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terça-feira, 7 de outubro de 2025

A inteligência financeira do capital pessoal: transformando dívida em rendimento

Em tempos de incerteza econômica e volatilidade de mercado, a verdadeira inteligência financeira está na capacidade de transformar cada obrigação em uma oportunidade de capitalização. A estratégia que tracei para o uso combinado da poupança e do CDB é um exemplo prático de como o planejamento disciplinado, aliado ao entendimento das taxas de juros e da remuneração básica da Selic, pode gerar resultados consistentes e sustentáveis no longo prazo.

Tudo começa com um princípio simples: ter constância de aporte e liquidez imediata. Todo mês, recebo da minh mãe R$ 100,00 na poupança, que funciona como um fundo de reserva. Esses valores mensais me permitem lidar com boletos eventuais, como o pagamento de serviços de remessa de livros importados, sem comprometer meu capital de investimento. O segredo está em que, ao pagar o boleto, não elimino o dinheiro — apenas o redireciono.

 Os depósitos na poupança são feitos melhor aniversário da poupança, que é o dia 01, que é está concentrado o maior montar, a ponto de me gerar a máxima quantidade de juros que puder. Nesse ponto, os recursos são incorporados ao montante do mês e passam a trabalhar de maneira cumulativa.

Mas o verdadeiro ganho está no tempo kairológico do retorno: em cinco meses, a combinação dos juros da poupança com a taxa de remuneração básica da Selic faz com que o valor desembolsado no boleto seja resgatado com acréscimo — o suficiente para transformar o passivo em ativo, isto é, em aportes no CDB. É o que chamo de dívida ativa, não no sentido tributário do termo, mas como um conceito financeiro: o dinheiro pago retorna com valor ampliado, porque foi convertido em produtividade.

Quando esses aportes passam ao CDB, o efeito se multiplica. Meu CDB em questão rende 110% do CDI, o que equivale a aproximadamente 16,5% ao ano, dado que a Selic está em 15%. Ao longo de três anos, a capitalização composta nesse ritmo permite dobrar o capital inicial, passando de um montante de R$ 704,59 para R$ 1.115,07 — um acréscimo de cerca de R$ 410,48, antes de impostos. Essa é uma remuneração agressiva, mas sustentada em fundamentos sólidos: aportes regulares, juros compostos e reinvestimento estratégico.

Em síntese, esta é uma estratégia de autossustentação financeira, que reproduz, em escala pessoal, o mecanismo dos bonds e debêntures da Segunda Revolução Industrial, com uma diferença crucial: o capital é próprio. Ou seja, não há endividamento externo, tampouco especulação — há apenas a aplicação inteligente do tempo, do rendimento e da disciplina sobre o próprio patrimônio.

O resultado é uma forma moderna de capitalismo virtuoso, onde a poupança não é apenas reserva, mas instrumento de transposição: o que sai como despesa retorna como investimento, e o que parece um sacrifício momentâneo se converte em crescimento futuro. Assim, a cada boleto pago, cresce também o patrimônio — e, com ele, a liberdade financeira que se conquista nos méritos do trabalho e da constância.

O Copyright e o Domínio Público: da propriedade privada ao bem comum em Cristo

 A questão do copyright não pode ser compreendida apenas sob o prisma da propriedade privada ou do interesse econômico do autor. Trata-se, antes, de um instituto jurídico que nasce de uma tensão intrínseca entre o direito individual e o bem comum. No fundo, o copyright é um direito de cópia, de caráter instrumental, que se conecta a direitos mais elevados e de natureza pública, como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

Esses direitos, por sua vez, são perpétuos e naturais, pois dizem respeito à própria comunicação da verdade entre os homens. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa não se ordenam ao capricho individual, mas à difusão do verdadeiro e do bem, que servem à Cristandade e, portanto, ao bem comum. São liberdades que têm origem no desígnio divino — pois o Verbo, que é Cristo, é a Palavra que se comunica e dá vida. Nesse sentido, toda expressão autêntica é, de algum modo, participação na Palavra divina, e todo conhecimento verdadeiro é reflexo da Verdade eterna.

Por isso, o direito autoral é, em sua essência, acessório e transitório. O privilégio concedido ao autor sobre sua obra é uma forma legítima de proteção e reconhecimento de seu trabalho, mas não constitui um fim em si mesmo. É um privilégio temporário, análogo ao que se dá com as invenções e descobertas no campo da ciência e da técnica: serve para recompensar o esforço e estimular a criatividade humana, mas deve, com o tempo, ceder lugar à universalização do conhecimento.

