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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Da vaquinha como rifa simbólica e como título de crédito: entre a tradição templária, a caridade comunitária e a economia natural

Resumo

O presente artigo examina a possibilidade conceitual e histórica de restaurar a antiga prática comunitária da rifa caritativa — originalmente marcada por símbolos animais nas paróquias — e elevar essa prática à condição de um sistema de títulos de crédito comunitários inspirados no modelo bancário templário. O objetivo é demonstrar como um mecanismo simples, popular e tradicional pode se tornar um instrumento sofisticado de apoio comunitário, lastreado em bens reprodutíveis e dotado de estabilidade moral. O artigo também analisa como a República brasileira, ao desvincular símbolos populares de seus referentes originais, destruiu a semiótica que permitiria a evolução natural dessas práticas para estruturas financeiras morais semelhantes às redes templárias.

1. Introdução

As finanças medievais se desenvolveram numa estreita relação entre religião, sacralidade e confiança. A experiência dos Templários — normalmente estudada sob o prisma militar e político — tem importância igualmente profunda na história dos mecanismos de crédito. O título que o peregrino recebia ao depositar seus bens numa fortaleza templária não era apenas um recibo: era a expressão de uma rede de confiança moral e institucional.

Este artigo propõe que a estrutura simbólica e comunitária das antigas rifas e vaquinhas paroquiais, onde animais chegavam a figurar nos bilhetes, pode ser restaurada e evoluída para um sistema análogo: títulos de crédito lastreados em bens naturais, transformando a rifa em forma de caridade com estabilidade moral e, ao mesmo tempo, inovando numa microeconomia de reservas fracionárias purificadas de especulação.

2. Os templários e o surgimento do crédito moral-institucional

2.1. A letra de câmbio templária

O sistema templário funcionava com simplicidade genial:

  1. O peregrino depositava dinheiro numa fortaleza templária europeia.

  2. Recebia um título codificado com valor, identificação e autenticações.

  3. Chegando ao Reino Latino de Jerusalém, apresentava o título.

  4. Recebia o valor correspondente, deduzidos custos de custódia.

Esta operação, que à primeira vista pareceria rudimentar, já contém:

  • padronização de documentos,

  • rede internacional de confiança,

  • transformações de depósitos em operações produtivas,

  • e a semente da reserva fracionária (pois poucos depositantes resgatavam simultaneamente).

A chave do sistema não era mecânica ou legal. Era moral: a Ordem do Templo era vista como incorruptível, sanitizada pela regra monástica e pela fama de santidade.

3. A rifa paroquial tradicional: símbolo, caridade e economia natural

3.1. A rifa com símbolo animal

Nas comunidades cristãs, sobretudo ibéricas e brasileiras, a rifa foi tradicionalmente utilizada por paróquias para financiar:

  • festas de padroeiro,

  • ações caritativas,

  • reparos da igreja,

  • obras de manutenção e piedade.

Os bilhetes das rifas frequentemente traziam símbolos animais. Não era folclore gratuito:

  • No imaginário rural, cada animal tinha valor econômico real.

  • As pessoas entendiam aquele símbolo como lastro (um peru, um cabrito, um leitão, etc.).

  • A rifa conectava símbolo e realidade econômica.

Era um microcosmo da economia natural cristã: bens reproduzíveis, valor palpável, circulação moralizada, finalidade caritativa.

3.2. O rompimento republicano e a desfiguração simbólica

Com a chegada da República, duas destruições ocorreram:

  1. Laicização forçada dos símbolos comunitários.
    A associação animal–prêmio–caridade foi desarticulada.

  2. Apropriação bestiária pelo jogo do bicho.
    O jogo do bicho tomou para si o imaginário animal popular, transformando-o em contravenção.

Resultado: o símbolo animal passou a significar ilegalidade. E a rifa passou a ser neutra, semiclandestina, sem referência ao seu lastro histórico. O que poderia ter evoluído para uma forma comunitária de crédito moral evoluiu, ao contrário, para dispersão cultural.

4. A proposta: restaurar a rifa simbólica e elevá-la à condição de título de crédito comunitário

4.1. A estrutura do novo modelo

A ideia pode ser descrita assim:

  1. Um bem reproduzível (por exemplo, um filhote de cachorro de um criador da comunidade) é oferecido como prêmio.

  2. Cada bilhete é emitido com:

    • número,

    • símbolo do animal,

    • identificação de lastro.

  3. Esses bilhetes funcionam como títulos de crédito simbólico, pois representam uma promessa real vinculada a um bem natural.

  4. A venda dos bilhetes financia obras caritativas, como nas antigas rifas paroquiais.

4.2. Por que isso se parece com reserva fracionária moral?

Assim como nos templários:

  • Só um bilhete resgatará o prêmio real.

  • Todos os demais representam crédito moral para fins caritativos.

  • O prêmio não precisa existir em múltiplos exemplares: o sistema funciona com lastro singular.

  • A comunidade confia na promessa de resgate, não porque seja estatal, mas porque é moralmente garantida.

Isso cria uma forma de microeconomia de crédito sem especulação. E, sobretudo, purificada pela finalidade caritativa.

