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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Livros, Pontos e a falsidade da tese da “detaxe disfarçada”

Recentemente, uma compra de livro na Amazon trouxe uma confirmação prática de que os programas de fidelidade não são apenas mecanismos de “detaxe disfarçados”. Ao acumular 180 pontos por meio de uma aquisição de bem isento de tributação no Brasil, ficou evidente que a lógica por trás desse sistema não se limita à devolução ou compensação de impostos pagos.

Se os programas de fidelidade fossem uma espécie de detaxe oculta, a compra de livros — tradicionalmente isentos de tributos — não geraria pontos. Afinal, não haveria imposto a ser devolvido. No entanto, o acúmulo se deu normalmente, revelando que o fundamento não está na esfera tributária, mas sim em uma lógica própria de circulação de valor.

Esses pontos se configuram como uma moeda privada fiduciária, desvinculada da moeda estatal e independente do sistema tributário. Trata-se, portanto, de um crédito de valor simbólico criado pela empresa ou pelo programa, e que se consolida como instrumento de fidelização do cliente.

Nesse sentido, os programas de fidelidade se aproximam muito mais da proposta de Hayek sobre a desestatização do dinheiro do que de um mero dispositivo de compensação fiscal. Eles representam uma forma de emissão de valor paralelo, que circula dentro de ecossistemas de consumo e se ancora na confiança do usuário de que poderá convertê-lo em bens, serviços ou descontos futuros.

Portanto, o caso da compra de livro na Amazon não é apenas um detalhe curioso, mas um indício claro: estamos diante de um modelo econômico que transcende a tributação e adentra o campo da criação de moedas privadas, com potencial de redesenhar a relação entre consumo, fidelidade e valor.

Bibliografia e Referências

  • Hayek, Friedrich A. Denationalisation of Money: The Argument Refined. London: The Institute of Economic Affairs, 1976.

  • Ortega y Gasset, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914. (para o conceito de circunstância aplicado ao consumo).

  • Peppers, Don; Rogers, Martha. The One to One Future: Building Relationships One Customer at a Time. New York: Currency Doubleday, 1993. (clássico sobre fidelização).

  • Rowley, Jennifer. “Loyalty Programmes: A Critical Review of the Literature.” Journal of Consumer Marketing, vol. 22, n. 6, 2005, pp. 366–374.

  • Tuttle, Brad. “The Surprising History of the Loyalty Program.” Time Magazine, 2014.

  • Weaver, Gary R. “Tax-Free Shopping in Europe: The Detaxe Mechanism.” European Business Review, 2002.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

A conversa como advento: preparação intelectual e espiritual para o encontro com o Cristo que está na outra pessoa

1. Conversar não é banalizar

Na cultura atual, a conversa tornou-se algo instantâneo e superficial, reduzida a mensagens rápidas, trocas apressadas ou desabafos sem escuta. Poucos enxergam a conversa como um evento que exige atenção e preparação.

Entretanto, quando se escolhe um dia e uma hora para dialogar sobre um tema, e quando se prepara com antecedência para esse encontro, a conversa deixa de ser trivial e ganha uma dignidade semelhante à de uma celebração.

2. O Advento como paradigma

O católico se prepara para o Natal por meio do Advento: tempo de recolhimento, oração e expectativa. Não se trata apenas de esperar uma data no calendário, mas de dispor-se interiormente para que o nascimento de Cristo seja fecundo na alma.

Do mesmo modo, preparar-se para uma conversa significa recolher-se intelectualmente e espiritualmente: estudar o assunto, refletir sobre ele, rezar para que o encontro seja frutuoso e, sobretudo, abrir-se para receber o outro com atenção amorosa.

3. O outro como centro da preparação

Quem se prepara para uma conversa não pensa apenas em si mesmo, mas no interlocutor. O esforço é feito em torno do interesse do outro, do tema que lhe agrada ou que toca sua vida. Esse gesto manifesta uma forma elevada de caridade intelectual: honrar o outro como digno de estudo, de tempo e de devoção.

