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terça-feira, 9 de setembro de 2025

Estado, Governo e Confiança: a monarquia como ordem natural contra o aventureirismo republicano

O Estado, por definição, é o braço armado institucional de um povo. Seu papel não é meramente burocrático ou administrativo, mas a defesa da sociedade contra inimigos internos e externos. Por lidar com a força, sua legitimidade não pode repousar em cálculos frios, mas em um vínculo fundamental de confiança. É por isso que o Chefe de Estado deve ser concebido como um pater familias, alguém que trata seus súditos como membros de sua própria casa, e como pater patriae, guardião da pátria como um todo.

Essa autoridade paterna não nasce da vontade humana, mas de Deus. Cristo mesmo, em Ourique, constituiu D. Afonso Henriques como o primeiro Rei de Portugal, inaugurando uma tradição em que o trono se ligava à cruz. Por isso, odiar o Estado é impossível para quem reconhece essa origem: fazê-lo seria como odiar as próprias armas, que em si não são más, mas instrumentos. O mal não está no Estado nem nas armas, mas nos tiranos que abusam deles, amando mais a si mesmos do que a Deus, conservando apenas o que lhes convém, ainda que dissociado da verdade.

O problema do aventureirismo republicano

A experiência republicana no Brasil mostra que, entregando o Estado a presidentes transitórios, produz-se uma sucessão de aventureiros. A cada quatro anos, a nação entrega seu braço armado a alguém que, em muitos casos, não tem raízes, nem compromisso histórico, nem responsabilidade dinástica. Daí os ciclos de crises, golpes e instabilidade. O presidente personifica o Estado como se fosse propriedade pessoal ou de partido, transformando-o em instrumento de facção.

Na monarquia, ao contrário, a autoridade do rei é hereditária e contínua, o que assegura estabilidade e um compromisso que vai além da conveniência imediata. O rei não pode “abandonar o barco” sem manchar sua dinastia; sua responsabilidade é histórica, e não eleitoral.

Estado e governo: a separação necessária

Outro problema criado pela República foi a confusão entre Estado e governo.

  • O Estado, enquanto braço armado, é pessoal: requer confiança, lealdade, fidelidade. Sua função é proteger, não oprimir.

  • O governo, enquanto administração da coisa pública, deve ser impessoal, servindo ao bem comum de modo equânime.

A monarquia sempre compreendeu essa separação: o rei encarna o Estado como autoridade paterna, enquanto os ministros e administradores exercem o governo como servidores do bem comum. Assim, aquilo que deve ser pessoal (o vínculo de confiança) é pessoal; e aquilo que deve ser impessoal (a administração) é impessoal.

Na República, essa ordem se inverteu. O governo tornou-se pessoal e faccioso, usado para distribuir favores, criar privilégios e sustentar clientelismos. Já o Estado, que deveria ser confiável, converteu-se em máquina impessoal, distante e burocrática, incapaz de gerar fidelidade genuína. O resultado é a degeneração simultânea da autoridade e da justiça.

Conclusão

Não é o Estado o inimigo. O inimigo é a tirania que o corrompe, quando o governante coloca a si mesmo acima da ordem divina e da sociedade. A solução não está em enfraquecer o Estado — como querem os esquerdistas desarmamentistas — nem em destruí-lo, como pretendem os revolucionários. A solução está em reordená-lo a Cristo, que em Ourique nos mostrou que a verdadeira autoridade é serviço paterno e responsabilidade diante de Deus.

A monarquia, ao distinguir o Estado do governo e fundar sua legitimidade na confiança e na tradição, oferece um caminho mais natural e estável para que o braço armado da nação seja exercido em justiça.

Bibliografia

  • Santo Agostinho. A Cidade de Deus. Trad. Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2012.

  • São Tomás de Aquino. Suma Teológica, I-II, q.90-97 (tratado das leis). São Paulo: Loyola, 2001.

  • Leão XIII. Encíclica Diuturnum Illud (1881) – sobre a origem do poder civil.

  • Leão XIII. Encíclica Rerum Novarum (1891) – sobre o capital como fruto do trabalho acumulado.

  • Herculano, Alexandre. História de Portugal: Desde o Começo da Monarquia até ao Fim do Reinado de Afonso III. Lisboa: Bertrand, 1846-1853.

  • Mattoso, José. D. Afonso Henriques. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006.

