaurou um regime de tutela sobre a sociedade.

  • Na era digital, a CLT se mostra cada vez mais inflexível, incapaz de responder a novas formas de trabalho baseadas em plataformas, na mobilidade e na descentralização produtiva.

Não surpreende, portanto, o crescimento de uma cultura popular de rejeição à CLT, vista como obstáculo à liberdade contratual e à adaptabilidade exigida pela contemporaneidade.

Conclusão

A filosofia de Ortega y Gasset nos ensina que a vida humana depende da capacidade de salvar as circunstâncias. A guerra da Ucrânia revela como a adaptabilidade — pela descentralização, pelo uso inteligente de dados e pela mobilidade — pode transformar fragilidade em força. Já o Brasil, ao manter estruturas herdadas de um passado autoritário como a CLT, exemplifica a estagnação que decorre da negação dessa mesma adaptabilidade.

Se a sobrevivência, seja no campo de batalha ou no mercado de trabalho, exige reinventar-se diante do imprevisto, então a lição orteguiana permanece atual: quem não adapta suas instituições às circunstâncias, condena-se à derrota.

Bibliografia

  • Ortega y Gasset, J. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914.

  • Ortega y Gasset, J. La rebelión de las masas. Madrid: Espasa-Calpe, 1930.

  • Keegan, J. A History of Warfare. New York: Vintage, 1994.

  • Freedman, L. Strategy: A History. Oxford: Oxford University Press, 2013.

  • Fiori, J. L. História, estratégia e desenvolvimento. São Paulo: Boitempo, 2014.

  • Delgado, M. G. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2021.

  • Gomes, A. C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

A descentralização produtiva na Guerra da Ucrânia e a doutrina da adaptabilidade

Introdução

A guerra da Ucrânia revelou uma transformação produtiva que vai além do campo militar. A descentralização na fabricação de drones e outros equipamentos de combate reflete uma mudança estrutural comparável a uma revolução industrial acelerada pela necessidade da guerra. Essa nova forma de produção confirma a tese de José Ortega y Gasset, para quem o homem é inseparável de suas circunstâncias, e mostra como o contexto bélico obriga sociedades inteiras a reinventarem suas formas de organização.

Essa reinvenção se conecta diretamente à lógica da Indústria 4.0: descentralização, automação, digitalização e integração de sistemas inteligentes. A guerra, portanto, funciona como catalisador de tendências já em curso na economia global.

A Indústria 4.0 no campo de batalha

A Quarta Revolução Industrial é marcada por tecnologias como Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial (IA), big data, impressão 3D e cadeias produtivas descentralizadas. Esses elementos estão presentes de forma explícita na guerra da Ucrânia:

  • Drones impressos em 3D: peças de reposição e até estruturas completas são fabricadas localmente, sem necessidade de depender de fábricas centrais.

  • Inteligência Artificial: algoritmos processam imagens de satélite, interpretam dados de campo e até controlam sistemas de navegação autônoma.

  • IoT militar: sensores conectados em rede permitem mapear movimentos inimigos em tempo real e integrar diferentes unidades de combate.

  • Big Data: análise massiva de dados oriundos de redes sociais, comunicações interceptadas e imagens de drones para planejamento estratégico.

  • Descentralização produtiva: pequenas oficinas e startups substituem grandes indústrias bélicas como protagonistas da inovação.

Assim, a guerra da Ucrânia mostra que a Indústria 4.0 não é apenas uma revolução econômica civil, mas também uma revolução militar.

Ortega y Gasset e a filosofia da circunstância aplicada à Indústria 4.0

Ortega y Gasset defendia que a essência do homem está em sua circunstância — e que a vida exige respostas criativas às condições históricas. Na guerra da Ucrânia, isso se traduz na capacidade de converter tecnologias civis em soluções militares adaptativas.

O que antes era aplicado em fábricas de automóveis ou startups de tecnologia é transformado em instrumentos de defesa nacional. O espírito da Indústria 4.0 — redes, descentralização e inteligência distribuída — encontra no campo de batalha sua forma mais extrema e imediata de aplicação.