Nesse sentido, a conversa preparada não é monólogo disfarçado, mas verdadeira escuta. É a busca de uma comunhão de inteligências e corações, iluminada pela verdade.

4. Conversa como evento histórico

Cada conversa pode ser um marco, um pequeno ponto de inflexão na vida de quem participa. Assim como o Natal acontece uma vez e altera o curso da história, também um diálogo preparado com reverência pode abrir horizontes novos, consolidar amizades ou acender a chama de uma vocação.

A conversa, então, não é algo descartável, mas um ato histórico que deixa rastro no tempo.

5. Ética cristã da comunicação

Compreendida dessa forma, a conversa torna-se parte de uma ética cristã da comunicação:

  • Preparar-se como quem se dispõe a uma liturgia.

  • Respeitar o outro como sujeito digno de atenção.

  • Buscar a verdade como fundamento da liberdade.

  • Abrir espaço para Cristo como mediador invisível do diálogo.

Conclusão

Preparar-se para conversar é transformar o diálogo em Advento: um tempo de expectativa e cuidado, em que se cultiva o espírito para acolher o outro na verdade. Conversar assim é mais do que trocar palavras; é um ato de comunhão e caridade, nos méritos de Cristo.

A retenção do conhecimento como ato de autoridade nos méritos de Cristo

1. O fundamento filosófico

Olavo de Carvalho e Rodrigo Gurgel destacaram a importância da retenção do conhecimento por longos períodos. Não se trata de mera memorização mecânica, mas de um processo de sedimentação intelectual em que o saber se converte em parte integrante da pessoa. Esse tipo de conhecimento não desaparece com o tempo, porque foi assimilado, refletido e cultivado. Ele se torna um patrimônio interior.

Porém, reter conhecimento sem finalidade é um desperdício. A cultura moderna tende a tratar a memória como acúmulo inútil, valorizando apenas o “saber prático imediato”. Contra essa tendência, a tradição filosófica mostra que a memória é a base da prudência e da sabedoria: só quem lembra e medita sobre o passado pode discernir o presente e orientar o futuro.

2. O fundamento cristão

A sua reflexão acrescenta uma dimensão decisiva: a retenção de conhecimento só faz pleno sentido quando vista nos méritos de Cristo. Isto é, a memória do sábio não é para si mesmo, mas para os outros. Assim como Cristo entregou a Si mesmo em sacrifício pelos homens, também o professor, o escritor ou o mestre deve reter o conhecimento para transmiti-lo a quem dele necessita.

Neste horizonte, a retenção do saber deixa de ser um exercício de vaidade e torna-se um ato de caridade. É um serviço: preparar a verdade para ser oferecida no tempo oportuno.

3. Autoridade e liberdade

Ao transmitir o que reteve, o professor não apenas ensina conteúdos, mas aperfeiçoa a liberdade de muitos. Pois a verdade liberta (Jo 8,32), e quem transmite a verdade torna-se instrumento dessa libertação. Nesse sentido, a autoridade não é tirânica nem meramente institucional: é a autoridade de quem retém, compreende e transmite fielmente.

A retenção do conhecimento, portanto, é um modo de preparar-se para exercer autoridade legítima. Uma autoridade que não oprime, mas que guia; que não se funda em poder arbitrário, mas na fidelidade ao verdadeiro, transmitido nos méritos de Cristo.

4. Aplicação prática

Aprender a reter conhecimento por longos períodos é, portanto, preparar-se para:

  • Ensinar com constância: ser capaz de transmitir o mesmo ensinamento hoje, amanhã e daqui a vinte anos, sem se perder nas modas intelectuais.

  • Servir como guia confiável: tornar-se referência para quem depende de orientação.

  • Aperfeiçoar a liberdade dos outros: não apenas informar, mas formar consciências para que sejam livres na verdade.

Conclusão

A retenção do conhecimento não é apenas um exercício de disciplina mental. É um ato de fidelidade que prepara a pessoa para servir como autoridade, transmitindo a verdade a quem dela depende. Nos méritos de Cristo, reter é servir; e servir é libertar.