4.3. A inovação histórica

Esse sistema nunca foi implementado historicamente por três razões:

  1. A destruição simbólica causada pela República.

  2. A ruptura da cultura de bens reproduzíveis devido à urbanização e estatalismo.

  3. A demonização jurídica e moral das práticas de rifa comunitária.

Por isso, o que se propõe é genuinamente novo e perfeitamente enraizado na tradição moral cristã.

5. O simbolismo animal restaurado: entre teologia e economia

Há aqui um ponto de alta relevância: o animal como símbolo cristão está sempre ligado à abundância, fecundidade e sacralidade.

O filhote de um cão não é apenas um bem: é símbolo de:

  • continuidade,

  • confiança,

  • vínculo,

  • responsabilidade.

Os templários lastreavam seu crédito em reputação e moralidade - e a rifa lastreada em bem vivo, por sua vez, lastreia-se em generosidade comunitária e fecundidade natural. Em ambos os casos, o dinheiro é purificado pela caridade.

6. Conclusão

A restauração da rifa simbólica — com símbolos animais, lastro real e finalidade caritativa — permite reintroduzir na vida social uma forma simples, elegante e profundamente moral de crédito comunitário. Inspirada no modelo templário, ela recupera:

  • a confiança,

  • o símbolo,

  • o lastro natural,

  • a finalidade assistencial,

  • e a economia reprodutível.

É não apenas viável, mas profundamente coerente com a tradição cristã e com a lógica moral que fundamenta toda verdadeira economia.

Bibliografia Comentada

Barber, Malcolm. The New Knighthood: A History of the Order of the Temple. Cambridge University Press, 1994.

Obra clássica sobre a estrutura templária. Barber explica a rede financeira internacional da Ordem e como ela se tornou confiável a ponto de operar depósitos e títulos de câmbio. Essencial para entender a lógica moral do crédito medieval.

Burke, Peter. Popular Culture in Early Modern Europe. Ashgate, 1978.

Burke aborda como símbolos populares (como animais) se transformam na cultura europeia e como instituições religiosas se apropriam deles. Útil para compreender a semiologia original das rifas paroquiais.

Le Goff, Jacques. Your Money or Your Life: Economy and Religion in the Middle Ages. New York: Zone Books, 1988.

Le Goff descreve a relação íntima entre economia e moralidade cristã. A leitura ilumina a diferença entre crédito especulativo e crédito moral, tema central deste artigo.

Hobsbawm, Eric; Ranger, Terence (eds.). The Invention of Tradition. Cambridge University Press, 1983.

Embora secular, a obra ajuda a entender como tradições simbólicas podem ser destruídas ou reconstruídas conforme contextos políticos — como ocorreu no Brasil republicano com a semiótica das rifas.

Eliade, Mircea. The Sacred and the Profane. Harcourt, 1957.

Eliade explica como símbolos naturais (como animais) são portadores de sacralidade. Fundamenta a restauração do simbolismo animal na prática comunitária.

Rodrigues, José Honório. Brasil e a República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

Obra essencial para entender como a República brasileira dissolveu símbolos tradicionais e implantou uma cultura estatal que interrompeu a continuidade das práticas comunitárias.

Lima, Roberto Kant de. A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro: Seus Dilemas e Paradoxos. Forense, 1995.

Importante para compreender como a repressão estatal remodelou a percepção moral dos símbolos animais ao associá-los ao jogo do bicho.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A joaninha, a vaquinha e a degradação da caridade popular no Brasil durante a República

Entre os povos eslavos existe um simbolismo particular que envolve um dos menores e mais delicados animais conhecidos: a joaninha. Em ucraniano, ela se chama “vaca de Deus” (Божа корівка), expressão que parece saída de um conto pastoral, mas que guarda uma densidade espiritual profunda. Este diminuto inseto, pousando nas mãos das crianças, é visto como mensageiro da Providência, portador de boa fortuna e lembrança viva de que o Criador se ocupa até das criaturas mais modestas.

Se fôssemos transportar esse imaginário para a cultura brasileira, poderíamos dizer que a joaninha seria o prêmio máximo de uma vaquinha — aquela prática comunitária de juntar pequenas contribuições para cooperar no bem de alguém. A “vaquinha eslava”, portanto, teria como ápice simbólico não uma recompensa material, mas a bênção da própria vaca de Deus: um selo de que o gesto coletivo nasceu sob o olhar do Altíssimo.

Essa aproximação simbólica, porém, abre caminho para uma reflexão mais profunda sobre a história da vaquinha no Brasil — e sobre como um gesto originalmente caridoso, comunitário e quase religioso foi degringolado pela lógica republicana que desconfia da iniciativa social e criminaliza aquilo que nasce da colaboração popular.

Da caridade imperial à contravenção republicana

Poucos brasileiros sabem que o jogo do bicho, tão associado ao submundo da contravenção, nasceu como uma forma de vaquinha — uma rifa criada para salvar o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, fundado e dirigido pelo barão João Batista Viana Drummond.