  • Saraiva, António José. História Concisa de Portugal. Lisboa: Publicações Europa-América, 1978.

  • Schmitt, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

Carlos Lacerda e Enéas Carneiro: Primeiros-Ministros em Potência do Brasil

A história política brasileira é pródiga em figuras carismáticas e inteligentes, mas raramente estruturada para aproveitar plenamente seus talentos. Carlos Lacerda e Enéas Carneiro são exemplos paradigmáticos: dois líderes com visão estratégica, coragem política e rigor intelectual que jamais encontraram na República espaço adequado para realizar seu potencial.

O contexto republicano e suas limitações

O presidencialismo brasileiro, adotado após 1889, concentra poder no Executivo, mas impõe um constante jogo de negociação com o Legislativo. Tal estrutura privilegia o curto prazo, clientelismo e marketing eleitoral, deixando pouco espaço para a execução de políticas estratégicas ou para a valorização de líderes excepcionais. Lacerda e Enéas, com sua originalidade e disciplina intelectual, encontraram nessa realidade obstáculos que limitaram sua efetiva contribuição ao país.

Carlos Lacerda: mobilização e estratégia política

Lacerda, jornalista e governador da Guanabara, destacou-se por clareza de raciocínio, persuasão e capacidade de mobilizar a opinião pública. Sua visão estratégica poderia, num sistema disciplinado como o imperial ou parlamentarista, ter se traduzido em programas de modernização administrativa, desenvolvimento regional e fortalecimento institucional, aproveitando plenamente suas habilidades de liderança.

Enéas Carneiro: visão geopolítica e planejamento

Enéas Carneiro, médico e político, possuía pensamento claro, foco em defesa nacional e compreensão geopolítica rara. Sua comunicação direta, frequentemente caricaturada, refletia compromisso sério com a segurança e a autonomia do país. Num contexto de governo que valorizasse planejamento estratégico e execução de longo prazo, suas propostas poderiam ter sido implementadas com efetividade, beneficiando o Brasil com políticas coerentes e duradouras.

Paralelo internacional: líderes estratégicos

Comparando com líderes históricos do mundo, Lacerda e Enéas poderiam ser vistos como “primeiros-ministros em potência”:

  • Otto von Bismarck (Alemanha, século XIX): mestre em negociação política e planejamento estratégico, uniu a Alemanha com visão de Estado e execução rigorosa. Lacerda, com sua oratória e capacidade de mobilização, poderia ter desempenhado papel similar no fortalecimento institucional do Brasil.

  • Winston Churchill (Reino Unido, século XX): conhecido por sua clareza de propósito, coragem política e visão de longo prazo em tempos de crise. Enéas, com seu foco estratégico e disciplina intelectual, lembraria a figura de Churchill na condução de políticas de defesa e geopolítica.

  • Margaret Thatcher (Reino Unido, final do século XX): implementou reformas profundas com firmeza e visão econômica, mostrando que líderes determinados podem transformar um país mesmo frente à oposição política. Lacerda e Enéas, em sistemas que valorizassem execução de políticas, teriam capacidades semelhantes de impacto.

Conclusão: inteligência nacional subutilizada

A análise das trajetórias de Lacerda e Enéas revela não apenas indivíduos excepcionais, mas também as limitações estruturais da República brasileira. A política de curto prazo e o clientelismo impediram que talentos estratégicos e visão de Estado fossem plenamente aproveitados.

Se o Brasil tivesse oferecido a Lacerda e Enéas um contexto institucional mais disciplinado, inspirado em modelos imperialistas ou parlamentaristas, talvez o país tivesse experimentado décadas de liderança coerente, políticas de longo prazo e fortalecimento institucional.

O estudo dessas figuras é, portanto, mais do que um exercício histórico: é um alerta sobre a necessidade de valorizar inteligência estratégica e visão de Estado, elementos essenciais para que o Brasil alcance seu pleno potencial como nação.

Referências Bibliográficas

  • CARLOS LACERDA. Carlos Lacerda: A Vida de um Lutador. Nova Fronteira, 2000.

  • ENÉAS CARNEIRO. A História e as Ideias de Enéas Carneiro. Editora Nova Fronteira, 2007.

  • OTTO VON BISMARCK. Otto von Bismarck: A Biografia. Editora Record, 2000.

  • WINSTON CHURCHILL. Winston Churchill: A Biografia. Editora Companhia das Letras, 2002.

