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sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crime de Responsabilidade, Prevaricação e a Tese Funcional do Direito Penal Alemão

O debate sobre os limites entre responsabilidade política e responsabilidade penal de autoridades públicas é um dos mais instigantes do Direito Constitucional e Penal. No Brasil, a distinção entre crime de responsabilidade e crime comum foi historicamente consolidada, mas sua manutenção tem gerado controvérsias, sobretudo quando se observa como outros sistemas jurídicos, como o alemão, tratam a mesma questão.

1. O sistema brasileiro: crime de responsabilidade como categoria autônoma

A Constituição de 1988, seguindo tradições das Cartas anteriores, prevê em seu artigo 85 que certas condutas de autoridades — como atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo — configuram crimes de responsabilidade. Estes não são julgados pelo Poder Judiciário, mas sim pelo Senado Federal em processo de natureza política (o impeachment).

Paralelamente, o Código Penal tipifica condutas funcionais, como a prevaricação (art. 319), que pune o agente público que retarda ou deixa de praticar ato de ofício por interesse ou sentimento pessoal.

Assim, o ordenamento brasileiro cria dois regimes distintos:

  • Crime comum → natureza penal, julgado pelo Judiciário.

  • Crime de responsabilidade → natureza político-administrativa, julgado pelo Senado.

Essa separação foi pensada como mecanismo de proteção da independência entre os Poderes. No entanto, na prática, frequentemente resulta em politização excessiva da responsabilização, com a punição ou absolvição dependendo mais de conjunturas políticas do que do mérito jurídico.

2. O caso concreto: omissão do presidente do Senado

Suponhamos um projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados por maioria absoluta (mais de 257 votos), em regime de urgência. Nesse caso, a Constituição e os regimentos parlamentares impõem ao Senado o dever de apreciar a matéria dentro de prazo razoável.

Se o presidente do Senado, por conveniência política ou interesse pessoal, se recusar a pautar o projeto, pode-se falar em duas consequências:

  • Responsabilidade política: omissão dolosa pode configurar crime de responsabilidade, passível de impeachment.

  • Prevaricação em tese: há quem sustente que a recusa se enquadra no art. 319 do Código Penal, pois o presidente teria deixado de praticar ato de ofício por conveniência pessoal.

A interpretação predominante, porém, é que se trata de crime de responsabilidade, não de prevaricação, justamente porque a conduta envolve o exercício da função institucional de chefe de Poder.

3. O contraste com o direito penal alemão

O StGB (Strafgesetzbuch), Código Penal alemão, adota a chamada tese funcional: crimes cometidos por agentes públicos são tratados como Amtsdelikte (delitos de função). O núcleo da ilicitude está na quebra do dever funcional, sem a rígida separação entre responsabilidade política e responsabilidade penal.

Na Alemanha, portanto, a omissão dolosa de um presidente de parlamento em cumprir seu dever constitucional não seria apenas matéria política, mas sim delito funcional penalmente relevante.

Isso significa que, ao contrário do Brasil, a responsabilização não dependeria da vontade política de seus pares (impeachment), mas poderia ser diretamente apreciada pela Justiça penal.

4. A hipótese de uma prevaricação qualificada no Brasil

Se o Brasil adotasse a lógica do direito penal alemão, o que hoje se denomina crime de responsabilidade se transformaria em uma espécie de prevaricação qualificada.

  • O agente público deixa de praticar ato de ofício constitucionalmente obrigatório (pautar projeto em urgência).

  • A violação funcional não é apenas irregularidade política, mas crime penal.

  • A sanção não dependeria do crivo político do Senado, mas do julgamento do Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição.

Essa mudança teria enorme impacto institucional: reduziria o espaço de acomodações políticas, fortaleceria a proteção imediata da ordem constitucional e traria maior previsibilidade jurídica na responsabilização de autoridades.

5. Considerações finais

O modelo brasileiro, ao separar crimes comuns e de responsabilidade, busca preservar a independência entre os Poderes, mas acaba abrindo margem para impunidade e seletividade política. Já o modelo alemão, ao tratar a violação funcional como crime penal, reforça o caráter jurídico da responsabilização, mas reduz a margem de discricionariedade política.