Com a queda da monarquia em 1889, o apoio estatal ao zoológico desapareceu. O barão, então despido da proteção e do prestígio imperial, viu-se diante do risco de fechar as portas. A solução encontrada foi engenhosa e ao mesmo tempo profundamente popular: vender bilhetes de entrada que vinham associados a um animal. No fim do dia, um desses animais era revelado como o “sorteado”, e quem tivesse o bilhete correspondente recebia um prêmio.

Era uma rifa. Era uma vaquinha. Era um ato comunitário de preservação cultural.

Nasceu daí o hábito de associar números a animais — e, com o tempo, o jogo do bicho se autonomizou da rifa original. Mas seu espírito inicial foi inequívoco: uma iniciativa caridosa para salvar um patrimônio que o Estado republicano abandonara.

O que era caridade, contudo, a república transformou em contravenção penal. É simbólico — e não acidental — que o Estado que derruba tradições, símbolos e instituições orgânicas tenha visto numa prática popular um risco à sua autoridade abstrata.

A perda dos símbolos e a corrupção da solidariedade

O paralelo com a joaninha eslava ilumina justamente o que se perdeu. Entre os eslavos, a vaca de Deus não é apenas um animalzinho simpático: é um símbolo de cuidado divino, de proteção e de boa sorte. É a imagem do pequeno gesto que contém um valor espiritual enorme.

Ao projetar isso na cultura brasileira, compreende-se que a vaquinha — seja para pagar um remédio, socorrer um vizinho, ajudar um amigo — sempre foi um ritual de solidariedade que repousa no mesmo princípio: pequenas contribuições, quando somadas, tornam-se expressão de um bem maior.

Quando a república transforma esse gesto comunitário em contravenção, ela não apenas criminaliza um hábito: ela rompe o elo entre o símbolo e a caridade, entre o gesto e sua origem espiritual. Deixa de ver o povo como comunidade e passa a tratá-lo como massa a ser controlada.

A degradação do jogo do bicho não veio do povo; veio da ruptura institucional que o primeiro regime republicano impôs. O que antes era um ato de generosidade coletiva se tornou terreno para vícios e ilegalidades justamente porque o Estado tratou o símbolo como problema, e não como patrimônio moral.

Sem símbolos, não há cultura; sem cultura, não há caridade

Culturas tradicionais sobrevivem porque preservam seus símbolos. A joaninha eslava sobrevive porque é mais do que um inseto: é a memória viva de que Deus não abandona seus filhos. A vaquinha brasileira sobreviveria melhor se ainda fosse vista como aquilo que foi em sua origem: uma forma natural de solidariedade popular.

O que se perde quando símbolos são destruídos? Perde-se o senso de proporção, de continuidade, de pertença. Perde-se a noção de que os pequenos gestos — como juntar moedas ou proteger um bichinho — carregam uma grandeza espiritual.

Ao transformar a caridade em contravenção, a república não apenas legalizou o vício: ela dessacralizou o gesto e apagou a memória da comunidade que o sustentava.

Talvez por isso seja tão fecunda a imagem da joaninha eslava: ela nos lembra, silenciosamente, que a verdadeira riqueza de um povo não está nas leis que o oprimem, mas nos costumes que o elevam; não nos códigos penais impostos de cima para baixo, mas nos gestos espontâneos que brotam do coração — aqueles que, ainda hoje, mereceriam chamar-se a vaca de Deus.

A Prova Paroquial: a rifa como ato de caridade conservado pela Igreja

Se existe uma instituição que preservou, quase intacto, o espírito original da rifa — isto é, a expressão comunitária de caridade — essa instituição é a Igreja. Em praticamente todas as dioceses e paróquias do Brasil, ainda hoje, as rifas são realizadas para:

  • reformar a igreja,

  • financiar obras sociais,

  • ajudar paroquianos em dificuldade,

  • sustentar grupos de jovens, corais e vicentinos.

Ou seja: a rifa continua exatamente onde sempre esteve — na esfera da caridade organizada.

A Igreja preservou o rito, o gesto e o sentido.

O Estado republicano, ao contrário, não apenas o criminalizou quando ligado ao “jogo do bicho”, como contribuiu para manchar o próprio símbolo que sustentava esse costume.

O efeito colateral da criminalização: o sumiço dos animais

A prova mais visível dessa deturpação é justamente o que se mencionou:

Como o jogo do bicho se tornou afamado, as rifas paroquiais — e as rifas escolares e comunitárias — abandonaram o símbolo dos animais.

Antes da República, associar números a animais não era um problema; era um símbolo alegre, folclórico, acessível ao povo. A rifa do Barão de Drummond usava animais porque eles eram:

  • reconhecíveis por analfabetos,

  • simpáticos às crianças,

  • parte da cultura urbana carioca,

  • elementos naturais de um zoológico.

Era um símbolo inclusivo.

Depois que o Estado transformou essa prática caritativa em contravenção, o símbolo foi contaminado, e seu uso em rifas honestas passou a parecer arriscado, ambíguo ou indevido.

As paróquias, ao manterem a prática, foram obrigadas a purificá-la do estigma estatal, retirando os animais para não parecer uma associação com o jogo do bicho.