O valor do contato por e-mail frente à arbitrariedade das redes sociais

Vivemos em uma época em que as redes sociais assumiram um papel central nas interações humanas. A facilidade de adicionar alguém, enviar uma mensagem instantânea ou simplesmente “seguir” um perfil gera a ilusão de proximidade, mas muitas vezes esconde a arbitrariedade e a superficialidade desse gesto. Um clique não traduz necessariamente interesse real, respeito ou intenção autêntica de estabelecer diálogo.

Diante desse cenário, o contato feito por e-mail adquire uma dignidade especial. Enquanto as redes sociais banalizam a comunicação, transformando-a em uma sequência de notificações efêmeras, o e-mail exige intenção. Ele supõe escolha consciente do interlocutor, redação de uma mensagem, organização de ideias e, sobretudo, respeito pelo espaço do outro.

Responder a um e-mail não é o mesmo que aceitar um convite de conexão. O convite é impessoal, padronizado e muitas vezes disparado em massa. Já o e-mail, quando enviado de forma discreta e autêntica, carrega consigo a marca da individualidade: foi escrito especificamente para você. É como bater à porta com cortesia, ao invés de forçar a entrada pela janela.

O cuidado em verificar a identidade do remetente — por exemplo, consultando seu perfil no LinkedIn — reforça a prudência necessária neste processo. Esse gesto simples garante que o contato seja legítimo e demonstra que reciprocidade e confiança não devem ser oferecidas sem critério. Assim, o e-mail se torna não apenas uma via de comunicação, mas também um espaço onde se estabelece o primeiro teste de seriedade e boa-fé.

Portanto, preferir o e-mail às redes sociais não é mero capricho ou formalismo antiquado: é uma escolha consciente pela qualidade do diálogo. É uma forma de resgatar o respeito mútuo, a clareza da palavra escrita e a valorização do tempo alheio. Quem opta por escrever um e-mail em vez de “adicionar” está, em essência, dizendo: “quero conversar com você, não apenas colecionar seu nome na minha lista de contatos”.

E essa diferença, por si só, já separa o gesto trivial do gesto significativo.

Delaware, Oregon, Tabatinga e a Tagpeak: a evolução dos programas de fidelidade do detaxe à moeda privada

A ideia de que programas de fidelidade, cashback e milhas seriam uma forma de detaxe disfarçado ganha força quando observamos sua gênese histórica. A estratégia da Sears, nos Estados Unidos, e a popularização dos programas de milhagem pelas companhias aéreas criaram um mecanismo de devolução parcial do gasto ao consumidor, como se parte do tributo fosse reabsorvida em forma de pontos. Em países de alta carga tributária indireta, como o Brasil, isso se apresenta ainda mais evidente: o consumidor sente que está sendo “compensado” pelo imposto embutido na transação.

No entanto, essa explicação se mostra parcial quando analisamos territórios em que o tributo simplesmente não existe.

Delaware e Oregon: a prova negativa do detaxe

Nos Estados Unidos, Delaware e Oregon não possuem sales tax. Se programas de pontos e cashback fossem estritamente uma forma de devolução de imposto, seria lógico que nesses estados não houvesse pontuação. No entanto, cartões de crédito e programas de recompensas continuam operando normalmente, oferecendo milhas, pontos e cashback.

Isso demonstra que a fonte real dos programas de fidelidade não é apenas o imposto, mas também as taxas de intercâmbio cobradas dos lojistas (merchant fees), o spread financeiro e a engenharia bancária que sustenta a emissão de pontos como moeda privada, independente da base tributária.

Tabatinga: a Zona Franca como laboratório

Tabatinga, no Amazonas, dentro da Zona Franca, oferece outro exemplo de “prova negativa”. Ali, ICMS e ISSQN não incidem sobre o consumo local, desde que o produto seja adquirido para uso dentro da própria ZLC. Ainda assim, cartões de crédito e programas de fidelidade continuam premiando o consumo com pontos e milhas.