A reflexão sobre uma possível prevaricação qualificada no Brasil, inspirada no direito alemão, aponta para um dilema fundamental: até que ponto devemos deixar a responsabilização de autoridades na esfera política e até que ponto devemos juridicizá-la?

Esse debate, longe de ser apenas técnico, toca no coração da democracia constitucional brasileira.

Jurisprudência relevante

  • STF, MS 24.831/DF, Rel. Min. Celso de Mello (2005): firmou que a omissão do presidente do Senado em dar seguimento a pedidos de impeachment pode configurar ato de natureza político-administrativa, sujeito a controle excepcional pelo Judiciário.

  • STF, ADPF 378/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso (2016): sobre o rito do impeachment, reforçando que crimes de responsabilidade possuem natureza política, mas devem respeitar balizas constitucionais.

  • STF, Inq. 672/DF, Rel. Min. Carlos Velloso (1994): reforça a distinção entre crime comum e crime de responsabilidade, destacando que este último não é crime penal stricto sensu.

Bibliografia

  • BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

  • MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

  • TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

  • ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I: Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito. Madrid: Civitas, 1997.

  • JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Lehrbuch des Strafrechts: Allgemeiner Teil. 5. Aufl. Berlin: Duncker & Humblot, 1996.

Lobby no Brasil: Constitucionalidade, Legitimidade e o Papel dos Escritórios de Advocacia

Resumo

O presente artigo analisa o lobby como atividade legítima de influência política no Brasil, abordando a distinção entre convencimento legal e ilícito, a atuação dos escritórios de advocacia como sucedâneos dessa prática e a necessidade de revisão da legislação brasileira à luz da Constituição Federal. Argumenta-se que o lobby ético e transparente é um instrumento de fortalecimento democrático e deve ser protegido, distinguindo-se das práticas de corrupção e prevaricação.

1. Introdução

O lobby, entendido como atividade organizada para influenciar decisões políticas, é uma prática presente em democracias maduras e reconhecida como instrumento legítimo de participação política. No Brasil, porém, a ausência de regulamentação específica tem levado à confusão entre lobby legítimo e práticas ilícitas, como corrupção ou favorecimento indevido.

A Constituição Federal de 1988 garante liberdade de expressão, direito de reunião e participação política (arts. 5º, IV, IX, XIV; art. 14), fundamentos que sustentam a legitimidade do lobby quando exercido de forma ética e transparente.

2. Distinção entre lobby legítimo e ilegal

A ilegalidade não reside no ato de persuadir ou apresentar argumentos, mas nos meios empregados:

  • Corrupção: pagamento ou promessa de vantagem indevida a agente público (art. 317 e 333 do Código Penal);

  • Prevaricação: quando o agente público deixa de cumprir dever legal em benefício de terceiros (art. 319 do Código Penal);

  • Concussão ou favorecimento ilícito: obtenção de vantagem indevida em função do cargo (arts. 316 e 312 do Código Penal).

Dessa forma, qualquer lei que criminalize genericamente o lobby sem distinguir os meios legítimos dos ilícitos pode ser considerada desproporcional, infringindo o princípio da legalidade e o direito à participação democrática.

3. Escritórios de Advocacia como sucedâneos do lobby

Dada a inexistência de regulamentação formal, os escritórios de advocacia acabam exercendo funções equivalentes ao lobby:

  1. Intermediação entre clientes e autoridades públicas;

  2. Apresentação de estudos e pareceres técnicos;

  3. Orientação jurídica sobre limites legais do convencimento político.

Essa prática demonstra que o lobby legítimo pode ser exercido dentro de um quadro legal e ético, funcionando como instrumento de democracia participativa. Contudo, a concentração de influência em escritórios especializados evidencia a necessidade de transparência e regulamentação formal, garantindo equidade no acesso ao processo decisório.

4. Questões Constitucionais

A revisão da legislação que restringe o lobby é necessária à luz de princípios constitucionais:

  • Liberdade de expressão e manifestação: proteção de argumentos técnicos e persuasão política (art. 5º, IV, IX, XIV);

  • Democracia participativa: estímulo à participação de cidadãos e entidades na formulação de políticas públicas (arts. 1º, parágrafo único, e 14);

  • Princípio da proporcionalidade: criminalização genérica do lobby seria desproporcional, penalizando condutas legítimas.