Assim, o Estado republicano logrou destruir não apenas a prática popular, mas também o imaginário simbólico que lhe dava legitimidade cultural.

O paralelo com a joaninha eslava fica ainda mais forte

Se a joaninha é, para os eslavos, a “vaca de Deus”, então as rifas paroquiais brasileiras são um retrato claro da manutenção desse sentido de Providência:

  • a comunidade contribui,

  • não por vício, mas por amor,

  • visando suprir as necessidades reais de alguém,

  • sob o olhar da Igreja, que sempre preservou a caridade como valor.

A rifa católica, portanto, é um resquício quase medieval da economia moral cristã: um modo simples de distribuir bens pela via da solidariedade, e não da competição ou da ganância.

Por isso mesmo ela sobreviveu.

E por isso mesmo o Estado republicano não conseguiu destruí-la — apenas empobreceu seu símbolo.

Bibliografia Comentada

1. Câmara Cascudo, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro.

Obra essencial para compreender o imaginário popular brasileiro, incluindo jogos, crenças e costumes que dão base à história do jogo do bicho e das rifas como práticas tradicionais.

2. Mello, Marcelo. O Jogo do Bicho: História, Poder e Controvérsias.

Estudo detalhado da origem caritativa da rifa do Barão de Drummond e da posterior criminalização pela República. Fundamenta a tese da transformação de um gesto de caridade em contravenção.

3. Villela, Hélio. O Império Acabou, O Zoológico Ficou: A História do Barão de Drummond.

Biografia do fundador do zoológico e criador da rifa dos bichos. Excelente para contextualizar historicamente a passagem da filantropia imperial à repressão republicana.

4. Ortiz, Renato. A Morte Branca do Feiticeiro Negro.

Análise sobre cultura popular e criminalização estatal. Ajuda a entender como práticas comunitárias — inclusive rifas — foram estigmatizadas pelo aparato legal republicano.

5. Eliade, Mircea. Imagens e Símbolos.

Fundamental para compreender o papel dos símbolos na vida cultural e religiosa. Sustenta a reflexão sobre a perda dos animais como símbolos nas rifas.

6. Gusejnov, Vladimir. Slavic Folk Beliefs and Practices.

Estudo profundo sobre o simbolismo eslavo, incluindo a joaninha como “vaca de Deus”. Ampara a parte comparativa do artigo.

7. Needham, Rodney. Symbolic Classification.

Clássico da antropologia estrutural, útil para interpretar como diferentes sociedades organizam significados por meio de símbolos — e o que se perde quando eles são destruídos.

8. Ferreira, João Batista. Economia Moral Católica no Brasil.

Discussão sobre práticas paroquiais de caridade, incluindo rifas, festas comunitárias e doações, mostrando como a Igreja preservou formas tradicionais de solidariedade.

Da joaninha como a vaca de Deus: um pequeno símbolo entre línguas, povos e imaginários

Entre as inúmeras delicadezas da linguagem humana, poucas são tão expressivas quanto os nomes populares que as culturas dão aos seres minúsculos que habitam o nosso cotidiano. A joaninha — esse ponto vermelho e pontilhado que a infância aprende a olhar com simpatia — talvez seja o inseto que mais coleciona apelidos carinhosos ao redor do mundo. Mas nenhum deles é tão poético quanto o termo que os ucranianos (e outros povos eslavos) lhe reservam: “a vaca de Deus” (божа корівкаbozha korivka).

1. A força simbólica do nome

À primeira vista, um nome assim pode parecer estranho ao ouvido ocidental. Por que “vaca”? Por que “de Deus”? A resposta está na teologia popular, na mentalidade agrária e na forma como os povos eslavos relacionam o sagrado ao cotidiano.

A vaca, para as sociedades camponesas da Europa Oriental, sempre foi o animal doméstico por excelência. Nutridora, paciente, dócil — símbolo de providência. Associar a joaninha a uma “vaca” é elevá-la ao status de criatura benéfica, que alimenta silenciosamente a terra: afinal, joaninhas devoram pulgões e protegem as plantações, sendo verdadeiras auxiliares dos agricultores. É um inseto pequeno, mas com uma função grandiosa.

O acréscimo “de Deus” encerra um sentido ainda mais profundo: o de que certas criaturas são guardadas por uma atenção especial do Alto. É como se dissesse: “não a machuque, pois ela é Dele, não sua”. Em inúmeras aldeias da Ucrânia, da Polônia ou da Rússia, matar uma joaninha era visto como sinal de mau agouro. O povo a libertava na palma da mão e soprava, dizendo: “voa, vaca de Deus, leva o bom tempo”.

2. A joaninha como mensageira

O simbolismo da joaninha como mensageira divina está presente em toda a Europa. No português, o diminutivo “joaninha” remete a Santa Joana ou até à Virgem Maria em tradições antigas; no inglês medieval, “ladybird” queria dizer literalmente “pássaro (ou criatura) de Nossa Senhora”.

Assim, de modo impressionante, culturas distintas convergiram para um mesmo significado: é um ser pequeno, mas protegido por Deus ou por Nossa Senhora.