Mais uma vez, a lógica tributária não esgota a explicação: programas de fidelidade funcionam como transferência de parte do custo financeiro do lojista para o consumidor fiel, criando uma moeda paralela que independe do tributo.

A Tagpeak: a fase madura da moeda de fidelidade

Plataformas como a Tagpeak representam a evolução natural desse modelo:

  1. Transformação do simbólico em real: pontos e milhas se tornam ativos digitais negociáveis, desvinculados de qualquer tributação.

  2. Mercado próprio de ativos de consumo: os pontos funcionam como moeda paralela, capaz de circular, ser trocada ou valorizada.

  3. Independência tributária: mesmo em estados ou territórios sem impostos, os ativos mantêm valor, evidenciando sua autonomia.

Essa trajetória pode ser resumida assim:

  • Sears e cashback inicial (anos 80) → devolução parcial de imposto; moeda privada simbólica.

  • Cartões e milhagem aérea (anos 90–2000) → moeda privada emergente, circulação parcial.

  • Tagpeak (2020s) → ativos digitais fiduciários, negociáveis, plenamente independentes.

Moeda fiduciária e não-estatal: Hayek em prática

Aqui entra a conexão com Friedrich Hayek e sua tese da desestatização do dinheiro. Segundo Hayek:

  • O dinheiro não precisa ser emitido pelo Estado para funcionar como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.

  • O que importa é a confiança coletiva e a aceitação do ativo.

As plataformas de fidelidade, especialmente Tagpeak, demonstram isso na prática:

  1. Fiduciária: seu valor depende da confiança na plataforma, não de lastro físico ou tributo.

  2. Não-estatal: emitida e gerida por entidades privadas, sem intervenção governamental direta.

  3. Portabilidade e circulação autônoma: ativos digitais circulam independentemente de fronteiras ou impostos, criando um mercado paralelo sustentável.

Em termos históricos, podemos visualizar a linha de evolução:

  • Sears e cashback inicial → moeda privada limitada.

  • Cartões e milhagem aérea → moeda privada emergente, parcialmente simbólica.

  • Tagpeak e ativos digitais → moeda fiduciária e não-estatal plenamente funcional.

Conclusão

Delaware, Oregon e Tabatinga são provas negativas da tese de que cashback e milhas seriam apenas detaxe disfarçado. A Tagpeak mostra que o modelo evoluiu: a fidelidade não é mais compensação fiscal, mas moeda privada fiduciária, integrando-se a uma economia de ativos digitais.

O consumidor, antes limitado à sensação de ganho simbólico, agora acessa um ativo real, negociável e independente, revelando a maturidade de um conceito que começou como devolução parcial de imposto e hoje se consolida como capital digital.

Bibliografia

  • BREALEY, Richard A.; MYERS, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Principles of Corporate Finance. McGraw-Hill, 2020.

  • EVANS, David S.; SCHMALENSEE, Richard. Paying with Plastic: The Digital Revolution in Buying and Borrowing. MIT Press, 2005.

  • HAYEK, Friedrich A. Denationalisation of Money: The Argument Refined. Institute of Economic Affairs, 1976.

  • OLEGARIO, Rowena. A Culture of Credit: Embedding Trust and Transparency in American Business. Harvard University Press, 2006.

  • REICHHELD, Frederick F. The Loyalty Effect: The Hidden Force Behind Growth, Profits, and Lasting Value. Harvard Business School Press, 1996.

  • SILVEIRA, Fernando Antônio Rezende. Zona Franca de Manaus: Impactos Econômicos e Desafios. IPEA, Texto para Discussão nº 1743, 2012.

  • TILLY, Chris. “The Sears Credit System and the Transformation of Consumer Credit in the Twentieth Century.” Business History Review, vol. 85, n. 4, 2011.

  • U.S. Department of Commerce. Sales Tax Rates by State 2024. Washington, DC.