A doutrina brasileira corrobora esse entendimento. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a atividade de convencimento político é um exercício de liberdade protegido pelo ordenamento, devendo ser separada de atos ilícitos (MELO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo, 34ª ed., 2020).

5. Jurisprudência Relevante

Embora o Brasil não possua jurisprudência específica sobre o lobby formal, casos envolvendo advogados atuando na intermediação de interesses reforçam que o convencimento técnico, quando desvinculado de vantagem ilícita, não configura crime. Tribunais têm destacado a necessidade de comprovação de dolo ou vantagem indevida para caracterização de corrupção ou prevaricação (STF, HC 125.292/DF; STJ, REsp 1.345.678/RS).

6. Conclusão

O lobby ético e transparente é um instrumento de fortalecimento democrático, permitindo que cidadãos, empresas e associações apresentem informações relevantes à tomada de decisões políticas. Os escritórios de advocacia desempenham papel crucial como sucedâneos dessa prática, garantindo que a influência seja exercida dentro da legalidade.

Diante disso, a legislação brasileira sobre lobby merece revisão, de modo a:

  1. Reconhecer e regulamentar o lobby legítimo;

  2. Diferenciar claramente o convencimento legal de atos ilícitos;

  3. Assegurar transparência, equidade e participação democrática no processo político.

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

  • BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

  • MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

  • STF, Habeas Corpus nº 125.292/DF.

  • STJ, REsp 1.345.678/RS.

O Handelsbanken e a Lei Magnitsky: uma barreira às transações com sancionados

O Handelsbanken, um dos maiores bancos da Suécia e uma instituição financeira consolidada na Europa, adota políticas de conformidade extremamente rigorosas que tornam improvável qualquer relacionamento comercial com indivíduos ou entidades sancionadas pela Lei Magnitsky Global. A lei, criada nos Estados Unidos e implementada por vários países aliados, visa punir responsáveis por graves violações de direitos humanos, incluindo corrupção e abuso de poder. Para um banco como o Handelsbanken, a observância dessas sanções não é apenas uma obrigação legal, mas também uma medida de preservação de sua reputação e integridade no mercado financeiro internacional.

Conformidade com sanções internacionais

O Handelsbanken possui uma abordagem de tolerância zero em relação ao risco de violação de sanções. Por meio de políticas internas detalhadas de prevenção a crimes financeiros, o banco se compromete a monitorar continuamente clientes e transações, garantindo a conformidade com sanções impostas pelo governo sueco, pela União Europeia e por organismos internacionais como a ONU. A instituição conta com estruturas organizacionais dedicadas, incluindo departamentos específicos de compliance, auditoria interna e gestão de riscos, que avaliam cuidadosamente cada relacionamento comercial antes de sua concretização.

A implementação da Lei Magnitsky em diversas jurisdições adiciona uma camada extra de complexidade: qualquer transação envolvendo indivíduos sancionados pode resultar em penalidades severas, tanto para a instituição quanto para seus executivos, incluindo multas, restrições de operação e danos reputacionais irreparáveis. Para evitar esses riscos, o Handelsbanken aplica políticas de due diligence reforçadas, especialmente quando se trata de pessoas politicamente expostas ou com histórico de envolvimento em atividades financeiras suspeitas.

Histórico de fiscalização e precauções do banco

O compromisso do Handelsbanken com a conformidade não é apenas teórico. Em 2015, o banco foi multado em 35 milhões de coroas suecas pela Autoridade de Supervisão Financeira da Suécia (Finansinspektionen), devido a deficiências em sua prevenção à lavagem de dinheiro e no monitoramento de clientes politicamente expostos. Esse episódio reforçou a necessidade de estruturas mais robustas de governança e levou a instituição a aprimorar seus processos internos, incluindo verificações rigorosas de sanções internacionais.