3. O olhar eslavo para o sagrado

O nome bozha korivka revela algo essencial sobre a espiritualidade eslava: a sacralização da vida simples. Para esse imaginário, o sobrenatural não está apenas no altar, mas também na horta, na chuva, no vento que passa entre os trigais e até no besouro vermelho que pousa na mão de uma criança.

A joaninha, com sua docilidade e utilidade invisível, torna-se um microcosmo da Providência: Deus cuida até das mínimas coisas, e nas mínimas coisas deixa pistas do Seu cuidado.

4. O contraste com o Ocidente moderno

Enquanto o Ocidente racionalista tende a chamar a joaninha apenas de “inseto benfazejo” ou “coccinélido”, o Leste europeu conserva essa linguagem afetiva que junta teologia, zoologia e poesia. Trata-se de uma herança simbólica que resiste, mesmo sob guerras, deslocamentos e crises culturais.

E talvez seja justamente esse simbolismo que torna o nome tão cativante para quem o descobre pela primeira vez: ele ilumina um modo de ver o mundo onde o sagrado não está distante, mas encarnado em pequenos sinais.

5. A joaninha como imagem espiritual

Por fim, chamar a joaninha de “vaca de Deus” é uma forma de reconhecer que a beleza da vida não está apenas no que é grandioso, mas também no que é diminuto e quase invisível. A joaninha é um lembrete discreto da ordem criada, da harmonia entre o trabalho humano e a natureza, e da presença amorosa que permeia tudo.

O nome é estranho apenas para quem perdeu a capacidade de ver o mundo como um grande sacramento. Para o espírito que ainda se deixa comover, ele é natural — e profundamente verdadeiro.

Bibliografia Comentada

1. Ivanits, Linda J. — Russian Folk Belief. (M.E. Sharpe, 1989)

Um dos estudos mais sólidos sobre crenças populares russas e, por extensão, eslavas orientais. Ivanits discute como certos animais pequenos são vinculados a figuras sagradas, incluindo insetos como a joaninha. A autora explica a lógica agrária que permeia os nomes populares, e como criaturas úteis são consideradas “protegidas por Deus”. Excelente para compreender o pano de fundo do termo bozha korivka.

2. Baran, Ann F. — Ukrainian Folk Beliefs. (University of Calgary Press, 1992)

Focado especificamente na cultura ucraniana, este livro apresenta rezas, cantigas e superstições envolvendo animais. Há menções diretas às joaninhas, ao costume de assoprá-las da mão enquanto se pede bom tempo, e às proibições tradicionais de matá-las. Uma fonte indispensável para localizar historicamente o simbolismo ucraniano.

3. Gimbutas, Marija — The Slavs. (Thames & Hudson, 1971)

Gimbutas aborda a estrutura religiosa primordial dos povos eslavos e a maneira como o campesinato ligava o divino à vida cotidiana. Embora não trate especificamente da joaninha, o livro oferece um quadro antropológico para entender por que pequenos animais associados à colheita (como a joaninha, devoradora de pragas) eram vistos como “servidores de Deus”.

4. Frazer, James George — The Golden Bough. (Várias edições)

Um clássico da antropologia comparada. Frazer examina símbolos, amuletos naturais e a relação entre pequenos animais e a boa sorte. Ele comenta tradições europeias que associam joaninhas à chuva, ao sol e à proteção divina — ideias que também aparecem nas culturas eslavas. Serve para estabelecer paralelos com o Ocidente.

5. Ralston, W.R.S. — Songs of the Russian People. (1872; reedições modernas)

Coleção monumental de cantigas e fórmulas folclóricas, muitas delas incluindo animais pequenos como mensageiros divinos. Há cânticos que se dirigem à joaninha como “mãe do sol”, “pequena serva de Deus” ou “bichinho santo”, reforçando a associação com o sagrado.

6. Dixon-Kennedy, Mike — Encyclopedia of Russian & Slavic Myth and Legend. (ABC-CLIO, 1998)

Uma referência prática, com verbetes claros. O autor explica a função dos insetos benéficos dentro da cosmologia eslava, mencionando como a joaninha simboliza proteção e boa fortuna. O verbete sobre “Ladybird” em diferentes línguas ajuda a comparar a forma inglesa “Our Lady’s bird” (pássaro de Nossa Senhora) com a forma ucraniana “vaca de Deus”.

7. Eliade, Mircea — Patterns in Comparative Religion. (1958)

Eliade analisa como o sagrado se manifesta nos elementos naturais. Sua teoria de hierofania ajuda a compreender por que culturas agrárias enxergam símbolos religiosos em animais pequenos. Embora o livro não fale da joaninha diretamente, fornece instrumentos conceituais para interpretar o fenômeno.

8. Chambers, Robert — The Book of Days. (1864; reedições)

Relatos populares britânicos que incluem diversas crenças relacionadas à joaninha (“ladybird”), sobretudo sua conexão com Nossa Senhora e com a proteção divina. Útil para comparar a tradição eslava com a tradição ocidental cristã.