Dessa forma, confirma-se que a adaptabilidade não é apenas um valor humano ou filosófico, mas também um princípio tecnológico e organizacional.

Doutrina da adaptabilidade: entre economia e guerra

A guerra da Ucrânia aponta para uma doutrina que pode orientar tanto a estratégia militar quanto a organização econômica: a doutrina da adaptabilidade.

  • No campo militar, significa descentralizar cadeias de produção, automatizar tarefas repetitivas com IA, integrar sensores em rede e reduzir a dependência de grandes infraestruturas vulneráveis.

  • Na economia civil, significa criar redes de profissionais flexíveis, cadeias produtivas distribuídas e sistemas digitais capazes de se reorganizar diante de choques globais (pandemias, crises climáticas, guerras).

Essa doutrina coloca a resiliência como centro da estratégia: sistemas adaptáveis sobrevivem onde estruturas rígidas fracassam.

Conexão com a quarta revolução industrial

A guerra da Ucrânia antecipa tendências da Indústria 4.0 em escala global:

  1. Produção descentralizada → redes distribuídas superam fábricas centralizadas.

  2. Automação inteligente → drones autônomos e sistemas de análise de dados substituem tarefas humanas de alto risco.

  3. Digitalização total → o campo de batalha se torna um espaço interconectado, em que cada sensor alimenta decisões estratégicas.

  4. Resiliência produtiva → a produção modular e adaptável é capaz de resistir a bloqueios e ataques.

Isso mostra que a guerra é um acelerador histórico, em que soluções de sobrevivência se tornam paradigmas globais de inovação.

Conclusão

A descentralização produtiva da guerra da Ucrânia não é apenas uma resposta emergencial ao conflito, mas o prenúncio de uma transformação estrutural: a consolidação da Indústria 4.0 como paradigma também militar. Essa revolução confirma a tese de Ortega y Gasset: o homem só é inteligível em sua circunstância, e sua capacidade de adaptação define seu destino.

A doutrina da adaptabilidade, nascida da guerra, já começa a se projetar para a economia mundial. O futuro das relações econômicas e militares será ditado não por quem concentra mais recursos, mas por quem é capaz de reorganizar-se mais rapidamente diante da mudança.

Bibliografia

  • ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Renacimiento, 1914.

  • ORTEGA Y GASSET, José. Historia como sistema. Madrid: Revista de Occidente, 1935.

  • SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2016.

  • TOFFLER, Alvin; TOFFLER, Heidi. War and Anti-War: Survival at the Dawn of the 21st Century. Boston: Little, Brown and Company, 1993.

  • KALDOR, Mary. New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Stanford: Stanford University Press, 2012.

  • FREEDMAN, Lawrence. The Future of War: A History. New York: PublicAffairs, 2017.

  • SINGER, P. W.; BROOKING, Emerson T. LikeWar: The Weaponization of Social Media. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2018.

O barril e a revolução logística proporcionada por ele no Império Romano

Introdução

A ascensão de Roma como potência mundial não se deu apenas pelo poder de suas legiões, mas também por sua capacidade de absorver e aprimorar tecnologias de diferentes povos. Uma das inovações mais significativas nesse processo foi a adoção do barril de madeira, herdado dos gauleses. Embora aparentemente simples, esse objeto transformou a logística comercial e militar romana, superando em eficiência a tradicional ânfora de barro, usada por gregos, fenícios e cartagineses.

As limitações da ânfora

Durante séculos, a ânfora foi o recipiente por excelência para o transporte de líquidos como vinho, azeite e mel. Contudo, sua utilização enfrentava sérios entraves:

  • Fragilidade: o barro quebrava facilmente durante viagens terrestres e marítimas.

  • Dificuldade de empilhamento: seu formato pontiagudo exigia suportes específicos, limitando a otimização do espaço.

  • Peso e manuseio: além de pesadas, não podiam ser movidas com facilidade sem esforço humano ou animal.