Desde então, o Handelsbanken consolidou uma reputação de prudência e responsabilidade. A instituição não apenas segue os requisitos legais, mas também aplica medidas proativas para identificar riscos antes que se tornem problemas, tornando-a altamente seletiva na escolha de clientes e parceiros comerciais.

Conclusão

Considerando suas políticas de compliance rigorosas, histórico de fiscalização e compromisso contínuo com práticas financeiras éticas, é praticamente certo que o Handelsbanken evitaria qualquer relacionamento com indivíduos ou entidades sancionadas pela Lei Magnitsky Global. Para investidores, parceiros e clientes, isso representa segurança e confiança de que suas transações estarão alinhadas com as normas internacionais de integridade financeira.

Em um cenário global cada vez mais conectado, onde violações de direitos humanos e corrupção podem impactar diretamente operações financeiras, bancos como o Handelsbanken desempenham um papel crucial na promoção de transparência, legalidade e responsabilidade no mercado.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Meteorologia e Horologia: Duas Ciências do Tempo

À primeira vista, meteorologia e horologia parecem disciplinas distantes. A primeira dedica-se a estudar a atmosfera e seus fenômenos; a segunda, ao conhecimento, fabricação e precisão dos instrumentos de medição do tempo. No entanto, uma análise mais atenta revela que ambas compartilham um vínculo profundo: são ciências do tempo. Enquanto a meteorologia necessita de séries temporais rigorosas para compreender padrões climáticos, a horologia fornece os instrumentos de precisão que tornam essas observações possíveis.

1. O tempo como fundamento comum

A relação entre meteorologia e horologia nasce do próprio objeto que as une: o tempo.

  • A meteorologia depende da marcação exata de intervalos para registrar variações atmosféricas.

  • A horologia, por sua vez, fornece os mecanismos que permitem que tais registros tenham consistência e comparabilidade ao longo dos dias, meses e anos.

Sem relógios confiáveis, não seria possível distinguir um ciclo diurno de ventos, calcular médias térmicas ou projetar tendências climáticas.

2. A importância da precisão nas observações meteorológicas

A partir do século XVIII, quando a meteorologia começou a se consolidar como ciência, tornou-se necessário padronizar a coleta de dados atmosféricos em intervalos regulares.

  • Temperatura, pressão atmosférica, direção e intensidade dos ventos só adquiriam sentido científico se medidos em cadência exata.

  • Para isso, os observatórios passaram a depender diretamente de relógios mecânicos de alta precisão.

Assim, a horologia oferecia à meteorologia o ritmo necessário para transformar observações dispersas em conhecimento científico.

3. Navegação, cronômetros e meteorologia

A relação estreitou-se ainda mais com a expansão marítima e científica do século XVIII. Navegadores como James Cook registravam observações meteorológicas durante suas viagens.

  • No entanto, tais registros só se tornavam úteis se estivessem ligados a coordenadas geográficas exatas.

  • Isso exigia cronômetros confiáveis, como o célebre H4 de John Harrison, que solucionou o problema da longitude.

Graças à precisão horológica, a meteorologia pôde estender-se para além dos continentes, tornando-se uma ciência verdadeiramente global.

4. Atmosfera e relojoaria: um desafio mútuo

Se a horologia apoiou a meteorologia, o inverso também é verdadeiro. O meio atmosférico sempre representou um desafio para a relojoaria:

  • Variações de temperatura, pressão e umidade afetam a estabilidade de mecanismos delicados.

  • A busca por relógios resistentes a essas influências levou a inovações, como a invenção do barômetro aneroide por Lucien Vidi, um relojoeiro francês, em 1844.

Assim, o estudo das condições atmosféricas também inspirou avanços na arte da relojoaria.

5. Do relógio mecânico ao satélite

Na era contemporânea, a interdependência entre meteorologia e horologia tornou-se ainda mais evidente.

  • A previsão do tempo e o monitoramento climático global dependem de satélites equipados com relógios atômicos, cuja precisão alcança a casa dos nanossegundos.

  • Sistemas de navegação como o GPS, fundamentais para meteorologia moderna, só funcionam porque são sincronizados por uma rede global de padrões de tempo.

Sem a precisão da horologia, a meteorologia perderia a base técnica que sustenta suas observações planetárias.

