Neste artigo, vamos falar sobre a história de Nossa Senhora de Guadalupe e investigaremos em profundidade como o simbolismo oculto do manto foi essencial para a conversão do povo do México.
Em 1531, dez anos após a conquista, a situação no Vale do México era dramática. Após a conquista do Vale do México pelos espanhóis liderados por Hernán Cortés, eles enfrentaram grande dificuldade em cristianizar os povos americanos. Cortés havia conseguido, de fato, obter o apoio dos povos Totonaca, Tlaxcalteca e Texcocano para dominar e subjugar os astecas, mas introduzir o cristianismo a esses povos pelos espanhóis seria uma tarefa muito mais difícil do que a própria conquista. A maior prova disso é que os frades espanhóis haviam conseguido converter muito pouca gente à fé católica - os que traziam o ideal cristão demonstravam muito pouco das virtudes que afirmavam defender. Cortés, por exemplo, mandou batizar Montezuma praticamente à força enquanto o mantinha acorrentado e preso em seu próprio palácio real.
A ganância dos conquistadores também era algo que chocava com o ideal cristão que eles mesmos defendiam. De fato, quando perguntado por que os espanhóis eram obcecados por ouro, Cortés teria respondido que ele e seus companheiros sofriam de uma doença cardíaca que apenas o ouro poderia curar. Assim, havia um grande impasse - como poderiam catequizar os nativos nos valores cristãos se os próprios conquistadores mal os seguiam? Como poderiam pregar a religião da humildade e da pobreza se os próprios conquistadores tinham uma sede inexplicável por ouro e matavam uns aos outros por isso? E o pior é que as Leis de Burgos de 1512 dava incumbência aos encomenderos, ou seja, aos conquistadores, o trabalho de evangelizar o povo mexica.
Nesse sentido, muitos membros do clero denunciaram os abusos cometidos pelos conquistadores. Nas ilhas do Caribe, destacaram-se as vozes do Frei Domingos de Montesinos e, no continente, a de Bartolomé de las Casas. E o que é pior, os membros do clero que protegiam os índios da ganância dos conquistadores também foram alvos da ação deles. O bispo Zumárraga, no México, engajou-se em extensas batalhas com os encomenderos espanhóis por causa do tratamento dado aos nativos. De fato, ao desafiar a autoridade da própria igreja, muitos deles acabaram excomungados. Zumárraga foi assim difamado em Castela para que o imperador retirasse sua autoridade naquelas terras.
Dessa forma, os nativos mexicanos viam a cena de maneira incompreensível. Duas classes distintas de homens brancos estavam lutando entre si: de um lado, havia aqueles da igreja que os defendiam e que mostravam grande bondade com eles a ponto de comunicar-lhes a fé cristã; do outro, os encomenderos, que sob as leis de Burgos tinham esse mesmo dever, mas que, na prática, estavam em constante disputa, inclusive com a igreja.
O rei Carlos V já havia enviado os chamados Doze Apóstolos do México em 1524 para tentar converter os mexicas à fé cristã. Mas em 1531, havia apenas 31 frades franciscanos e alguns frades diocesanos e dominicanos para catequizar o universo de milhões de índios pagãos politeístas com uma visão de mundo e cosmogonia completamente diferentes da dos cristãos. Era uma tarefa monumental e quase impossível. Especialmente porque nem mesmo entre os castelhanos que trouxeram essa fé havia consenso.
Os astecas sentiam grande medo e apreensão. Isso porque o calendário astronômico asteca estava relacionado aos ciclos do sol, da lua e de Vênus. E o ano de 1531 seria um ano muito diferente. O solstício de inverno ocorreu na confluência do sol e de Vênus, o que para os astecas significaria o início de uma nova era.
No calendário Petra, uma nova era sempre começa após 104 anos na 13ª casa. E os astecas já haviam previsto que 1531 seria o início de uma nova era. Tanto que, dez anos antes, durante a conquista, um dos temores de Montezuma era a aproximação dessa nova era no calendário, que ele via como uma indicação da chegada dos espanhóis.
Assim, a conquista e ocupação em 1521 seriam apenas o prenúncio do início de um novo tempo, que começaria dez anos depois, em 1531. Para muitos índios, era um sinal de que naquele ano, de alguma forma, os deuses conseguiriam expulsar e punir os espanhóis de uma vez por todas e que algo novo começaria. Mas essa nova era começou da forma mais inesperada possível.