Essas limitações encareciam e restringiam o comércio de longa distância, especialmente quando Roma expandia sua rede de trocas por todo o Mediterrâneo e além.

A superioridade do barril

Os gauleses, povos celtas do norte da Europa, utilizavam barris de carvalho em sua vida cotidiana. Roma, atenta à eficácia dessa tecnologia, incorporou-a rapidamente em sua logística. As vantagens eram notórias:

  • Resistência: a madeira suportava impactos sem se quebrar, reduzindo perdas de carga.

  • Mobilidade: os barris podiam ser rolados no solo, facilitando o transporte em portos e estradas.

  • Armazenamento eficiente: ao contrário das ânforas, permitiam melhor aproveitamento de espaços em armazéns e embarcações.

  • Versatilidade: adequados não apenas para líquidos, mas também para grãos, carnes conservadas em sal e até objetos sólidos.

Com essa inovação, Roma conseguiu reduzir custos logísticos e ampliar o fluxo comercial em regiões cada vez mais distantes, do Oriente Médio até as fronteiras germânicas.

Impactos militares

O barril não foi apenas um aliado do comércio: ele se tornou também um instrumento militar estratégico. Seu uso estendeu-se a diversas funções no campo de batalha:

  • Abastecimento de tropas: garantiu o transporte de vinho, água e azeite com segurança e durabilidade.

  • Engenharia militar: barris vedados e vazios serviam como elementos de flutuação em pontes improvisadas sobre rios.

  • Armas de cerco: cheios de piche ou óleo inflamável, eram incendiados e lançados contra muralhas inimigas, funcionando como projéteis rudimentares.

Essa adaptabilidade reforça a visão de que a força de Roma residia não apenas em sua disciplina militar, mas também na engenhosidade aplicada à logística e à tecnologia bélica.

Conclusão

O barril de madeira foi mais do que uma invenção prática: tornou-se símbolo da capacidade romana de incorporar soluções externas e elevá-las a um novo patamar. Superando a ânfora em durabilidade, mobilidade e versatilidade, ele impulsionou tanto o comércio quanto as operações militares do Império. Essa inovação ilustra como Roma construiu sua grandeza não apenas com espadas e legiões, mas também com a inteligência logística que lhe permitiu sustentar um império vasto e duradouro.

Bibliografia

  • CHEVALIER, Michel. A Economia do Mundo Antigo. Lisboa: Edições 70, 1991.

  • HOPKINS, Keith. Rome: The Logistics of Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

  • O’CONNOR, Colin. Roman Bridges and Engineering. Oxford: Oxford University Press, 1993.

  • WARD-PERKINS, Bryan. The Fall of Rome and the End of Civilization. Oxford: Oxford University Press, 2005.

Seis invenções bárbaras que Roma incorporou ao seu Império

A história do Império Romano é marcada tanto pela sua engenhosidade quanto pelo pragmatismo. Embora se considerassem o centro da civilização, os romanos não hesitaram em adotar práticas e invenções de povos que chamavam de bárbaros. Essa abertura estratégica foi um dos segredos de sua longevidade e sucesso. Entre tantas inovações, seis se destacam como fundamentais para a transformação de Roma em uma potência militar, logística e cultural.

1. O barril de madeira dos gauleses

Por séculos, gregos e romanos transportaram vinho, azeite e outros líquidos em ânforas de barro. Essas, porém, eram frágeis, pesadas e difíceis de empilhar. Já os gauleses utilizavam barris de carvalho: resistentes, práticos e fáceis de rolar ou armazenar. Roma logo percebeu a superioridade da tecnologia e a adotou. Os barris não só revolucionaram a logística comercial, como também tiveram usos militares, desde a construção de pontes flutuantes até o lançamento de projéteis incendiários em cercos.