  • MARGARET THATCHER. Margaret Thatcher: A Biografia. Editora Record, 2005.

A CRCC como braço operacional da Nova Rota da Seda

Introdução

A China Railway Construction Co., Ltd. (CRCC) é uma das maiores empresas de engenharia do mundo e representa, ao lado de outras estatais chinesas, um pilar fundamental da estratégia global da China conhecida como Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI). Enquanto bancos e fundos chineses garantem o financiamento, a CRCC é chamada a executar a dimensão material da estratégia: construir ferrovias, rodovias, portos e metrôs que conectam continentes inteiros.

No Brasil, ainda que o país não tenha aderido oficialmente à iniciativa, a presença da CRCC indica o interesse chinês em transformar o território nacional em ponto estratégico da integração logística global.

1. Origens e consolidação da CRCC

A CRCC nasceu nos anos 1940 como braço de engenharia do Exército Popular de Libertação, responsável por erguer as primeiras linhas férreas estratégicas da República Popular da China.

Com o avanço das reformas econômicas de Deng Xiaoping, a empresa ganhou autonomia e, em 2008, tornou-se uma corporação de capital aberto, listada em Xangai e Hong Kong.

Hoje, atua em mais de 90 países e regiões, sendo reconhecida pelo ENR (Engineering News-Record) como uma das líderes mundiais em obras de infraestrutura pesada.

2. A Nova Rota da Seda: uma estratégia global

Lançada em 2013, a BRI é mais que um projeto econômico: é um redesenho geopolítico que busca reposicionar a China como centro das rotas comerciais globais.

O plano se desdobra em corredores econômicos e logísticos que atravessam Ásia, África, Europa e chegam também à América Latina.

  • O cérebro financeiro: instituições como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o China Development Bank.

  • O braço construtor: empresas como a CRCC, a CREC e a CCCC.

Neste arranjo, a CRCC é um dos instrumentos de concretização física da estratégia: onde a BRI se instala, sua presença é quase certa.

3. A CRCC como braço operacional da BRI

A atuação internacional da CRCC se alinha diretamente às prioridades da BRI:

  • Capilaridade: presença em projetos que vão de metrôs em Meca e Riad, a ferrovias em Angola, Etiópia e Nigéria.

  • Integração logística: participação em corredores econômicos que ligam a China ao Paquistão, à África Oriental e, potencialmente, à América Latina.

  • Soft power em concreto e aço: cada contrato é mais que uma obra; é um instrumento de influência chinesa sobre mercados e governos.

Em suma, a CRCC não apenas constrói infraestrutura, mas pavimenta a inserção global da China.

4. O Brasil no horizonte da CRCC

No Brasil, a CRCC tem atuado de forma estratégica:

  • Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL): interesse em concessões.

  • Ferrogrão (MT–PA): projeto essencial para escoamento da soja e do milho pelo Arco Norte.

  • Alta Velocidade (TAV Rio–SP–Campinas): envolvimento nas consultas técnicas do projeto, que acabou suspenso.

  • Parcerias em rodovias e portos: presença em leilões e estudos de viabilidade.

Ainda que o Brasil não seja membro formal da BRI, a atuação da CRCC mostra que a China enxerga o país como hub logístico no Atlântico Sul, crucial para conectar a produção agropecuária e mineral ao mercado chinês.

Conclusão

A CRCC é mais do que uma empreiteira chinesa: é um braço operacional da Nova Rota da Seda, responsável por transformar financiamentos em obras concretas, e planos geopolíticos em corredores logísticos.

No Brasil, sua presença indica que, mesmo sem adesão formal à BRI, o país já está sendo integrado à estratégia chinesa. Ferrovias, portos e rodovias tornam-se peças de um tabuleiro maior, onde a China busca consolidar seu papel como centro da economia mundial.

Assim, compreender a atuação da CRCC no Brasil é compreender como a infraestrutura local está sendo costurada ao projeto global chinês, num movimento que combina economia, geopolítica e poder.

Bibliografia

Referências internacionais

  • ALDEN, Chris; ALVES, Ana Cristina. China and Africa’s Development: Partnership or Rivalry? Zed Books, 2017.

  • CALLAHAN, William A. China Dreams: 20 Visions of the Future. Oxford University Press, 2013.