Mas um evento inesperado, que já havia sido previsto nos calendários astecas, mudaria a história do Vale do México para sempre. Em dezembro de 1531, enquanto passava pelo topo do Monte Tepiac, um índio chamado Juan Diego, que havia se convertido recentemente ao cristianismo, viu uma senhora bela e radiante falando com ele na língua náuatle, apresentando-se como Maria, mãe de Deus, e pedindo que construísse uma capela naquele local. Quando ele levou essa mensagem ao bispo do México, que na época era o bispo Zumárraga, ele não acreditou no testemunho. O índio, desconsolado, pediu à aparição que enviasse alguém mais importante do que ele.
Se ela enviasse um sacerdote, talvez sua mensagem fosse mais crível. Mas a aparição insistiu para que ele fosse ao bispo novamente e pedisse a construção da igreja. O bispo, achando estranha a existência do índio, pediu que ele trouxesse um sinal. Afinal, se fosse realmente Maria quem estava aparecendo ao índio, ela enviaria um sinal para provar isso. E ao retornar a Maria, ela pediu a Juan que a encontrasse no dia seguinte para que ela lhe desse um sinal. Mas no dia seguinte, Juan decidiu não vê-la, pois seu tio, que também era cristão, estava gravemente doente e ele foi procurar um sacerdote para ouvir sua confissão antes de morrer. Assim, ao dar a volta no Monte Tepiac, Juan Diego tentou evitar encontrar a senhora. Mas Maria desceu da montanha e foi ao seu encontro.
E foi então que ocorreu um dos momentos mais belos entre a aparição e o índio. Após explicar a situação de seu tio, Maria teria dito a famosa frase: "Não se perturbe o seu rosto nem o seu coração. Não tema esta doença nem qualquer outra. E Não se aflija. Eu, que sou sua mãe, não estou aqui? Você não está sob a minha sombra e sob o meu cuidado?"
A Virgem então pediu que ele subisse a montanha, colhesse algumas flores, as colocasse em seu manto e as levasse ao bispo, pois esse seria o sinal que ele estava esperando. E foi exatamente o que Juan Diego fez. Quando chegou ao topo da montanha, colheu várias rosas castelhanas que haviam florescido no terreno seco na pior estação do ano para isso.
Algo que, por si só, já seria impressionante. E, ao mesmo tempo, Maria apareceu ao tio de Juan Diego, curando-o de sua doença. E assim, ao chegar à presença do bispo, Juan contou sobre seu encontro com o sinal, desamarrou seu manto e deixou cair as várias flores.
As flores, por si só, já seriam um sinal, pois não cresciam naquele lugar, muito menos naquela época, mas talvez não fossem sinais suficientes. Assim, quando as flores caíram, todos notaram com espanto que uma imagem de Nossa Senhora havia se formado no manto indígena. E após isso, a igreja foi finalmente construída no Monte Tepiac.
Milhões de indígenas aceitaram a conversão ao cristianismo e Juan Diego passaria o resto de sua vida dedicado a espalhar essa devoção. De fato, ele morreria em um pequeno quarto muito próximo de onde estava o manto. E aqui surge um ponto muito importante sobre a imagem no manto.
A imagem de Guadalupe guarda muitos mistérios, curiosidades e também simbolismos próprios que tornam a imagem um verdadeiro códice. Os índios mexicas estavam muito acostumados a códices e imagens. As esculturas astecas, por exemplo, continham símbolos e comunicações que traziam uma mensagem oculta que aquela civilização podia entender. Assim como temos o costume de ler livros com frases, os astecas tinham o costume de ler imagens, especialmente em sua cultura. Curiosamente, a imagem de Guadalupe formada no manto de Juan Diego também é um códice que os mexicas imediatamente entenderam e, assim, aceitaram a conversão com maior facilidade, promovendo a evangelização em massa do povo de uma forma nunca antes vista.
A imagem aparece com os cabelos soltos e repartidos no meio, o que, na cultura mexica, significava que ela era uma mulher virgem, e ao mesmo tempo aparece com o cinto amarrado acima do ventre, indicando que estava grávida.
Assim, qualquer índio que visse aquela imagem pela primeira vez saberia que era uma mulher virgem e grávida. Mas não só isso. Ela usava o manto azul que apenas a realeza podia usar, o que indicava que ela era uma imperatriz, e em seu manto estava nada menos do que o exato arranjo das estrelas no céu.
Além disso, ela tinha em seu vestido a flor de quatro pétalas, que no simbolismo asteca significa o movimento de Deus. Em outras palavras, aquela virgem sob a lua estava carregando o próprio Deus. Afinal, ela estava grávida.