Quando o prazo de proteção se extingue, o interesse privado adere naturalmente ao interesse público, e a obra entra em domínio público. Este é o momento em que o fruto do engenho humano retorna à comunidade, tornando-se parte do patrimônio espiritual da sociedade. O bem comum se enriquece com o labor de gerações passadas, e o país, enquanto corpo moral, se edifica como um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo — pois tudo o que é verdadeiro, belo e bom converge para Ele.

Assim, o copyright, quando corretamente compreendido, não é um instrumento de dominação ou exclusividade, mas um meio de ordenação justa dos bens intelectuais. Seu fim último é o serviço à verdade e à liberdade — e não o lucro isolado. A obra humana, tal como o trabalho manual, deve ser vista à luz da doutrina do bem comum: o homem trabalha, cria e se expressa para cooperar com a criação divina, não para se fechar sobre si mesmo.

Portanto, a passagem do direito privado ao domínio público representa mais do que um processo jurídico: é um ato simbólico de restituição. O que nasceu de um dom individual retorna ao todo, elevando-se ao plano da comunhão universal dos bens espirituais. É nessa restituição que a economia do espírito se cumpre — pois, em última instância, nada é verdadeiramente nosso, senão o que oferecemos a Deus e à comunidade dos homens.

Fundamentação Doutrinária e Filosófica

1. Santo Tomás de Aquino
Na Suma Teológica (II-II, q. 66, a. 2), Santo Tomás ensina que a propriedade privada tem fundamento no direito natural enquanto meio de administração, não de exclusividade. O homem tem o direito de possuir bens, mas o uso deles deve sempre se ordenar ao bem comum. Daí se conclui que o direito autoral, como forma de posse intelectual, é lícito enquanto meio de governar e distribuir um bem, mas não enquanto instrumento de apropriação perpétua.

2. Papa Leão XIII – Rerum Novarum
Na encíclica Rerum Novarum (1891), Leão XIII estabelece que o trabalho humano, material ou intelectual, é uma participação na obra criadora de Deus. O capital, entendido como o acúmulo do trabalho ao longo do tempo, deve servir à elevação moral e espiritual da sociedade. Assim, o capital intelectual — que inclui as obras de arte, literatura e ciência — é legítimo enquanto fruto do trabalho, mas deve, a seu tempo, retornar à comunidade, enriquecendo a cultura e a fé dos povos.

3. Papa Pio XI – Quadragesimo Anno
Pio XI reforça, em Quadragesimo Anno (1931), a necessidade de uma justa ordenação dos bens e das atividades econômicas ao bem comum. O direito de propriedade deve sempre se submeter à lei moral e à caridade cristã. Aplicado ao domínio da propriedade intelectual, isso significa que a exploração exclusiva de uma obra deve ter limites temporais e finalidades justas, sob pena de se tornar usura espiritual.

4. Josiah Royce – A Filosofia da Lealdade
Royce argumenta que a verdadeira lealdade consiste em dedicar-se a causas que transcendem o interesse próprio. Aplicando-se essa ideia ao campo intelectual, a criação humana atinge sua plenitude quando se torna bem comum — quando a obra deixa de ser apenas do autor e passa a ser da humanidade, servindo à verdade e à justiça.

5. Tradição Católica e o Milagre de Ourique
O Milagre de Ourique, como símbolo da missão espiritual de Portugal e, por extensão, das nações que herdam sua vocação, recorda que toda autoridade e todo dom são concedidos para servir. Assim, a missão cultural e intelectual dos povos cristãos é transformar o conhecimento em comunhão, e a ciência em caridade — servindo a Cristo nas almas e nas letras.

Conclusão

O copyright, quando interpretado sob a luz da lei natural e da doutrina cristã, revela-se um meio, e não um fim. Ele assegura um tempo legítimo de proteção à obra do autor, mas sua finalidade última é que esse bem retorne ao todo social, enriquecendo o patrimônio espiritual e cultural da humanidade. A passagem ao domínio público não é perda, mas plenitude — o cumprimento da justiça distributiva e da caridade intelectual.

Assim, o verdadeiro destino das obras humanas é o mesmo de toda criação: servir a Deus e aos homens. E toda nação que compreender isso tomará a si mesma como um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo — pois somente n’Ele o bem privado encontra o seu repouso no bem comum.