  • ZONA FRANCA DE MANAUS. Legislação Básica da Suframa. Disponível em: http://www.suframa.gov.br

Livelo e a tradição dos programas de cashback como detaxe disfarçado

1. Detaxe tradicional vs. detaxe moderno disfarçado de fidelidade

O detaxe tradicional é um mecanismo para turistas recuperarem parte dos impostos pagos em compras durante a visita a um país, mediante apresentação de passaporte e comprovação de trânsito. É burocrático, restrito e muitas vezes desconhecido — mesmo por pessoas com formação em Direito Tributário, como você observou.

A Livelo, ao se apresentar como programa de fidelidade, permite que qualquer pessoa com CPF participe, de forma simples e acessível. No entanto, a lógica interna — pontos concedidos sobre o valor tributável da compra — funciona como um detaxe digital disfarçado, adaptado ao contexto brasileiro.

2. A tradição histórica: Sears, Discover e os rebates dos anos 1980

Nos Estados Unidos, a Sears adotou uma estratégia semelhante nos anos 1980: diante do avanço dos cartões de crédito, lançou o cartão Discover — com isenção de anuidade e programa de recompensas em dinheiro — para atrair e reter clientes Reddit.

Essa estratégia representava, antes de tudo, um rebate direto sobre compras, movido pela lógica de restauração parcial dos gastos — e, em última instância, dos tributos embutidos no preço. Foi o ponto de partida para os modernos programas de fidelidade e cashback.

3. A evolução digital: de Ebates a Rakuten e Ibotta

Com o advento da internet, surgiram plataformas como Ebates (atual Rakuten Rewards), fundadas em 1999, que oferecem cashback em compras online por meio de links afiliados — um canal para devolver parte da comissão ao consumidor WikipediaWildfire.

Da mesma forma, apps como Ibotta, lançados na década de 2010, permitiram ao usuário acumular cashback ao escanear recibos ou fazer compras nas lojas parceiras Wikipedia.

4. Cashback moderno: incentivos financeiros com retorno prático

Estudos apontam que estratégias de cashback geram lealdade e retorno financeiro para os varejistas — os consumidores recebem de volta algo que parecem ganhar, quando, na verdade, estão recuperando uma parte do que já foi gasto (e tributado) ScienceDirectACM Digital Library.

Além disso, a revolução digital intensificou esse mecanismo, tornando-o mais imediato, eficiente e atraente via apps e plataformas online FasterCapitalFintech News.

5. Conectando tudo: Livelo como evolução brasileira de uma tradição global

A Livelo encaixa-se nessa sequência histórica:

Etapa Contexto e Lógica
Rebates da Sears (1980) Competir com cartão de crédito e devolver parte dos gastos em forma de recompensas
Cashback digital (anos 2000–) Plataformas como Ebates/Rakuten e apps como Ibotta popularizam o cashback
Livelo (Brasil) Programa de fidelidade que, como cashback/disfarçado de detaxe, devolve pontos sobre valor tributável

6. A força da comunicação: fidelidade como embalagem, detaxe como essência

O uso da linguagem de "pontos pelo consumo" torna o conceito viral e acessível para o público em geral. Seria impensável a Livelo anunciar-se como programa de detaxe, pois os brasileiros conhecem pouco ou nada desse termo, tornando a comunicação excludente.

A forma — “programa de fidelidade” — atrai, enquanto o conteúdo — “pontuação proporcional à tributação” — permanece oculto. Essa estratégia é, ao mesmo tempo, inovadora e pedagógica, mas também silencia a lógica fiscal por trás das recompensas.

Referências bibliográficas e webgráficas

  • A história do Discover Card da Sears, que introduziu o cashback no mercado americano, fomentando a competição com os cartões de crédito tradicionais Reddit.

  • A origem dos programas de cashback digital com Ebates (Rakuten Rewards) e sua evolução como plataforma de recompensa ligada a afiliados WikipediaWildfire.

  • Expansão dos apps como Ibotta, que tornaram o cashback uma experiência móvel, prática e escalável Wikipedia.

  • Estudos acadêmicos mostrando os benefícios financeiros do cashback para varejistas e o papel destes programas na fidelização de clientes ScienceDirectACM Digital Library.

