A recente discussão sobre a mudança da capital da Argentina levanta questões fundamentais sobre a centralização do poder e o desenvolvimento regional. Buenos Aires, epicentro político e econômico do país, abriga uma parcela significativa da população e dos recursos nacionaise, o que gera desafios estruturais semelhantes aos enfrentados pelo Brasil antes da construção de Brasília. Este artigo analisa a proposta argentina sob uma perspectiva histórica e geopolítica, comparando-a com a experiência brasileira de transferência da capital.
Histórico da Centralização em Buenos Aires
Buenos Aires consolidou-se como capital do Vice-Reinado do Rio da Prata em 1776, durante as reformas borbônicas da Espanha, e, após a independência, tornou-se o centro político da nova nação. Contudo, desde o século XIX, a capital argentina concentrou riquezas e poder político de maneira desproporcional, gerando um federalismo frágil, onde as províncias dependem do governo central para a distribuição de recursos. Essa estrutura impõe desafios ao desenvolvimento equilibrado do país, o que tem levado setores da sociedade a defenderem a descentralização política e administrativa por meio da mudança da capital.
Comparando com a Experiência Brasileira: A Transferência para Brasília
O Brasil enfrentou uma situação semelhante até a década de 1960, quando a capital foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília. A decisão, tomada por Juscelino Kubitschek, visava interiorizar o desenvolvimento e reduzir a dependência das regiões mais ricas. Entretanto, ao contrário do que se esperava, a mudança não descentralizou efetivamente o poder, mas reforçou o centralismo ao distanciar a administração federal das realidades locais. O governo tornou-se ainda mais autônomo e burocratizado, e Brasília consolidou-se como um enclave político isolado da população.
As Alternativas para a Argentina
A Argentina avalia três possibilidades principais para a nova capital:
Viedma, na Patagônia, proposta defendida por Raúl Alfonsín na década de 1980, que buscava fortalecer a soberania e promover o desenvolvimento do sul;
Santiago del Estero, a "mãe das cidades" argentinas, que representaria um reequilíbrio histórico em favor do norte do país;
Río Cuarto, localizada no coração produtivo da Argentina, considerada estratégica por estar no centro geográfico e econômico do país.
Um modelo alternativo inspirado na África do Sul também tem sido sugerido, onde os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário seriam divididos entre diferentes cidades, reduzindo a concentração do poder em um único centro.
Desafios e Oportunidades
A principal questão é garantir que a transferência da capital não repita o erro de Brasília. Para isso, seria necessário um compromisso real com a descentralização, fortalecendo as províncias e criando condições para que cada região prospere independentemente do governo central. O fortalecimento do federalismo passa não apenas pela mudança da capital, mas também pela reestruturação dos mecanismos de distribuição de recursos e pela autonomia das províncias.
Conclusão
A proposta de mudar a capital argentina é um passo significativo para reequilibrar o desenvolvimento do país, mas deve ser acompanhada por reformas estruturais para evitar a repetição dos erros brasileiros. A Argentina tem a oportunidade de criar um modelo de descentralização que não apenas redistribua a sede do governo, mas que também fortaleça as regiões do país, garantindo um federalismo mais efetivo e um desenvolvimento mais equitativo.
Bibliografia
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