O capital intelectual e a economia da santificação

Entre o lucro especulativo e o lucro santificante há um abismo que só o trabalho pode atravessar. O primeiro nasce da ânsia de dominar; o segundo, da vontade de servir. Quando um homem transforma o fruto de seu estudo em um bem acessível a outros — um livro importado, digitalizado e nacionalizado — ele não apenas produz riqueza, mas realiza um ato de comunhão com o próprio Criador, pois multiplica os talentos que recebeu.

1. O capital que nasce do trabalho

A importação de um livro estrangeiro é uma forma de investimento em conhecimento. Esse custo inicial — frete, câmbio, imposto, tempo — representa a semente de um capital produtivo, que só frutifica quando o livro é digitalizado e tornado acessível. 

Cada página convertida em formato digital tem um valor intrínseco, resultado direto do esforço pessoal. O preço de R$ 0,05 por página digitalizada, portanto, não é mero cálculo comercial: é uma medida do tempo e da dedicação humana aplicados à formação de um bem intelectual.

A digitalização não é apenas técnica; é uma forma de nacionalização cultural. O que era estrangeiro se torna parte do patrimônio intelectual do país, multiplicando as fronteiras do saber sem depender de capitais alheios. É nesse momento que o trabalho individual se converte em capital próprio.

2. O domínio público e a expansão moral da economia

O ponto em que essa dinâmica alcança sua maturidade é quando os livros passam ao domínio público. Nessa fase, o digitalizador deixa de atuar dentro de uma economia de exclusividade — onde o acesso depende de direitos autorais — e passa a operar numa economia de expansão, onde o saber é livre e o lucro decorre do serviço prestado à coletividade.

O digitalizador de obras em domínio público é, nesse sentido, o herdeiro moral dos barões das ferrovias do século XIX. Tal como eles ligaram cidades e abriram caminhos para o comércio, ele liga consciências e abre vias para o conhecimento. Mas há uma diferença essencial:

Os barões das ferrovias buscavam dominar territórios; o digitalizador busca libertar almas.

Enquanto as ferrovias carregavam carvão e aço, as vias digitais transportam ideias e virtudes. Não há exclusividade, a não ser quando o digitalizador é também autor — caso em que o trabalho se duplica: ele cria e serve ao mesmo tempo.

3. A circulação moral dos bens intelectuais

O livro físico segue as leis da oferta e da demanda: quanto maior o interesse, maior o preço de venda — podendo até ser leiloado. 

Já o e-book, especialmente em domínio público, permite uma economia de outra ordem: a economia da doação. Doar um e-book não significa perder valor, mas multiplicá-lo. Cada exemplar doado é uma emissão simbólica de crédito moral, uma “bond” intelectual que circula entre pessoas que compartilham o amor pela verdade. À medida que o bem é distribuído, a riqueza espiritual e cultural se propaga — e essa propagação é contabilizada, ainda que simbolicamente, como um acréscimo ao capital do doador.

Trata-se de uma economia de redenção, onde o valor não se mede apenas em moeda, mas em utilidade social e em mérito moral. O trabalho que gera conhecimento é sagrado porque, ao mesmo tempo que liberta, obriga: quem conhece deve servir.

4. Do crédito moral ao capital real

Quando o e-book é doado, o valor correspondente — R$ 0,05 por página — pode ser simbolicamente rebatido como um ativo no “CDB espiritual” do autor. Cada doação cria um compromisso de retorno: um crédito moral que, somado, se transforma em capital de confiança. É como se o autor emitisse debêntures lastreadas em seu próprio trabalho, cujo rendimento se acumula em proporção direta à difusão do bem.

Esse modelo reproduz, em pequena escala, a lógica das economias sólidas: o crédito nasce do valor real, e o valor real nasce do trabalho. Só que aqui o lastro não é ouro, nem dólar, mas virtude intelectual — o tempo, o esforço e o amor pela verdade aplicados à obra.

Dessa forma, cada e-book doado é uma emissão moral de riqueza; cada leitura, uma valorização desse capital; cada fruto gerado, uma rentabilidade espiritual. E como todo o processo se apoia em capital próprio, não há submissão a interesses minoritários nem dependência de sistemas especulativos.