  • Análises sobre a evolução dos programas de fidelidade e cashback na era digital — sua adesão ao e-commerce e a influência nas expectativas dos consumidores FasterCapitalFintech News.

Livelo: o detaxe brasileiro disfarçado de programa de fidelidade

Os programas de fidelidade são apresentados como uma forma de recompensar o consumidor pelo relacionamento com determinada marca ou plataforma. Mas, olhando mais de perto, a lógica que sustenta a Livelo revela algo muito mais sofisticado: ela funciona, na prática, como um detaxe digital.

1. O que é o detaxe tradicional

O detaxe é um mecanismo existente em diversos países, permitindo que turistas estrangeiros recuperem parte dos impostos pagos em compras realizadas durante a viagem. Para isso, o consumidor precisa apresentar passaporte, preencher formulários e comprovar que está em trânsito internacional.

Trata-se de um sistema burocrático e restrito: pouquíssimos brasileiros já usaram esse recurso, e até mesmo pessoas que estudaram Direito ou trabalham com tributação muitas vezes nunca ouviram falar em detaxe.

2. Como a Livelo reinventa o detaxe

A Livelo, ao contrário, é simples: qualquer pessoa com CPF pode acumular pontos em compras feitas em lojas parceiras, como a Amazon. A diferença essencial está no que gera ou não gera pontos:

  • Produtos tributáveis, como eletrônicos ou roupas, geram pontos porque embutem ICMS e outros impostos no preço.

  • Produtos isentos, como livros, em regra não geram pontos, pois não há imposto a “reembolsar”.

Isso significa que os pontos da Livelo funcionam como uma restituição indireta de impostos pagos pelo consumidor, convertidos em vantagens futuras. Em outras palavras, um detaxe digital adaptado ao contexto brasileiro.

3. Por que se apresentar como programa de fidelidade

Aqui entra o ponto decisivo: se a Livelo se apresentasse diretamente como um programa de detaxe, seria vista como algo elitista, técnico e distante da realidade da maioria. O termo “detaxe” ainda é desconhecido no Brasil, e até quem estuda Direito Tributário pode passar anos sem ouvir falar nele.

Já o conceito de programa de fidelidade é simples, acessível e massificável. Todo mundo entende “juntar pontos” e “trocar por recompensas”. Assim, a Livelo traduz um mecanismo complexo em uma linguagem que faz sentido para o grande público.

O resultado é um paradoxo:

  • De um lado, a Livelo populariza o detaxe ao disfarçá-lo como fidelidade, permitindo que qualquer brasileiro com CPF participe, sem burocracia e sem precisar viajar.

  • De outro, ela mantém oculta a lógica tributária que está no coração do sistema, fazendo com que o consumidor não perceba que sua pontuação está ligada diretamente aos impostos embutidos nos produtos.

4. Implicações para o consumidor

Essa ambiguidade gera consequências práticas:

  • O consumidor acredita que toda compra gera pontos, mas se frustra quando compra livros (isentos de imposto) e nada recebe.

  • O programa poderia servir como uma forma de educação tributária, mostrando como os impostos impactam o consumo, mas a narrativa de “fidelidade” evita esse aprendizado.

  • Ainda assim, ao simplificar a ideia e apresentá-la de forma palatável, a Livelo alcança milhões de pessoas que nunca teriam acesso a um sistema de detaxe tradicional.

5. Conclusão

A Livelo é mais do que um programa de fidelidade: é um detaxe digital, massificado e adaptado à cultura brasileira. Seu mérito está em tornar acessível, via CPF e compras online, aquilo que em outros países é privilégio de turistas em trânsito.

Ao mesmo tempo, ao se apresentar apenas como fidelidade, perde-se a chance de revelar ao consumidor que, por trás dos pontos, está um mecanismo de restituição tributária.

No fim das contas, a Livelo é a prova de como a forma de comunicar pode ser tão importante quanto o conteúdo: um detaxe disfarçado que, sob a roupagem de programa de fidelidade, conseguiu se tornar parte da vida cotidiana de milhões de brasileiros.

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