  • FALLON, Theresa. "The New Silk Road: Xi Jinping's Grand Strategy for Eurasia." American Foreign Policy Interests, v. 37, n. 3, 2015.

  • FERCHEN, Matt. "China, Latin America, and the Limits of Trans-Pacific Integration." Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy, 2018.

  • HSU, Sara. China’s One Belt One Road Initiative. Routledge, 2017.

  • LE CORRE, Philippe; SEPULCHRE, Alain. China’s Offensive in Europe. Brookings Institution Press, 2016.

  • LIU, Wei. The Belt and Road Initiative: A Chinese World Order. China International Press, 2019.

  • NAKANO, Jane. "China’s Belt and Road in Latin America: Infrastructure, Energy, and Influence." Center for Strategic and International Studies (CSIS), 2020.

  • ROLLAND, Nadège. China’s Eurasian Century? Political and Strategic Implications of the Belt and Road Initiative. National Bureau of Asian Research, 2017.

  • WANG, Yiwei. The Belt and Road Initiative: What Will China Offer the World in Its Rise. New World Press, 2016.

Referências em português

  • ALVES, Ana Cristina. A Parceria Estratégica Brasil-China: desafios e perspectivas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013.

  • CARDOSO, Danielly Ramos Becard. A política externa da China e a América Latina: o Brasil e o México na estratégia chinesa. Brasília: FUNAG, 2010.

  • CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China). Belt and Road Initiative e o Brasil: oportunidades e desafios. Relatório Especial, 2019.

  • COSTA, Samir; IGLESIAS, Roberto (orgs.). China e América Latina: a construção de uma nova relação. Rio de Janeiro: IPEA, 2019.

  • FGV Energia. Infraestrutura e investimentos chineses no Brasil: perspectivas para a próxima década. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2020.

  • IPEA. Presença chinesa na infraestrutura da América Latina e Caribe. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto para Discussão nº 2524, 2020.

  • LEÃO, Rodrigo P. O papel da China na infraestrutura latino-americana: impactos para o Brasil. Brasília: IPEA, 2021.

  • PECEQUILO, Cristina Soreanu. China e Brasil: cooperação Sul-Sul e os novos rumos da ordem internacional. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

  • SEVA, José Luís Fiori (org.). O poder global e a nova geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, 2007.

  • VEIGA, Pedro da Motta; RIOS, Sandra Polónia. O Brasil, a China e a América Latina: desafios de uma integração assimétrica. Rio de Janeiro: CINDES, 2015.

Playboy, Playmate e Paidéia: reflexões sobre infantilização e adultização

A sociedade contemporânea oferece múltiplos exemplos de indivíduos cuja relação com o mundo e com os outros reflete um estágio de desenvolvimento moral e intelectual profundamente distorcido. Entre essas figuras, destaca-se o playboy, que transforma a própria vida em um playground, reduzindo pessoas e experiências a meros objetos de diversão ou conveniência.

O playboy, ao contrário da criança inocente que explora o mundo com curiosidade, não busca descoberta ou aprendizado, mas preservação do prazer imediato. Tudo ao seu redor é adaptado para servi-lo, e a verdade ou os valores sólidos tornam-se secundários, irrelevantes. Quando ele envolve sua companheira como playmate, reduzindo-a à função de entretenimento sexual, evidencia-se uma forma extrema de infantilização: a pessoa é transformada em objeto de jogo, e a relação se torna uma mera repetição da lógica do playground infantil.

Essa dinâmica não deve ser confundida com a adultização verdadeira, conceito que remete à paidéia clássica. Na tradição grega, a paidéia envolve o desenvolvimento integral do indivíduo: moral, intelectual e cívico. Aristóteles (384–322 a.C.), em sua Ética a Nicômaco, argumenta que a virtude não é inata, mas formada por prática e hábito, integrando razão e ação. A paidéia permite ao indivíduo aprender a dominar impulsos, compreender o mundo e agir conforme princípios duradouros, estabelecendo bases sólidas para a vida social e pessoal. Diferentemente do playground do playboy, a paidéia não é pornográfica nem utilitária: ela forma cidadãos completos e indivíduos capazes de integrar suas experiências ao conhecimento e à virtude.