5. A santificação do lucro

O lucro, quando nasce do trabalho e retorna à sociedade em forma de conhecimento, é santificado. Ele não corrompe o homem; ele o purifica, porque o força a reconhecer a origem de todo bem: Deus. Ao reinvestir o fruto do trabalho em novos livros, novas traduções e novos projetos, o trabalhador se torna um administrador dos dons de Cristo, multiplicando não apenas seus bens, mas também a inteligência dos que com ele aprendem.

Assim, o lucro indireto — como aquele que se obtém de um cashback, de uma valorização cambial ou de uma operação bem executada — deixa de ser um simples ganho financeiro e passa a ser um sinal de conformidade com a Providência. É o eco da promessa evangélica: “A quem tem, mais será dado, e terá em abundância.”

6. Conclusão

O verdadeiro capitalista cristão é aquele que vê no trabalho uma forma de culto e na economia uma forma de caridade. Digitalizar um livro, distribuí-lo, permitir que outros o leiam e o compreendam, tudo isso é multiplicar os talentos recebidos.

Quando o domínio público se converte em campo de ação, e o capital intelectual se torna instrumento de serviço, então a economia deixa de ser campo de disputa e passa a ser meio de santificação. Assim se realiza a verdadeira redenção do capital: aquela em que o lucro nasce do serviço e retorna a Deus em forma de sabedoria compartilhada.

domingo, 5 de outubro de 2025

O Mecenas e O Cristo Esquecido: sobre a verdadeira injustiça que há na sociedade

Introdução

Em tempos de discursos inflamados sobre desigualdade e justiça social, tornou-se comum confundir a diferença natural entre os homens com um mal moral a ser corrigido. Entretanto, o que se deve condenar não são as desigualdades sociais em si mesmas, pois elas decorrem da própria ordem natural da criação. O que se deve, sim, condenar, é a perda sistemática de oportunidades — o apagamento de vocações que poderiam florescer se houvesse almas dispostas a reconhecer nelas o Cristo oculto, o talento que pede amparo, orientação e fé.

O presente artigo propõe distinguir entre a desigualdade natural, que é expressão da harmonia divina, e a injustiça social propriamente dita, que surge quando o mérito e o dom de Deus são impedidos de se manifestar por falta de mecenas — aqueles que, por caridade e discernimento, ajudam o outro a cumprir sua vocação.

1. A desigualdade natural como reflexo da sabedoria de Deus

Cada ser humano nasce sob circunstâncias únicas — origem, família, talentos, limites e provações que lhe são próprios. Essa singularidade é a marca da Providência. Condenar a desigualdade natural é condenar a própria variedade da Criação. Assim como um corpo possui membros diferentes com funções distintas, a sociedade também é composta por diferentes vocações que, em conjunto, realizam o bem comum.

São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, ensina que a ordem do universo exige desigualdade entre as criaturas, pois “o bem do conjunto requer variedade de graus e perfeições”. O mesmo se aplica à ordem humana: a hierarquia, quando fundada na virtude e na sabedoria, é reflexo da ordem celeste. A tentativa de eliminar as desigualdades naturais conduz, inevitavelmente, à destruição da própria liberdade, pois ela suprime as diferenças que tornam cada alma única diante de Deus.

2. A pobreza como escola de virtude

A pobreza não é uma maldição, mas um campo de provação e aprendizado. Ela pode tornar-se escola de humildade, desapego e fortaleza — virtudes sem as quais a alma não se eleva. Cristo escolheu nascer pobre não por necessidade, mas por amor, e para ensinar que o valor do homem não está na abundância de seus bens, mas na pureza de sua intenção.

As bem-aventuranças confirmam esse princípio: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). O pobre, quando persevera com dignidade, reflete a imagem do Cristo crucificado, que, na indigência, revelou o poder do Espírito. A pobreza, portanto, é um estado em que o homem é chamado a vencer a si mesmo e a reconhecer sua total dependência da graça divina.

3. O verdadeiro mal: a negação das oportunidades

A injustiça que clama aos céus não está na desigualdade de bens, mas na supressão das oportunidades de florescimento espiritual e intelectual daqueles que merecem ser amparados. Muitos homens e mulheres de talento são impedidos de desenvolver suas virtudes e dons porque não encontram um mecenas que os oriente, um espírito nobre que reconheça neles a centelha do Cristo que deseja servir.