Quando ditadores são chamados de monarcas ou da falta de senso de proporções que permeia a sociedade

Uma das características mais inquietantes do mundo contemporâneo é a velocidade com que as palavras perdem o seu peso e a sua proporção natural. A linguagem, outrora instrumento de precisão moral e intelectual, tornou-se uma espécie de argila maleável, moldada não pela verdade, mas pela conveniência. Entre os sintomas mais evidentes desse fenômeno está a tendência, cada vez mais comum, de atribuir títulos nobres a realidades moralmente inferiores, confundindo o que é essencialmente distinto.

Essa distorção aparece de modo particularmente grave quando alguém, por ignorância ou má-fé, chama um ditador de monarca. A diferença não é apenas terminológica; é moral, histórica e ontológica.

Monarca não é sinônimo de tirano

O monarca legítimo, seja ele rei, príncipe ou imperador, está inserido numa tradição de autoridade que o precede e o limita. Sua função se estabelece na continuidade histórica, no reconhecimento público e numa teia de deveres que o vinculam ao bem comum. A monarquia, na sua melhor expressão, supõe:

  • limites institucionais e consuetudinários;

  • obrigação moral e religiosa;

  • responsabilidade herdada e transmitida;

  • vínculo orgânico com o destino do povo.

O ditador, por sua vez, emerge da ruptura, da força bruta ou da manipulação. Sua autoridade não é recebida, mas usurpada; não é limitada, mas concentrada; não é legitimada, mas imposta. Seu poder é contingente, instável, baseado no medo ou na propaganda.

Chamar isso de monarquia é um erro de categoria, quase um sacrilégio político.

A metáfora moral da desproporção

Quando alguém comete a imprudência de elevar o ditador ao nível de monarca, realiza algo análogo ao ato de chamar uma prostituta de “princesa” ou de “santa”, colocando-a quase no mesmo patamar de uma Madre Teresa de Calcutá. A metáfora é forte, mas ilustra o ponto essencial: a falta de proporção é uma forma de mentira.

E é sempre uma mentira perigosa, porque altera o senso moral, confunde o julgamento e destrói a capacidade de distinguir o melhor do pior, o justo do injusto, o nobre do ignóbil.

A perda do senso de proporção como vício intelectual

O senso das proporções — aquilo que Aristóteles chamaria de phronesis — é a faculdade que nos permite avaliar corretamente as grandezas morais e políticas. Sem ele:

  • o vício parece virtude;

  • a tirania parece ordem;

  • a usurpação parece autoridade;

  • o crime parece legislação.

A tradição filosófica sempre considerou o erro de proporção como um dos mais graves porque corrói diretamente a racionalidade prática. Uma vez destruído o senso de hierarquia das coisas, tudo se torna equiparável, e portanto tudo se torna manipulável.

É nesse ambiente de confusão que palavras se tornam instrumentos de engano, não de revelação.

A responsabilidade moral da linguagem

A linguagem não é neutra. Ela estrutura a percepção da realidade. Quando alguém chama um tirano de monarca:

  • adultera o vocabulário político;

  • desarma a consciência moral;

  • eleva o usurpador ao trono simbólico da legitimidade.

Com isso, torna-se cúmplice de um processo de anestesia coletiva. A linguagem corrompida serve ao poder corrompido.

A consequência mais perigosa: a naturalização da tirania

Quando um ditador é chamado de monarca, o efeito final não é apenas semântico. É civilizacional. A tirania perde o horror que lhe é próprio. A usurpação ganha um verniz de normalidade. O abuso de poder parece continuidade histórica.

E, assim, o povo perde sua capacidade de se indignar.

É por isso que regimes totalitários e autoritários sempre começam pela manipulação das palavras: renomeiam o mal como bem, a violência como justiça, a imposição como estabilidade, a servidão como ordem.

Conclusão: restaurar as proporções é restaurar a verdade

O que sua formulação capta com clareza — embora usando imagens moralmente fortes — é justamente o ponto decisivo: quem perde o senso das proporções perde o vínculo com a verdade. E, sem verdade, nenhuma liberdade política é possível.

Restaurar a proporção das palavras é restaurar a sanidade moral de um povo. Chamar as coisas pelo nome, segundo sua natureza, é o primeiro ato de resistência contra a tirania e o primeiro passo em direção à ordem justa.

Bibliografia Comentada

1. Filosofia Política e o senso das proporções

Aristóteles — Política

Aristóteles distingue com precisão entre as formas corretas de governo (realeza, aristocracia, politeia) e suas degenerações (tirania, oligarquia, democracia demagógica). É uma das fontes clássicas para compreender que um rei não é um tirano, e que confundir ambos é um erro de essência. A noção de phronesis (prudência) e de justa medida também fundamenta a crítica à distorção terminológica.

Santo Tomás de Aquino — Suma Teológica e De Regno

Tomás desenvolve uma das distinções mais claras entre o governo legítimo e o governo usurpado. A monarquia aparece como a forma mais elevada de governo quando ordenada ao bem comum, e a tirania como sua perversão máxima. Sua obra ilumina o ponto central: chamar tirano de monarca é inverter a ordem moral da linguagem, ato que ele classificaria como mentira contra a realidade.