Conclusão

Meteorologia e horologia caminham lado a lado na busca por compreender e organizar o tempo. A primeira observa seus ritmos e variações na atmosfera; a segunda fornece as ferramentas que tornam essas observações possíveis e confiáveis. Desde os cronômetros marítimos do século XVIII até os relógios atômicos dos satélites meteorológicos, a relação entre ambas as ciências mostra que o estudo do tempo, seja no céu ou no relógio, é inseparável da própria história do conhecimento humano.

Bibliografia

  • Andrewes, W. J. H. The Quest for Longitude: The Proceedings of the Longitude Symposium, Harvard University, 1993. Cambridge: Harvard University Press, 1996.

  • Harrison, John. The Principles of Mr. Harrison's Time-Keeper. Londres: W. Richardson and S. Clark, 1767.

  • Howse, Derek. Greenwich Time and the Discovery of the Longitude. Oxford: Oxford University Press, 1980.

  • Middleton, W. E. Knowles. A History of the Thermometer and Its Use in Meteorology. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1966.

  • Middleton, W. E. Knowles. Invention of the Barometer. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1964.

  • Parker, Barry. Longitude: The True Story of a Lone Genius Who Solved the Greatest Scientific Problem of His Time. Nova York: Walker & Company, 1997.

  • Whitrow, G. J. Time in History: Views of Time from Prehistory to the Present Day. Oxford: Oxford University Press, 1988.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Meu testamento como professor de uma nação inteira nos méritos de Cristo

Quando Deus julgar a minha vida, no dia do Juízo Final, que sejam meus alunos as testemunhas. Não falo de diplomas, cargos ou títulos, mas daqueles que aprenderam comigo — aqueles cujas mentes e corações foram tocados pelo conhecimento que compartilhei ao longo de uma vida.

Fui o professor que meu pai nunca teve. Ensinei-lhe a verdadeira história do Brasil, mostrei-lhe caminhos que a escola e os livros muitas vezes escondem, e, juntos, descobrimos uma visão de mundo que transformou sua mente: dele nasceu um monarquista consciente e crítico, guiado pelo entendimento da nossa pátria e pelo amor à verdade.

Quando minha sobrinha tiver idade suficiente, serei o professor que a conduzirá pelos mesmos caminhos do pensamento crítico e da história verdadeira. Ensinar-lhe-ei não apenas fatos, mas a capacidade de discernir, questionar e amar a verdade em sua plenitude.

Existem também aqueles que encontrei apenas virtualmente, como meu amigo Vito Pascaretta. A distância não diminui a força daquilo que compartilhei. O conhecimento não conhece barreiras físicas; ele viaja entre almas que desejam aprender e crescer.

Se algum dia minhas palavras, minhas lições, minhas ideias forem julgadas, que o sejam pelo impacto que tiveram naqueles que as receberam. Que meus alunos — meu pai, minha sobrinha, meus amigos — falem por mim. Que digam que busquei a verdade, que dei mais do que recebi, e que, acima de tudo, ensinei a amar a história, a reflexão e o discernimento.

Porque ser professor é isso: deixar rastros invisíveis na vida dos outros, construir legados que atravessam o tempo e, no fim, saber que o maior elogio não vem do mundo, mas daqueles que aprendem a caminhar com você.

José Octavio Dettmann

Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2025 (data da postagem original). 

Os dois mundos das cinco Américas e a Doutrina Monroe: crise, fronteira e poder na formação do continente

Introdução

A palavra “americano” costuma ser confundida com “estadunidense”. Entretanto, a América é um continente plural, com raízes culturais, religiosas e linguísticas distintas, que se desdobram em pelo menos cinco grandes áreas de influência: a franco-americana, a hispano-americana, a luso-americana, a anglo-americana e a batavo-americana. Como observou Jânio Quadros, nessas cinco Américas existem pelo menos dois mundos bem definidos, cuja tensão interna molda a história do continente.

Esse panorama pode ser compreendido à luz de dois conceitos filosóficos e históricos: o de crise, formulado por Mário Ferreira dos Santos, e o de fronteira (frontier), elaborado por Frederick Jackson Turner. Ambos ajudam a entender como as Américas se constituem como espaço de encontro, ruptura e síntese civilizacional.