O Estado, por sua natureza impessoal e burocrática, não é capaz de identificar o Cristo necessitado — aquele que pede não esmola, mas chance. Apenas pessoas dotadas de discernimento moral e sensibilidade espiritual podem reconhecer esse Cristo oculto nos talentos esquecidos da sociedade. A função do mecenas é, portanto, uma vocação: a de multiplicar o bem em outros, tornando-se cooperador da Providência.

Leão XIII, na Rerum Novarum, já advertia que a solução das questões sociais não está no nivelamento imposto pelo Estado, mas na restauração das “sociedades intermediárias” — corporações, associações e patronos — que ligam o indivíduo à comunidade e permitem o florescimento das virtudes no campo do trabalho e da cultura.

Negar essa função à sociedade civil é, em última instância, negar a própria caridade cristã. Pois o amor verdadeiro não se limita a dar o que sobra, mas busca transformar o outro, fazendo-o participar do mesmo bem.

Conclusão

A desigualdade natural é condição da liberdade; a pobreza, quando dignamente suportada, é instrumento de purificação; mas a exclusão deliberada dos talentosos, o esquecimento dos que poderiam servir a Cristo por meio de seus dons, é a verdadeira injustiça social de nosso tempo.

Cabe, portanto, aos que receberam mais — seja em bens, saber ou influência — exercer a vocação de mecenas, ajudando o próximo a se elevar, não por interesse, mas por amor. Pois cada alma que floresce em Cristo é um tesouro multiplicado na economia divina da salvação.

A sociedade que compreender isso deixará de sonhar com uma igualdade ilusória e passará a praticar a justiça verdadeira: aquela que reconhece o valor do singular e o conduz ao serviço do Todo. 

Bibliografia

  • AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica.

  • LEÃO XIII. Rerum Novarum. 1891.

  • MARITAIN, Jacques. Humanismo Integral.

  • PIEPER, Josef. As Virtudes Fundamentais.

  • ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty.

  • CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições.

sábado, 4 de outubro de 2025

A solenidade da doação e a crítica a Maquiavel

Nicolau Maquiavel, em sua análise da natureza humana, afirmou que os homens em geral se ofendem mais com pequenas ofensas do que com grandes. As grandes, dizia ele, são vistas como inevitáveis, quase fruto do destino; já as pequenas parecem pessoais e evitáveis, por isso ferem mais fundo.

Essa observação, contudo, não se sustenta em todos os casos. Há ofensas que, embora não envolvam violência física ou perdas materiais imensas, atingem diretamente o que há de mais sagrado em uma pessoa: a memória, a honra, a sucessão de significados transmitidos de geração em geração. É nesse ponto que a experiência pessoal se coloca como uma crítica necessária ao pensamento maquiaveliano.

Quando objetos que carregam valor profundo — brinquedos de infância, o livro de cuidados usado por uma mãe, ou mesmo uma Bíblia herdada de um avô — são doados de forma irrefletida a pessoas incapazes de honrar o presente recebido, o que está em jogo não é a utilidade do item, mas a sua sacralidade. O destino desses bens, quando desprezados ou até lançados ao lixo, não representa apenas a perda de algo material; simboliza uma ruptura na cadeia de sentido que une pais, filhos e netos em Cristo.

Essa ruptura não é uma "pequena ofensa". Ela é uma grande indignidade. É uma profanação do sagrado. E justamente porque atinge o fundamento espiritual da vida familiar, é algo capaz de gerar revolta muito mais profunda do que uma injúria corriqueira.

Doar, portanto, não é um gesto neutro ou meramente prático. Não basta que um objeto já não sirva mais a quem o possui para que seja entregue de qualquer modo a outro. A verdadeira doação exige solenidade, consciência e compromisso moral. Quem recebe deve comprometer-se a usar o bem nos méritos de Cristo e, quando este já não lhe for útil, transmiti-lo adiante com a mesma reverência, como se fosse um testemunho da vida.

Essa noção funda-se em algo que a modernidade esqueceu: os objetos carregam significados espirituais. São heranças de amor, sacrifício e memória. Reduzi-los ao plano da utilidade é trair o espírito de quem os transmitiu.

Dessa forma, a correção a Maquiavel é clara: os homens não se indignam apenas com pequenas ofensas. Eles podem se indignar, e justamente, com as grandes ofensas que atentam contra aquilo que há de mais sagrado: a continuidade da vida e da fé através da memória e da sucessão de bens impregnados de sentido.