Do ponto de vista sociológico, Ortega y Gasset (1883–1955) observa que “o homem é ele mesmo em suas circunstâncias”. O playboy, imerso em uma cultura que valoriza aparência, consumo e prazer imediato, molda seu comportamento segundo conveniência e superficialidade. Já o indivíduo formado pela paidéia não se submete apenas ao imediato: ele interage com a tradição, com a cultura e com a verdade, estabelecendo uma postura responsável e madura diante da vida.

Autores modernos, como Neil Postman em A Desaparição da Infância, também alertam para o fenômeno da infantilização prolongada: uma sociedade que transforma adultos em crianças contínuas, privadas de responsabilidade e de compromisso com o conhecimento. A cultura do consumo e da objetificação, que celebra o playboy, corrobora essa infantilização, criando relações de exploração e superficialidade.

O contraste entre playboy e paidéia revela, portanto, uma diferença ética e epistemológica profunda. O playboy permanece na superficialidade, manipulando a realidade para conveniência própria; a paidéia exige disciplina, estudo e compromisso com a verdade. No primeiro caso, há exploração, infantilização e egocentrismo; no segundo, há formação, responsabilidade e integração com o mundo e com os outros.

Culturalmente, essa distinção reflete uma tensão persistente entre sociedades que valorizam a aparência e o prazer imediato e aquelas que preservam a tradição da educação moral e intelectual. Compreender essa diferença é essencial não apenas para crítica de costumes, mas para a análise de formas de desenvolvimento humano que conduzem à maturidade ou à estagnação infantil.

Ao valorizar a paidéia em detrimento do playground, é possível construir uma cultura que priorize verdade, virtude e formação integral do indivíduo, evitando a infantilização que corrói relações, valores sociais e a própria capacidade de engajamento humano profundo.

Bibliografia sugerida:

  1. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de E. S. de Oliveira.

  2. Ortega y Gasset, José. A Rebelião das Massas. Edições 2020.

  3. Postman, Neil. A Desaparição da Infância. São Paulo: Summus, 1982.

  4. Adorno, Theodor W.; Horkheimer, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

  5. Platão. A República. Tradução de Clóvis Marques.

Do blog como soulstone e a possibilidade do soulmate intelectual

No universo da criação intelectual, há uma distinção fundamental entre quem apenas acompanha nossas ideias e quem de fato participa da essência do nosso pensamento. Quando um escritor ou pensador organiza um banco de ideias — sejam elas artigos, anotações, reflexões soltas ou projetos futuros — ele não apenas registra pensamentos; ele constrói uma soulstone, uma pedra da alma filosófica que contém o núcleo vital de sua criatividade e intelectualidade.

O blog como soulstone

Um blog, nesse contexto, deixa de ser um mero diário digital ou espaço de expressão. Ele se transforma em uma estrutura de capital intelectual e econômico nos méritos de Cristo, onde cada postagem, cada nota, cada ideia é uma essência armazenada:

  • Permite revisitar, refinar e expandir ideias, transformando o conteúdo em artigos, livros e projetos complexos.

  • Funciona como a pedra da alma filosófica do escritor e como a alma de sua atividade organizada.

  • Sustenta santificação intelectual e econômica, pois o trabalho acumulado de estudo e criação é oferecido a Cristo, reconhecendo-O como o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

Quanto mais rico e organizado é esse banco de ideias, mais forte é a base econômica e intelectual do escritor, e mais plenamente ele cumpre sua vocação de serviço e santificação.

Soulstone e a noção de soulmate intelectual

Possuir uma soulstone permite uma conexão rara: a possibilidade de encontrar um soulmate intelectual. Diferente de um pen pal, que interage superficialmente, um soulmate:

  • Tem acesso à essência do pensamento, ao núcleo armazenado na soulstone.

  • Ressoa com as ideias e contribui para ampliá-las, criando um diálogo de profunda comunhão intelectual e espiritual.

  • Participa de um ciclo de criação e aprofundamento contínuo, onde passado, presente e futuro das ideias se entrelaçam em serviço a Cristo.

O pen pal permanece na superfície. O soulmate intelectual se imerge na alma do criador, tornando-se cúmplice da santificação intelectual e econômica nos méritos de Cristo.

Conclusão

Construir uma soulstone não é apenas um ato de registro - trata-se de um processo de santificação da mente e da obra nos méritos de Cristo, transformando o blog em núcleo de vida filosófica e econômica. Quem possui essa estrutura interna de ideias abre caminho para relações profundas e significativas, onde intelecto e alma se encontram a ponto de se tornarem soulmates intelectuais.