Cícero — Da República e Das Leis

Cícero faz uso constante da proporção e da justa designação dos cargos públicos, condenando o abuso dos termos e a corrupção da linguagem como prelúdio à corrupção da república. Para ele, as palavras têm peso constitucional; distorcê-las é um crime contra a ordem política.

2. Linguagem, Verdade e Proporção

Olavo de Carvalho — O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota, Aristóteles em Nova Perspectiva e conferências

Olavo retoma a tradição aristotélica e tomista e a traduz para o contexto contemporâneo, especialmente no que diz respeito à capacidade de distinguir diferenças essenciais. Em diversos textos, ele explica que a tirania moderna depende da manipulação da linguagem e da destruição das proporções. Suas reflexões sobre “nominalismo político” são cruciais para entender por que a corrupção das palavras precede a corrupção do regime.

Eric Voegelin — A Nova Ciência da Política

Voegelin demonstra como regimes totalitários dependem da falsificação simbólica da realidade. Ao modificar a linguagem, especialmente os títulos de autoridade, o regime cria uma segunda realidade, onde o tirano é apresentado como salvador ou líder legítimo. A obra explica o mecanismo mental pelo qual o erro de proporção se torna massificado.

George Orwell — 1984

Embora seja uma obra literária, Orwell expõe com maestria o princípio da corrupção da linguagem como ferramenta de dominação. O “Ministério da Verdade” mostra como alterar palavras altera percepções. É uma alegoria perfeita para explicar por que chamar um ditador de monarca não é apenas um erro, mas um risco político.

Josef Pieper — Abuso da Linguagem, Abuso do Poder

Obra fundamental para entender como a corrupção do vocabulário destrói a capacidade de julgamento. Pieper mostra que o primeiro ato de violência contra a verdade é a manipulação retórica, e alerta que quem controla as palavras controla as consciências. Ele confirma a tese central do artigo: corromper a linguagem é preparar o terreno da tirania.

3. Tirania, Legitimidade e Usurpação

Hannah Arendt — As Origens do Totalitarismo

Arendt explica como regimes autoritários dependem da erosão da distinção entre mentira e verdade, entre legitimidade e força. Seu estudo sobre propaganda demonstra que a elevação simbólica de líderes ilegítimos é parte essencial da tiranização da vida pública.

Leo Strauss — On Tyranny

Neste livro, Strauss analisa o diálogo Híeron de Xenofonte e oferece uma reflexão profunda sobre a natureza da tirania. Ele mostra que o tirano não pode ser confundido com o governante legítimo e que a usurpação é sempre acompanhada de manipulação da imagem e dos títulos. Uma obra praticamente feita para discutir o tema do artigo.

Bertrand de Jouvenel — Do Poder

Jouvenel faz um estudo histórico e filosófico do crescimento do poder político e da transformação das figuras de autoridade. Ele mostra como o poder usurpador precisa se disfarçar de legítimo, adotando termos e símbolos que não lhe pertencem. É leitura indispensável para entender por que chamar tirano de monarca é participar da legitimação simbólica do abuso.

4. Monarquia, Tradição e Legitimidade

Ernst Kantorowicz — The King’s Two Bodies

Obra clássica sobre a teologia política medieval e a natureza da realeza legítima. Explica que o monarca possui dois corpos — o natural e o político —, e que a legitimidade deriva da continuidade histórica. Isso demonstra que um ditador, surgido por ruptura, não pode ser confundido com o portador do corpo político da realeza.

Russell Kirk — The Roots of American Order e The Conservative Mind

Kirk explica a importância da continuidade histórica, da tradição e da proporcionalidade na vida política. Ele mostra que civilizações são mantidas pela fidelidade aos significados e pelas distinções claras entre autoridade legítima e poder arbitrário.

A verdade como fundamento da liberdade e o dever de documentar atos públicos

Uma das lições mais duras que se extrai da experiência em ordens jurídicas onde os que são aqueles incumbidos de dizer o direito passam a conservar apenas o que lhes convém, aindo que dissociado da verdade, é que o cidadão se vê obrigado a adotar medidas adicionais para proteger seus próprios atos, já que a Constituição virou uma folha de pael. Este cenário, que revela não apenas uma crise de legalidade, mas sobretudo uma crise de autoridade moral do sistema, obriga a sociedade a reencontrar a verdade como fundamento da liberdade, nos méritos de Cristo.

1. A dissociação entre decisão e verdade

Quando a autoridade jurídica se afasta da verdade, duas consequências surgem imediatamente:

  1. A instabilidade da ordem jurídica, pois a previsibilidade das decisões deixa de estar fundada em princípios e passa a depender de conveniências políticas, pessoais ou corporativas.

  2. A transferência do ônus da prova ao cidadão, que precisa demonstrar continuamente que seus atos são lícitos, ainda que tais atos sejam, em si, expressão legítima de sua liberdade.

Essa dissociação entre decisão e verdade rompe aquilo que, nas tradições jurídicas clássicas, constituía o cerne da justiça: a conformidade do julgamento com o real.