Negligenciar isso é condenar não apenas a posse material, mas a própria alma — porque quem trata com leviandade o que recebeu dos seus pais e avós, tratando como lixo o que foi um dom, comete um pecado contra a honra, e a honra, no horizonte cristão, não é acessória: é via de salvação ou perdição.

Assim, mais do que um gesto social, a doação deve ser entendida como um ato de tradição, no sentido pleno do termo: transmissão fiel, nos méritos de Cristo, daquilo que recebemos e que nos cabe passar adiante.

Bibliografia

  • MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

  • SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 101-103 (tratado da religião e da piedade). Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.

  • BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007.

  • LEÃO XIII. Encíclica Rerum Novarum (1891). Vaticano.

  • PIEPER, Josef. As Virtudes Fundamentais. São Paulo: Loyola, 2003.

  • GUÉRANGER, Dom Próspero. O Ano Litúrgico. São Paulo: Permanência, 2005.

A solenidade da dádiva: por que “fazer o bem sem olhar a quem” é uma estupidez?

Introdução

O provérbio popular “fazer o bem sem olhar a quem” é recorrentemente repetido como expressão de altruísmo. Porém, à luz da filosofia, da teologia e da antropologia, revela-se um sofisma perigoso. A caridade não se confunde com liberalidade irrefletida; a dádiva, quando desprovida de solenidade e discernimento, degrada-se em profanação.

O presente artigo examina a questão da dádiva a partir de três perspectivas: a filosofia tomista, a análise antropológica de Marcel Mauss e a reflexão política de Hannah Arendt.

1. A virtude da liberalidade em Santo Tomás de Aquino

Na Suma Teológica (II-II, q.117), Santo Tomás define a liberalidade como a virtude que regula o uso dos bens exteriores, especialmente no ato de dar. O Aquinate insiste que a liberalidade deve estar subordinada à razão, e que dar indiscriminadamente não constitui virtude, mas desordem.

Se a finalidade própria da virtude é ordenar o bem segundo a reta razão, não pode ser ato virtuoso entregar bens preciosos a pessoas incapazes de honrá-los. Tal gesto não edifica, mas desperdiça, e por vezes até escandaliza. Portanto, a caridade não pode ser confundida com descuido: dar mal é tão injusto quanto não dar quando se deve.

2. A teoria antropológica da dádiva (Marcel Mauss)

Em seu clássico Ensaio sobre a Dádiva (1925), Marcel Mauss demonstra que, em sociedades tradicionais, a dádiva não é mero ato de transferência material, mas um ato carregado de sentido social e espiritual. Dar implica sempre um triplo movimento: dar, receber e retribuir.

Nessas culturas, a dádiva é acompanhada de solenidade, pois não se trata de “descarregar” um objeto, mas de estabelecer vínculos de honra, confiança e reciprocidade. O objeto doado carrega consigo algo da pessoa que doa. Assim, se o recebedor despreza o objeto ou não o honra, rompe-se o laço social e espiritual que sustentava a troca.

Aplicado ao contexto cristão, isso significa que uma dádiva feita sem discernimento — “sem olhar a quem” — não cumpre sua função sacramental de edificar vínculos de comunhão.

3. A crítica de Hannah Arendt: a banalização do bem

Hannah Arendt, ao refletir sobre o “mal banal” em Eichmann em Jerusalém, mostrou como atos humanos podem ser esvaziados de significado moral quando realizados de modo maquinal, sem reflexão. Embora falasse do mal, sua análise pode ser aplicada ao “bem” quando este é reduzido a gesto irrefletido: também o bem pode ser banalizado.

“Fazer o bem sem olhar a quem” é, nesse sentido, uma forma de banalização: o gesto não considera a dignidade do destinatário, nem a responsabilidade do doador. O bem, quando privado de solenidade e responsabilidade, perde substância e se torna mera aparência.

4. Idem velle, idem nolle: a comunhão da vontade

Os antigos romanos resumiam a verdadeira amizade na máxima idem velle, idem nolle — querer e não querer as mesmas coisas. Esse princípio pode ser transposto para a dádiva cristã: só há verdadeira dádiva quando há comunhão de vontade entre quem dá e quem recebe.

Quando alguém recebe um livro, um brinquedo ou mesmo uma Bíblia, mas não tem a intenção de honrar o dom, não existe comunhão; a dádiva torna-se vã. O doador, nesse caso, não deve ser visto como egoísta se recusar a doar: ao contrário, demonstra zelo e justiça ao preservar o bem até encontrar quem saiba honrá-lo.