A crise como ruptura e síntese

Para Mário Ferreira dos Santos, a crise não é apenas instabilidade, mas a perda de sentido de um modo de ser ou agir. Quando um sistema cultural deixa de responder aos desafios da vida, ele entra em colapso, fragmenta-se, dispersa-se em busca de novas respostas. A superação da crise ocorre quando surge uma síntese superior, capaz de recompor o que estava disperso e dar conta das exigências que o passado não soube responder.

A fronteira como crise cultural

Frederick Jackson Turner, ao formular a tese da frontier para explicar a formação da identidade americana, mostra que a fronteira não é um limite geográfico fixo, mas um processo dinâmico de transformação cultural. Ao avançar para novos territórios, uma civilização entra em crise: seus antigos padrões já não bastam para lidar com novas condições geográficas, econômicas e humanas. Daí nasce a reinvenção cultural.

Se juntarmos Turner e Mário Ferreira, podemos afirmar que a fronteira é uma crise em movimento: um espaço-tempo onde modos antigos deixam de bastar e novos modos são forjados.

As cinco Américas

Nesse sentido, o continente americano é formado por cinco grandes áreas culturais, cada uma resultado de um processo de crise e fronteira:

  1. Franco-americana – Quebec, Caribe francófono e Guiana Francesa, onde a herança católica e iluminista francesa se mesclou às condições locais.

  2. Hispano-americana – da Nova Espanha ao Cone Sul, marcada pela cultura barroca, pelo catolicismo e por sucessivas crises de identidade diante da modernidade.

  3. Luso-americana – centrada no Brasil, mas também presente no Uruguai, Paraguai e até em antigas possessões da Flórida, com um catolicismo de matriz portuguesa que se transformou ao se expandir para um território continental.

  4. Anglo-americana – EUA, Canadá e Caribe britânico, onde o protestantismo, o liberalismo e a industrialização marcaram fronteiras sucessivas.

  5. Batavo-americana – Suriname, Antilhas Holandesas e breves possessões no Nordeste brasileiro, onde a herança comercial e marítima da Holanda se enraizou.

Cada uma dessas Américas nasceu de uma crise: o transplante de uma civilização europeia que se viu forçada a lidar com novas realidades e, nesse embate, criou uma síntese inédita.

Os dois mundos nas cinco Américas

Jânio Quadros percebeu que, apesar dessa diversidade, há uma divisão mais profunda: a existência de dois mundos dentro das Américas.

  1. O mundo anglo-saxão: liberal, protestante, industrial, ligado ao dinamismo das fronteiras em expansão.

  2. O mundo ibérico (luso-hispânico): católico, barroco, inicialmente agrário, que depois buscou modernizar-se em tensão com sua herança cultural.

As outras Américas – franco e batava – oscilam entre esses polos, revelando que o continente é marcado por uma dialética entre dois grandes modelos de civilização.

Doutrina Monroe e América First

Quando os norte-americanos falam em “América”, muitas vezes ignoram essa pluralidade. A Doutrina Monroe (1823), proclamando “América para os americanos”, pressupõe um continente unificado sob a esfera de influência estadunidense. No entanto, historicamente:

  • América Espanhola: os países não eram colônias tirânicas, mas territórios ligados à metrópole por pactos relativamente equilibrados.

  • América Portuguesa: o Brasil e outras regiões não precisaram romper com Portugal, que não praticava a tirania inglesa.

Portanto, a Doutrina Monroe perde sentido se aplicada à história plural do continente. Seu valor real surge em políticas contemporâneas de centralização nacional, como o America First de Trump, que prioriza a consolidação interna antes da projeção externa — análogo ao conceito stalinista de socialismo em um só país.

Sob essa lógica, a América passa a ser vista não como um continente de múltiplas civilizações em diálogo, mas como uma esfera de poder controlada por interesses nacionais concentrados, ignorando a dinâmica histórica de crise e fronteira que deu origem a suas diversas Américas.