2. O carrinho de mão

De origem chinesa, o carrinho de mão aparece em fontes do século IV, como na História Augusta, que descreve o imperador Heliogábalo utilizando um veículo de uma roda para transportar mulheres em jogos de corte. Embora não tão difundido, seu uso em Roma demonstra como ideias orientais, mediadas pelo contato com outros povos, também entraram no repertório romano.

3. O gládio ibérico

A arma símbolo da legião não nasceu em Roma. Durante a Segunda Guerra Púnica (218–201 a.C.), os romanos enfrentaram guerreiros ibéricos armados com espadas curtas de dois gumes, letais no combate corpo a corpo. Impressionado, Cipião Africano ordenou a escravização dos ferreiros de Nova Cartago (209 a.C.) para produzir em massa a nova espada. Assim, o gládio — uma arma “bárbara” — tornou-se a marca registrada do exército romano

4. As tatuagens célticas e germânicas

Inicialmente, tatuagens eram usadas por romanos apenas para marcar criminosos, escravos e prisioneiros. No entanto, o contato com celtas e germanos, que viam a prática como honra e devoção, mudou essa percepção. No exército, tatuagens passaram a marcar vitórias e identidade militar. O escritor Vegécio, no século IV, chegou a afirmar que o processo de recrutamento incluía tatuar o soldado com um símbolo da legião

5. A cota de malha celta

A lorica hamata, feita de milhares de anéis de ferro interligados, surgiu entre os celtas e foi incorporada por Roma no século III a.C. Sua flexibilidade garantia maior mobilidade em combate, sem sacrificar a proteção. Descobertas arqueológicas mostram que, nas fronteiras, os romanos dependiam de artesãos celtas para manter e consertar as armaduras, revelando a profundidade dessa integração tecnológica

6. As calças, símbolo bárbaro

Por muito tempo, calças eram vistas como roupas bárbaras, inapropriadas para cidadãos romanos. Contudo, a realidade climática das províncias do norte forçou mudanças. Legiões na Germânia e na Britânia precisavam de vestimentas mais adequadas ao frio. Assim, as calças entraram no uniforme militar, a ponto de serem representadas na Coluna de Trajano, no início do século II d.C.

Conclusão

O pragmatismo romano foi, em última análise, um de seus maiores legados. Ao invés de se prenderem à arrogância cultural, os romanos absorveram tecnologias úteis, mesmo de povos que consideravam inferiores. Barris, gládios, calças ou tatuagens mostram que a civilização não se constrói apenas pela originalidade, mas também pela capacidade de aprender, adaptar e integrar.

Bibliografia

  • Plínio, o Velho. História Natural.

  • Vegécio. Epitoma Rei Militaris.

  • História Augusta (atribuições diversas, séc. IV d.C.).

  • Documentos arqueológicos de Bonn (Alemanha).

Shopee no Brasil: estratégias de crescimento e adaptação ao contexto regulatório do governo atual

1. Introdução

Desde a sua chegada ao Brasil em 2019, a Shopee tem se consolidado como um dos principais marketplaces do país. O modelo inicial, focado em importados de baixo valor, foi progressivamente adaptado para atender às especificidades do mercado brasileiro e às exigências regulatórias. No contexto do atual governo (2023 em diante), a empresa tem acelerado estratégias para se blindar contra mudanças tributárias e reforçar sua presença por meio de vendedores locais, logística robusta e parcerias com marcas oficiais.

2. Estratégias de expansão e consolidação

2.1 Valorização do vendedor brasileiro

Em 2024, a Shopee anunciou que 90% das vendas no Brasil já provinham de vendedores locais, um marco que a distancia da imagem de marketplace apenas de importados. A plataforma também alcançou mais de 3 milhões de lojistas ativos e superou 1 bilhão de produtos vendidos no período de janeiro a outubro de 2024.

2.2 Lojas oficiais e fortalecimento da reputação

A estratégia de expansão de lojas oficiais no Brasil, que já ultrapassa mil marcas parceiras, contribui para elevar o ticket médio, aumentar a confiança do consumidor e reduzir problemas com falsificação e logística.