Em um mundo de comunicação superficial, a verdadeira riqueza reside na profundidade: na capacidade de criar, armazenar e compartilhar essência intelectual e espiritual, oferecendo todo o trabalho a Cristo, o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

O Valor, a Verdade e a Ordem: estudo da civilização em Cristo

Gustav von Schmoller afirmava que o valor das coisas não é absoluto, mas relativo às circunstâncias históricas e culturais de uma determinada época e lugar. Essa visão ressoa com a tese de José Ortega y Gasset, segundo a qual o homem é ele mesmo em suas circunstâncias: um ser indissociável de seu tempo, de seu ambiente e de sua cultura. Se aceitarmos que a civilização é uma obra humana, torna-se natural avaliar valores e instituições segundo o contexto em que surgiram.

No entanto, há um limite para essa análise histórica ou cultural. O homem não é apenas um ser social e racional; ele é também um animal que erra. Em épocas dominadas pela ideologia, esse mesmo homem se torna um animal que mente, conservando obstinadamente o que lhe é conveniente, ainda que dissociado da verdade. Essa distorção revela um ponto central: se a verdade é fundamento da liberdade, então compreender a civilização exige mais do que a descrição de fatos; exige a avaliação moral de seus protagonistas e das estruturas que eles criaram.

Dessa perspectiva, o estudo da civilização só se completa ao considerar o homem revestido de Cristo em suas circunstâncias. A experiência humana, permeada de virtude e erro, precisa ser confrontada com a verdade divina. Só assim podemos compreender a obra que a humanidade construiu, tomar posse dela e aceitá-la como um lar — um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo. É nesse gesto de reconhecimento que o subjetivo — o homem em suas circunstâncias, com desejos, virtudes e falhas — encontra-se com o objetivo — a verdade que fundamenta a liberdade e a ordem.

Quando essa articulação é alcançada, torna-se possível conceber uma ordem econômica verdadeira. Não uma ordem fundada apenas na utilidade, no interesse ou na conveniência, mas uma ordem que respeita os valores morais e espirituais inscritos na realidade humana e divina. Uma economia assim estruturada reconhece que os bens e riquezas não existem isoladamente, mas têm significado dentro do contexto histórico e moral, e só fazem sentido quando orientados pelo bem comum e pela verdade. 

Em última análise, estudar a civilização em suas circunstâncias e sob a luz de Cristo é reconhecer que toda obra humana carrega tanto potencial quanto limite. A compreensão dessa tensão — entre erro e verdade, interesse e moral, subjetivo e objetivo — é essencial para restaurar a liberdade, orientar o progresso e consolidar uma ordem social e econômica que não seja apenas funcional, mas justa e sustentável.

Bibliografia

  1. Schmoller, Gustav von. Grundriss der allgemeinen Volkswirtschaftslehre. Leipzig: Duncker & Humblot, 1900.

  2. Ortega y Gasset, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914.

  3. Ortega y Gasset, José. La rebelión de las masas. Madrid: Revista de Occidente, 1930.

  4. Mises, Ludwig von. Ação Humana: Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2016.

  5. Leão XIII. Rerum Novarum (1891). Encíclica sobre a questão social.

  6. Ferreira dos Santos, Mário. Filosofia da Crise. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1980.

  7. Maritain, Jacques. Les droits de l’homme et la loi naturelle. Paris: Desclée de Brouwer, 1942.

Crise Civilizacional, Conhecimento e Imaginação: um caminho filosófico

Resumo: 

Este artigo propõe uma reflexão sobre a crise civilizacional a partir da filosofia de Mário Ferreira dos Santos, articulando-a a uma teoria do conhecimento que valoriza a integração de saberes dispersos. Argumenta-se que a descrição jornalística dos fatos, a análise histórica das crises e a ficção histórica como instrumento de condução da imaginação coletiva constituem etapas complementares na compreensão e na superação da crise civilizacional. 

1. Introdução

A filosofia da crise, tal como desenvolvida por Mário Ferreira dos Santos, reconhece que a civilização contemporânea atravessa um momento de dispersão de valores e de fragmentação do conhecimento. Os fatos isolados, embora observáveis, apenas revelam sua significância quando analisados em perspectiva histórica e civilizacional. A crise não se reduz a eventos particulares: ela é estrutural, refletindo o declínio do sentido e da coesão social.