Conclusão

O provérbio “fazer o bem sem olhar a quem” é mais uma fórmula de comodidade do que uma regra de caridade. A verdadeira dádiva, à luz de Santo Tomás, de Mauss e de Arendt, exige discernimento, solenidade e reciprocidade.

Dar sem olhar a quem é, no fundo, profanar tanto o objeto dado quanto a própria virtude da liberalidade. A caridade cristã não se confunde com desleixo: ela exige que cada dádiva seja feita com solenidade, de modo que o bem não se perca no lixo da banalidade, mas floresça em comunhão nos méritos de Cristo.

Bibliografia

  • AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q.117 (Sobre a virtude da liberalidade). Trad. Alexandre Correia. São Paulo: Loyola, 2001.

  • MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (1925). Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

  • ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

  • AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. [Referência complementar sobre memória, dons e solenidade da vida cristã].

  • ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [Para o princípio “idem velle, idem nolle”, citado como base da comunhão de vontade]. 

A preferência pessoal e a preferência temporal como fundamentos econômicos circunstanciais

Na ciência econômica, existe um ponto que muitas vezes passa despercebido pelo olhar superficial do consumidor comum: o valor de um bem não está nos custos de sua produção, mas na preferência que o consumidor manifesta por ele no tempo presente. Esse princípio se encontra na teoria do valor subjetivo e é decisivo para compreender por que alguém paga mais por um mesmo produto em determinadas circunstâncias.

O conceito de preferência temporal

A preferência temporal é a tendência natural do ser humano de atribuir maior valor a um bem disponível no presente do que ao mesmo bem disponível no futuro. Ou seja, dado o mesmo produto em qualidade e quantidade, a posse imediata é considerada mais valiosa do que a posse postergada.

Esse fenômeno explica, por exemplo:

  • O motivo de um consumidor pagar mais caro por uma refeição em um restaurante agora, em vez de esperar cozinhar em casa mais tarde.

  • O porquê de se aceitarem juros em operações de crédito: quem empresta abre mão do bem presente (dinheiro) em troca de uma compensação futura.

Preferência pessoal como fator determinante

Contudo, a teoria se aprofunda quando associamos a preferência temporal à preferência pessoal. O valor atribuído a um bem não é apenas função do tempo, mas também do significado que o consumidor lhe confere.

Exemplo:

  • Um colecionador de vinhos paga muito mais por uma garrafa produzida por um vinicultor famoso, não porque o custo de produção seja mais alto, mas porque a satisfação pessoal de possuí-la imediatamente supera o de esperar outra oportunidade de compra.

  • Um fã de um chef renomado pode gastar valores elevados para provar um prato em sua estreia, ainda que pratos semelhantes, em qualidade objetiva, estejam disponíveis em restaurantes comuns.

Nesses casos, a marca pessoal do produtor e a preferência subjetiva do consumidor funcionam como catalisadores do valor, ampliando o peso da preferência temporal: “quero este produto, deste produtor, agora”.

Implicações econômicas

  1. Preços de luxo e exclusividade: quanto mais escassa e personalizada for a oferta, maior será a disposição a pagar no presente.

  2. Fama e reputação: quando o vendedor transforma seu nome em sinônimo de qualidade, a preferência pessoal do consumidor se torna fidelidade de marca.

  3. Economia do prestígio: em mercados como arte, moda, gastronomia e enologia, a preferência temporal associada à pessoalidade cria uma lógica em que o produto deixa de ser mera utilidade e se torna símbolo de distinção.

Conclusão

A preferência temporal, quando entrelaçada à preferência pessoal, revela que o consumidor paga mais não pelo objeto em si, mas pela satisfação subjetiva de possuí-lo no tempo e no contexto que deseja. Esse princípio mostra por que mercados de luxo, produtos artesanais e bens com assinatura pessoal conseguem valores tão elevados: o fator determinante não é a utilidade prática, mas o desejo imediato, situado no tempo presente e na valorização do produtor específico.

Bibliografia

  • Carl Menger, Princípios de Economia Política.

  • Eugen von Böhm-Bawerk, Capital e Juros.

  • Ludwig von Mises, Ação Humana.

  • Israel Kirzner, Competição e Atividade Empresarial.