2.3 Logística como diferencial competitivo

Em 2025, a Shopee inaugurou seu 14º centro de distribuição no Brasil, em São Bernardo do Campo, ampliando sua capacidade para processar até 3,8 milhões de pedidos por dia. A empresa também investe em rotas aéreas internas, como São Paulo–Manaus, reduzindo prazos de entrega em até 60%.

2.4 Marketing agressivo

Com campanhas massivas em redes sociais, parcerias com influenciadores e datas promocionais duplas (9.9, 10.10, 11.11), a Shopee mantém engajamento constante e fortalece sua presença cultural no comércio eletrônico brasileiro.

3. Contexto Regulatório e Tributário

3.1 A “Taxa das Blusinhas”

A Lei 14.902/2024 instituiu tributação de 20% para compras internacionais de até US$ 50 e manteve 60% para valores entre US$ 50 e US$ 3.000, com desconto de US$ 20 no imposto. Essa medida reduz a competitividade de importados baratos, mas favorece a Shopee em sua estratégia de nacionalização das vendas.

3.2 Reforma Tributária

A Emenda Constitucional 132/2023 prevê a unificação de tributos sobre consumo em novos modelos (CBS e IBS). Essa transição exigirá adequações tecnológicas e fiscais para marketplaces e vendedores locais.

3.3 Lei da Reciprocidade e regulações digitais

Em 2025, o governo regulamentou a Lei da Reciprocidade, permitindo barreiras tarifárias frente a países que restringem produtos brasileiros. Além disso, tramitam no Congresso projetos de lei que regulam plataformas digitais (PL 4.675/2025 e PL 2.768/2022), exigindo maior transparência algorítmica e neutralidade de marketplaces.

4. Desafios e Oportunidades

  • Risco de perda do apelo de preço com a tributação de importados.

  • Necessidade de compliance tributário mais rigoroso diante de novas obrigações fiscais.

  • Concorrência acirrada com Mercado Livre e Amazon, que também ampliam fulfillment e logística.

  • Potencial de diferenciação com lojas oficiais, tecnologia de recomendação e engajamento promocional.

5. Conclusão

A trajetória da Shopee no Brasil demonstra sua capacidade de adaptação ao ambiente regulatório e econômico. No contexto do atual governo, a empresa conseguiu transformar uma possível ameaça — a tributação de importados — em oportunidade de fortalecimento do comércio nacional dentro de sua plataforma. Ao apostar em logística avançada, engajamento promocional e sellers locais, a Shopee não apenas consolidou sua presença, mas também redefiniu seu papel no e-commerce brasileiro.

Bibliografia

BLOOMBERG LÍNEA. Na Shopee, entrega rápida e lojas oficiais reforçam estratégia para avançar no Brasil. 2024. Disponível em: https://www.bloomberglinea.com.br/negocios/na-shopee-entrega-rapida-e-lojas-oficiais-reforcam-estrategia-para-avancar-no-brasil/

CNN BRASIL. Shopee abre 14º centro de distribuição no Brasil e deve criar 4 mil vagas. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/shopee-abre-14-centro-de-distribuicao-no-brasil-e-deve-criar-4-mil-vagas/

E-COMMERCE BRASIL. Brasileiros venderam mais de 1 bilhão de produtos em 2024 pela Shopee. 2024. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/brasileiros-venderam-mais-de-1-bilhao-de-produtos-em-2024-pela-shopee/

EXAME. As estratégias que impulsionaram o crescimento da Shopee em 2024. 2024. Disponível em: https://exame.com/negocios/as-estrategias-que-impulsionaram-o-crescimento-da-shopee-em-2024/

SENADO FEDERAL. “Taxa das blusinhas” agora é lei. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/08/14/201ctaxa-das-blusinhas201d-agora-e-lei

IPEA. Agenda Brasil Digital: regulação das plataformas digitais. 2025. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/510-agenda-brasil-digital

WIKIPÉDIA. Reforma Tributária do Brasil (EC 132/2023). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_tribut%C3%A1ria_do_Brasil