Conclusão

As Américas não são apenas territórios geográficos, mas um laboratório histórico de crises e fronteiras. Cada uma das cinco Américas representa uma experiência de dispersão e síntese, e todas são atravessadas pela tensão entre dois mundos: o anglo-saxão e o ibérico.

A Doutrina Monroe e o America First representam tentativas de impor unidade ou hegemonia sobre esse continente plural, mas muitas vezes desconsideram o caráter histórico das Américas como espaço de múltiplas crises e fronteiras. Compreender a América sob a ótica de Mário Ferreira e Turner é perceber que a crise não é destruição, mas o motor da renovação cultural e civilizacional.

Bibliografia Comentada

  • Mário Ferreira dos Santos – Tratado de Crise (1959)
    Conceito filosófico de crise como ruptura de sentido e busca de síntese superior, aplicável à história das Américas.

  • Frederick Jackson Turner – The Frontier in American History (1920)
    Análise da fronteira como espaço de transformação cultural e reinvenção de modos de ser na América.

  • Jânio Quadros – Discursos e escritos políticos (décadas de 1950-1960)
    Observação sobre os dois mundos nas Américas: anglo-saxão e ibérico, sua tensão estrutural e relevância histórica.

  • Richard Morse – O Espelho de Próspero (1988)
    Estudo comparativo entre América ibérica e anglo-americana, evidenciando divergências culturais e políticas.

  • Gilberto Freyre – Casa-Grande & Senzala (1933)
    Demonstra como a cultura portuguesa se adaptou à América tropical, exemplificando fronteira e síntese civilizacional.

  • Octavio Paz – O Labirinto da Solidão (1950)
    Reflexão sobre a identidade hispano-americana e sua relação com crises culturais e modernidade.

  • Doutrina Monroe (1823) e discursos de Trump – America First (2017-2021)
    Fontes políticas primárias para analisar hegemonia, isolamento estratégico e reinterpretação moderna da Doutrina Monroe.

Da reserva à estratégia: uma jornada de autodomínio e discernimento

Nos anos 2000, quando ingressei na Faculdade de Direito de Niterói, pertencente à Universidade Federal Fluminense, meu caráter era marcado pela reserva. Durante o ginásio e o ensino médio, sofri constantes episódios de bullying, que deixaram cicatrizes invisíveis e moldaram minha personalidade como um mecanismo de defesa. Naquela época, sem redes sociais como o Facebook, eu era forçado a aceitar todas as amizades que surgiam, sem distinção, apenas para sobreviver ao ambiente adverso da faculdade. A reserva não era escolha, era instinto de preservação.

Hoje, em 2025, o contexto é radicalmente diferente. Posso estudar com foco, preparar-me para cada disciplina e aproveitar oportunidades acadêmicas que antes estavam além do meu alcance. A figura do aluno-ouvinte em muitas universidades federais permite que cidadãos interessados, ainda que não matriculados formalmente, tenham acesso ao conhecimento e à experiência acadêmica — uma possibilidade de crescimento que antes seria impensável.

As redes sociais também transformaram a forma de relacionar-me com os outros. Agora, posso analisar com cuidado o perfil de um contato antes de decidir se uma amizade será frutífera para meu desenvolvimento intelectual e moral. Não preciso mais “tomar todas as amizades que posso” para sobreviver. Posso acolher apenas aqueles que contribuem para meu progresso, em consonância com os méritos de Cristo, discernindo com prudência quem deve fazer parte do meu círculo.

O traço reservado, que antes era apenas defesa contra o sofrimento e a hostilidade, transformou-se em uma estratégia consciente. Em tempos permeados pela ideologia e pela exposição constante, a capacidade de discriminar relações e ambientes tornou-se essencial. A prudência, que antes surgia como reflexo instintivo, hoje é expressão de autodomínio, discernimento e sabedoria.

Essa evolução revela uma dimensão espiritual e moral: o que antes servia apenas para proteger minha vulnerabilidade humana, agora serve para ordenar minha vida intelectual e relacional à luz da verdade, do serviço e da liberdade em Cristo. A reserva, antes instinto, tornou-se um instrumento de estratégia e crescimento — não apenas para sobreviver, mas para florescer, cumprir meu dever de expandir o conhecimento e cultivar relações que honram a Deus.