Neste contexto, propõe-se que o conhecimento não seja concebido apenas como acumulação de informações, mas como síntese de saberes dispersos, reunidos de forma a oferecer uma visão integrada do mundo. Essa síntese não é puramente intelectual: envolve também a imaginação, a experiência ética e a dimensão espiritual, especialmente quando se considera a missão de servir a Cristo como horizonte de unidade entre diferentes lugares e culturas.

2. Jornalismo e História como fontes de conhecimento

O jornalismo cumpre a função primária de registrar os fatos. Ele nos fornece a matéria-prima do conhecimento: o que aconteceu, quando e de que forma. Porém, a análise meramente factual é insuficiente para compreender a crise civilizacional. É aqui que entra a história: a disciplina histórica transforma dados em narrativa, reconhecendo padrões, causas e consequências. A história permite identificar as tensões e rupturas que caracterizam uma civilização em declínio, tornando os fatos significativos dentro de um processo de crise.

A partir dessa análise, a filosofia pode atuar, refletindo sobre o sentido das ações humanas, sobre os valores que foram perdidos e sobre os caminhos possíveis para a restauração civilizacional. O filósofo, nesse sentido, não parte do vazio: ele se fundamenta na realidade concreta, nos fatos observáveis e nos padrões históricos identificados.

3. Teoria do Conhecimento e Integração de Saberes

Uma teoria do conhecimento eficaz frente à crise civilizacional deve superar a fragmentação disciplinar. Jornalismo, história, filosofia e literatura não são domínios isolados, mas partes de um sistema integrável de saberes. A síntese desses conhecimentos permite reconstruir uma visão unificada da realidade e identificar soluções para problemas complexos.

Nesse processo, o esforço de servir a Cristo em terras distantes adquire dimensão epistemológica: ao reunir saberes e experiências de diferentes lugares, cria-se um “lar unificado” em termos espirituais e intelectuais. A integração de diferentes perspectivas históricas, culturais e espirituais enriquece a compreensão da crise e permite vislumbrar formas de superá-la, não apenas teoricamente, mas também concretamente, na transformação da sociedade.

4. Ficção Histórica como ferramenta de reconstrução civilizacional

A ficção histórica ocupa um papel singular neste esquema. Ao conduzir a imaginação do leitor, ela transforma a experiência factual em experiência vivida, aproximando o passado do presente e possibilitando uma reflexão crítica sobre valores e sentido civilizacional. Diferentemente da história acadêmica, a ficção histórica pode dramatizar escolhas éticas e culturais, mostrando o impacto concreto de decisões humanas em crises estruturais.

Esse recurso imaginativo não é mero entretenimento: é pedagógico e formativo, permitindo que a sociedade compreenda de maneira mais profunda os mecanismos da crise e os caminhos da reconstrução civilizacional. Em outras palavras, a ficção histórica atua como ponte entre conhecimento, experiência e ação social.

5. Conclusão

A crise civilizacional, conforme analisada por Mário Ferreira dos Santos, não se resolve com mera erudição ou tecnicismo. Ela exige um trabalho intelectual integrado, que combine jornalismo, história, filosofia e ficção histórica em um sistema coerente de saberes. A síntese desses saberes, aliada à dimensão espiritual de servir a Cristo em diversos contextos, possibilita reconstruir a unidade perdida, tanto da civilização quanto do conhecimento.

A superação da crise depende, portanto, de uma abordagem holística: registrar os fatos, compreendê-los historicamente, refletir filosoficamente sobre eles e mobilizar a imaginação por meio da literatura. Só assim é possível recuperar o sentido civilizacional perdido, articulando razão, imaginação e fé em um esforço que é simultaneamente intelectual, moral e espiritual.

Bibliografia sugerida:

  1. Mário Ferreira dos Santos. Sistema de Filosofia Concreta. São Paulo: Editora Philosophia, 1973.

  2. Mário Ferreira dos Santos. Crise da Civilização. São Paulo: Editora Philosophia, 1981.

  3. Popper, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Abril Cultural, 1976.

  4. Ricoeur, Paul. Tempo e Narrativa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985.

  5. Cassirer, Ernst. Filosofia das Formas Simbólicas. Rio de Janeiro: Contraponto, 1994.

  6. Carr, E.H. O Passado e o Presente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1961.