Ademais, aquela flor, que era o sinal de Deus e aparecia no manto, tinha uma raiz, e essa raiz estava dentro dela, em seu ventre, já que ela estava grávida. E essa raiz era a origem da vida, o mais importante: Jesus. Maria, portanto, apareceu como a anunciadora da coisa mais importante que estava escondida em seu ventre.
Com ela estava a vida do autor da vida. De fato, a data em que Guadalupe aparece é pouco antes do Natal, ou seja, antes do nascimento de Cristo no tempoo litúrgico. Assim, se na cultura mexica havia o costume de sacrifícios humanos, Maria agora trazia o valor da vida desde o momento da concepção em seu ventre.
Para os indígenas, a mensagem catequética era muito rica. Mas o manto também tinha um significado para os espanhóis. Maria não aparece pálida e branca, como as pinturas europeias geralmente a retratavam. Ela aparece com traços indígenas, mestiços. Isso pode ser visto nas mãos da imagem, com uma mais clara e outra mais escura, representando justamente a união dos povos na fé. Essa união pode ser vista também na forma como a imagem se manifestou, com rosas castelhanas colhidas de um manto mexica.
E isso era um ponto muito importante. Maria chegou para comunicar a fé católica aos mexicanos e, aos espanhóis, para comunicar a dignidade dos indígenas. Afinal, a própria Maria, venerada por muitos conquistadores, agora aparecia com traços indígenas.
Assim, um espanhol que maltratasse um índio estaria maltratando a própria mãe de Deus. E o mais interessante sobre o manto é que, além desse grande simbolismo que era muito importante para a época, ele também apresenta uma série de desafios à ciência moderna.
Primeiramente, a imagem foi literalmente impressa de uma só vez no manto, sem que qualquer vestígio de tinta ou pinceladas humanas tenha sido detectado. O tecido da tilma, usado pelos indígenas, era um tecido grosso feito de fibras grosseiras que se deteriora facilmente com o tempo. Mas o manto de Guadalupe permaneceu intacto e sem desbotar por mais de 500 anos. Além disso, a imagem muda de cor ligeiramente dependendo do ângulo de visão, e nenhuma propriedade mineral ou vegetal foi detectada em sua composição.
Em 1946, um estudo foi conduzido no Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México, confirmando que as fibras do tecido correspondiam a fibras de agave. E Miguel Cabrera, um pintor mexicano conhecido como um dos grandes expoentes do estilo barroco, afirmou que seria absurdo alguém escolher o tecido do manto de Juan Diego, já que é uma lona grossa composta por duas peças de tecido. E a imagem se mostrou extremamente resistente, apesar de todos os tipos de ataques que sofreu.
A imagem de Guadalupe foi atacada em 1921 por um terrorista anticlerical que colocou dinamite perto da imagem escondida entre flores. Mas, embora a explosão tenha destruído muitos objetos e até mesmo entortado um crucifixo de bronze, a imagem de Guadalupe não foi danificada. Durante uma limpeza no santuário, ácido foi acidentalmente derramado na imagem, mas ela também não sofreu nenhum dano. As únicas manchas deixadas foram na parte que não continha a imagem. Curiosamente, até essas manchas estão desaparecendo lentamente, como se a imagem estivesse se regenerando por conta própria. Além disso, a tilma possui elementos ainda mais surpreendentes.
Por sua vez, as estrelas no céu em 12 de dezembro de 1531 também estão impressas no manto da Virgem. Durante muito tempo, acreditou-se que as estrelas estavam dispostas sob o manto. No entanto, podemos ver que as estrelas não foram reproduzidas da forma que as vemos normalmente, mas invertidas. Isso porque as estrelas no manto da Virgem reproduzem o arranjo das constelações no céu, vistas do espaço e não da Terra. Assim, o manto de Guadalupe foi colocado sobre ela por alguém que a viu de cima, literalmente além das estrelas. Maria de Guadalupe traz sinais aos indígenas, aos espanhóis e também sinais dos céus.
O manto foi a causa de inúmeros milagres, e o próprio Juan Diego passou o resto de sua vida dedicado a espalhar a devoção à Virgem de Guadalupe. Uma simples aparição, mas de grande importância, que mudou completamente a história do México, transformando um dos países mais difíceis de converter em um dos países mais católicos do mundo até hoje.
