1) Quando houve a revolução
liberal do Porto em 1820, como um reflexo decorrente da Revolução Francesa, o
cenário era de flagrante incerteza, agravado ainda mais pelo temperamento de D.
João VI, que era indeciso.
2) Do debate que havia entre o
conselheiro Thomaz Antônio, que era absolutista, e o Conde de Palmella, que
fazia concessões aristocráticas e prudentes ao movimento constitucionalista, D.
João costurava uma idéia e outra - e a costura se fundava na linha tênue da
incerteza. Ele pedia conselhos constantemente e protelava uma medida, uma ação
necessária - ele não sabia se devia conceder uma constituição para apaziguar os
ânimos ou reprimir de vez a sedição soldadesca, que estava querendo uma
constituição nos moldes da Constituição espanhola da época.
3) A constituição espanhola da
época tinha uma cláusula de que o rei não podia ausentar-se do reino sem a
permissão das cortes, sob pena da perda da coroa para um aventureiro qualquer.
Como isso é estopim para a formação de uma república, o conselheiro Sylvestre
pinheiro esteve coberto de razão de ficar irritado, pois é uma ofensa à pátria
e ao sentido da aliança entre o altar e o trono, uma vez que Cristo fez D.
Afonso Henriques e seus descendentes reis de Portugal, de modo a que este sirva
a Cristo em terras distantes. Sylvestre Pinheiro foi o único que votou contra a
partida de del-rey D. João VI para Lisboa.
4) Enquanto D. João não se
decidia, as idéias vintistas já se alastravam por aqui, via Pará e Bahia. No Rio
de Janeiro, já havia o Revérbero Constitucional Fluminense. O infante D. Pedro,
que seria mais tarde D. Pedro I do Brasil e D. Pedro IV de Portugal, já havia
aderido às idéias constitucionalistas. Já defendia um dualismo constitucional,
posto que Portugal e Brasil tinham costumes e circunstâncias diferentes. Na
prática, isso implicaria cisão do Brasil num Império independente, sobretudo
porque se semeou entre nós a idéia de que o português era um usurpador que
preteria o filho da terra aqui.
5) Por fim, chegou-se à decisão
de se adotar provisoriamente a constituição da Espanha, enquanto Portugal não
fazia a sua, e a partida definitiva de El-Rey para Lisboa. Como já disse antes,
na cláusula espanhola o rei não poderia se ausentar do país sem a permissão da
corte, que representa seu povo. Se ele ficasse fora, é sinal de que teria
abandonado a coroa. Do ponto de vista desses que adotam as idéias liberais,
adota-se a falácia de que a mudança da corte para o Rio foi um ato de covardia
do Rei. E essa solução constitucional, considerando-se a realidade do mundo
português como um todo, não é uma solução sensata.
6) Admitindo-se o fato de que o
Brasil estivesse sendo invadido por forças estrangeiras, é mais sensato o
soberano pôr-se a salvo em um lugar mais seguro e coordenar a resistência de
fora. Pois não há tempo hábil para se pedir permissão à corte para se ausentar
do país. Foi o que de fato houve na Noruega, ao longo da Segunda Guerra
Mundial, quando o reino foi invadido pelos nazistas.
7) No caso do Brasil, D. Pedro II
estava em idade avançada e ele costumava ir à Europa e aos EUA em busca de alta
cultura e de coisas que pudessem dar causa ao desenvolvimento econômico do
país, a longo prazo. Essas viagens, que tinham caráter particular, são muito
necessárias - e no fundo tem uma natureza pública.
8) Quando o imperador se ausenta,
ele desde cedo ensina o povo a conhecer seu futuro sucessor quando faz de seu
filho mais velho um regente, como foi no caso da Princesa Isabel. E quando o
regente faz coisas fantásticas, como sancionar a Lei Áurea, é sinal de que o
País estaria bem encaminhado, quando o imperador falecer, já com o decorrer da
idade. Tal como o pai que sai à rua para comprar coisas necessárias para casa ou
quando sai por conta do serviço, o filho mais velho maior e capaz cuida dos
mais novos e passa a ouvir as queixas dos irmãos, de modo a pôr ordem na casa,
enquanto o pai está ausente. Eis aí mais um sentido da estabilidade política
que se dá pela monarquia hereditária - o rei ou imperador prepara seus filhos
para o comando, enquanto ele se ausenta do país em viagem para o bem do país.
9) Se ele ficar vinculado à
permissão das cortes, a coroa pode cair nas mãos de um aventureiro e o país
descambar numa república. Essa limitação da saída do rei é um golpe
fatal no governo hereditário, pois a regência é um estágio final para que o
futuro rei governe sem incidente algum, que se dá por falta de experiência.
10) A permissão de saída do
mandatário na república faz mais sentido devido à natureza provisória da figura
do chefe de Estado e também pelo fato de ele ser tanto chefe de Estado quanto
de governo.
11) Se o chefe de Estado, o rei
ou imperador, deixa um príncipe como regente, isso é sinal de que a chefia de
Estado não estará vaga. Pois nenhum rei, enquanto bom pai de família que é,
deixa seu povo desamparado. O regente age como um mandatário, um longa manus do
rei, pois ouvir as queixas do povo é papel do rei, fundado no fato de que
ele é pai da pátria. E o mandatário, o regente, responde perante o rei, tal como
o filho mais velho presta contas ao pai, por conta do deveres fundados na
ausência boa e necessária.
12) O filho mais velho, ao se
tornar mandatário do pai, ele é não padrasto, e com isso garante a estabilidade
da família. O padrasto tende a ser visto como um aventureiro ou deseducador, o
que destrói de vez a família, por falta da referência paterna. É o começo da
republicanização da pátria, quando os filhos da terra se perdem por conta da
referência paterna do Rei, que é pai de muitos, tal como os padres, nas suas
paróquias.