A uberização do trabalho nos supermercados e a rejeição à CLT

Introdução

O mercado de trabalho brasileiro vem passando por mudanças estruturais aceleradas. Uma das mais marcantes é a uberização das relações laborais: a adoção de plataformas digitais que conectam empresas e trabalhadores em turnos temporários, de forma semelhante ao modelo da Uber. O setor de supermercados é hoje um dos principais laboratórios desse fenômeno, refletindo não apenas transformações econômicas, mas também mudanças culturais profundas, marcadas pela rejeição crescente ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A uberização do trabalho no varejo alimentar

Supermercados enfrentam dificuldade para contratar trabalhadores no regime da CLT. A solução encontrada por algumas redes é recorrer a aplicativos de trabalho temporário, como a plataforma Help, que funcionam como um “Uber dos supermercados”: trabalhadores escolhem turnos e funções específicas, recebendo remuneração sem vínculo formal.

Esse modelo atende tanto a necessidade das empresas de lidar com picos de demanda (feriados, promoções, sazonalidades), quanto ao desejo dos trabalhadores de manter flexibilidade de tempo e autonomia sobre sua renda.

A cultura de rejeição à CLT 

A CLT, criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, tem inspiração direta na Carta del Lavoro de Benito Mussolini (1927), um documento corporativista do regime fascista italiano. Não à toa que muitos analistas consideram que a origem autoritária e centralizadora dessa lei marca até hoje a rigidez de suas regras, a ponto de serem consideradas ineficientes  e ilusórias, já que criam um sistema que onera empresas com impostos e riscos jurídicos sem efetivamente proteger os trabalhadores. Esse desgaste cultural transformou o termo “ser celetista" em um estigma no Brasil, especialmente em setores de alta rotatividade como o varejo alimentar.

Razões para a Rejeição

  1. Custos e insegurança jurídica: empregadores precificam os riscos de ações trabalhistas em salários mais baixos ou em aumento de preços.

  2. Perda de autonomia: o modelo tradicional exige cumprimento rígido de horários e subordinação hierárquica.

  3. Cultura digital: trabalhadores acostumados a Uber, iFood e outros apps tendem a valorizar a liberdade de escolher quando e como trabalhar.

  4. Origem autoritária: por ter nascido de um regime fascista, a CLT carrega um DNA de controle estatal e corporativismo que entra em choque com a lógica descentralizada da economia digital.

Paralelo com a descentralização

Na guerra da Ucrânia, a descentralização produtiva, sobretudo na fabricação de drones, mostrou-se mais eficiente do que aquela realizada por estruturas centralizadas. A mesma lógica se aplica ao mercado de trabalho: redes flexíveis de profissionais tendem a ser mais adaptáveis do que contratos fixos e engessados.

Conclusão

A uberização dos supermercados não é apenas uma inovação operacional: é o sintoma de uma mudança cultural mais profunda, que rejeita estruturas herdadas de um passado autoritário e busca autonomia, flexibilidade e descentralização. Se a CLT foi concebida como instrumento de controle em um contexto corporativista inspirado pelo fascismo, a nova economia de plataformas representa a ruptura com esse modelo, ainda que traga seus próprios desafios — como a ausência de segurança previdenciária e a volatilidade de renda.

O embate entre essas duas visões (estatismo versus mercado descentralizado) será um dos eixos centrais da política trabalhista no Brasil nos próximos anos.

Bibliografia

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2022.

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2019.

  • MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2021.

  • POCHMANN, Márcio. A Uberização do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2020.

  • ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

  • CARDOSO, Adalberto. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

  • Carta del Lavoro (1927). Documento oficial do regime fascista italiano, publicado em Roma em 21 de abril de 1927.

  • BARBOSA, Alexandre de Freitas. Trabalho e Regulação Social: a CLT e o corporativismo varguista. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 53, 2003.

  • VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Direito e Fascismo: a Carta del Lavoro e a CLT. Revista Direito e Práxis, v. 8, n. 2, 2017.