A aparição trouxe não apenas a mensagem de unidade e conversão, mas também uma mensagem de confiança na providência divina. Afinal, a Virgem disse a Juan Diego para não se preocupar, porque ela estava ali, pois ela era sua mãe. A mensagem era contra a ansiedade do índio, consolado por sua presença materna. E o mais bonito de tudo isso é que o matemático Fernando Ojeda descobriu não apenas a proporção áurea no manto, mas também conseguiu transformá-lo em música.
A partir dos pontos das estrelas, das flores e dos detalhes do manto, o matemático conseguiu extrair uma melodia. E encerramos o vídeo com a melodia e as notas musicais obtidas pelo estudo do matemático. Essa melodia nos transporta para aquele 12 de dezembro de 1531. E é sublime!
Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=EYHal_xX16Q
Dettmann: Se puder incluir uma possível bibliografia, muito lhe agradeço:
Chat GPT:
Aqui está uma lista de possíveis fontes bibliográficas, levando em conta os temas históricos, religiosos e científicos abordados:
Livros e Artigos sobre História e Religião
Leon-Portilla, Miguel. Broken Spears: The Aztec Account of the Conquest of Mexico. Beacon Press, 2006.
- Um relato indígena sobre a conquista do México, que pode ajudar a entender o contexto cultural e histórico dos astecas.
Ricard, Robert. The Spiritual Conquest of Mexico. University of California Press, 1966.
- Estudo detalhado sobre o trabalho missionário católico na Nova Espanha.
Brading, David A. Mexican Phoenix: Our Lady of Guadalupe. Cambridge University Press, 2001.
- Obra fundamental para compreender o impacto da devoção à Nossa Senhora de Guadalupe na cultura mexicana.
Gruzinski, Serge. The Conquest of Mexico: The Incorporation of Indian Societies into the Western World, 16th–18th Centuries. Polity Press, 1993.
- Analisa as mudanças culturais e religiosas na América Central após a conquista espanhola.
Estudos Científicos sobre o Manto
Callahan, Philip S. The Tilma under Infrared Radiation: An Examination of the Image of the Virgin of Guadalupe. CARA Studies on Popular Devotion, 1981.
- Estudo técnico sobre a composição e as propriedades físicas do manto de Guadalupe.
Miller, Mary E., e Karl Taube. The Gods and Symbols of Ancient Mexico and the Maya: An Illustrated Dictionary of Mesoamerican Religion. Thames & Hudson, 1993.
- Um guia útil para entender os símbolos astecas, como os mencionados no manto.
Fontes sobre Iconografia e Teologia Mariana
Johnson, Maxwell E. The Virgin of Guadalupe: Theological Reflections of an Anglo-Lutheran Liturgist. Rowman & Littlefield, 2002.
- Explora a teologia e o simbolismo associados à imagem de Guadalupe.
Poole, Stafford. Our Lady of Guadalupe: The Origins and Sources of a Mexican National Symbol, 1531–1797. University of Arizona Press, 1995.
- Estudo histórico sobre o surgimento e a disseminação da devoção à Nossa Senhora de Guadalupe.
Estudos Complementares sobre Cosmologia Asteca
Caso, Alfonso. The Aztecs: People of the Sun. University of Oklahoma Press, 1978.
- Examina a cosmologia e o calendário asteca, que foram mencionados no vídeo.
Durán, Diego. The History of the Indies of New Spain. University of Oklahoma Press, 1994.
- Um relato histórico detalhado da cultura asteca por um missionário espanhol do século XVI.
Fontes Litúrgicas e Textos da Igreja
- Encíclica Ineffabilis Deus. Papa Pio IX, 1854.
- Proclamação do dogma da Imaculada Conceição, frequentemente associada a aparições marianas.
- Encíclica Lumen Gentium. Concílio Vaticano II, 1964.
- Texto que aborda o papel de Maria na Igreja Católica, relevante para a compreensão da devoção guadalupana.
Artigos e Estudos Recentes
- Estrada, Bernabé Cobo. "Guadalupe and Her Secrets: Interpreting the Codex of the Tilma." Journal of Mesoamerican Studies, 2018.
- Análise detalhada do simbolismo do manto e suas implicações culturais.
Fontes Multimídia
- Documentário: Guadalupe: The Miracle and the Message. Knights of Columbus, 2015.
Uma visão geral da história e do impacto cultural de Nossa Senhora de Guadalupe.
Sugestões para pesquisa adicional
Sites oficiais, como o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe (Basilica of Guadalupe).
Arquivos do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) do México, que frequentemente publica materiais sobre artefatos e histórias relacionadas à conquista e evangelização.
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