2. O dever de documentar: uma medida de autodefesa justa

Diante desse quadro, surge a necessidade prática de documentar todos os atos públicos que precisam ser feitos, sobretudo atos de manifestação política, de reunião, de petição ou de participação em processos coletivos.

Documentar não é paranoia; é uma forma legítima de autodefesa jurídica. Ao registrar:

  • horário,

  • local,

  • circunstâncias,

  • finalidade,

  • comportamento adotado,

o cidadão forma o que os juristas medievais chamariam de memoria iuris: uma narrativa ancorada nos fatos, capaz de resistir a distorções posteriores.

Esse cuidado se faz especialmente necessário quando existe o risco — cada vez mais comum — de que autoridades interpretem determinados comportamentos como “abuso do direito de manifestação”, mesmo quando inexistente qualquer desvio.

3. A verdade como guarda da liberdade

A documentação é importante não apenas como prova, mas como testemunho da verdade. Em ambientes onde o arbítrio se mascara de legalidade, a verdade só se sustenta quando alguém a preserva e registra.

A verdade, aqui, não é mero dado: é fundamento da liberdade por três razões:

  1. A verdade ordena a ação humana, permitindo que cada pessoa saiba quais são os limites e deveres objetivos.

  2. A verdade contém o arbítrio, pois impede que alguém invoque o direito apenas para conservar o que lhe convém.

  3. A verdade revela a injustiça, tornando evidente quando uma autoridade ultrapassa o poder que recebeu.

Por isso, o ato de documentar é um gesto de fidelidade à verdade — não para criar uma “versão” conveniente, mas para conservar o real contra possíveis adulterações.

4. Conclusão: um ato moral antes de ser jurídico

No fim das contas, documentar atos públicos não é apenas uma estratégia jurídica, mas um ato moral. É reconhecer que:

  • a liberdade se mantém enquanto a verdade é preservada;

  • a justiça depende do real, não da conveniência;

  • e o cidadão, para permanecer livre, precisa ser fiel aos fatos que vive e aos deveres que cumpre.

Quando a autoridade perde o vínculo com a verdade, cabe ao homem honesto — nos méritos de Cristo — manter firme esse vínculo por meio de registros claros, íntegros e objetivos. Dessa forma, quando vier a acusação injusta, a verdade estará ali, documentada, para afastar qualquer alegação vazia.

A verdade permanece; e onde há verdade, há liberdade.

Bibliografia Comentada

1. Aristóteles – Ética a Nicômaco

Aristóteles define a justiça como conformidade com o real e com a ordem racional das coisas. Sua análise da prudência (phronesis) serve de base para a ideia de documentar atos como forma de garantir que as decisões futuras estejam ancoradas no que realmente ocorreu, e não em versões manipuladas.

2. Tomás de Aquino – Suma Teológica (II-II, q. 109–113)

Tomás trata da veracidade como virtude moral e fundamento das relações sociais. A noção de “verdade como adequação da mente ao real” (veritas est adaequatio intellectus et rei) sustenta que a justiça jurídica só existe enquanto aderente aos fatos — o que exige documentação quando o poder se afastou da verdade.

3. Hans Kelsen – Teoria Pura do Direito

Embora defendendo uma teoria formalista e descritiva, Kelsen mostra, pela via negativa, que afastar a verdade da norma deixa o sistema vulnerável à manipulação. Sua obra é útil para compreender por que a ausência de critérios substantivos abre espaço para decisões arbitrárias.

4. Lon L. Fuller – The Morality of Law

Fuller demonstra que o Direito só é efetivo quando está em conformidade com princípios internos de moralidade (clareza, não retroatividade, coerência). Quando esses princípios são desrespeitados, o sistema perde legitimidade, exigindo que o indivíduo documente seus atos para se proteger de interpretações distorcidas.

5. Vittorio Poccetti – A Prova no Processo Civil (ou obras de autores brasileiros equivalentes)

Autores que tratam da metodologia probatória explicam a importância da documentação para assegurar a narrativa fática no processo. O conceito de ônus da prova ganha grande relevância aqui, pois documentar é antecipar possíveis distorções.

6. Olavo de Carvalho – O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota

Embora focado em crítica cultural e filosófica, Olavo enfatiza a necessidade moral de aderir à verdade contra as estruturas sociais que operam pela conveniência. Essa perspectiva reforça a ideia de que documentar é um ato de resistência moral e de preservação da liberdade.

7. Eric Voegelin – The New Science of Politics

Voegelin descreve como regimes modernos rompem com a verdade e criam “segundas realidades” ideológicas. Documentar atos públicos impede que a vida concreta seja absorvida por essas ficções políticas impostas pelo poder.

8. Hannah Arendt – A Mentira na Política e A Condição Humana

Arendt analisa os efeitos devastadores da mentira institucionalizada e da fabricação de narrativas. A documentação, nesse contexto, é uma forma de restaurar a realidade contra distorções sistemáticas, preservando a esfera pública como lugar da verdade.

9. Mircea Eliade – O Sagrado e o Profano

Embora não jurídico, Eliade fundamenta a ideia da verdade enquanto eixo ontológico da existência. Documentar atos públicos pode ser visto, à luz dessa perspectiva, como uma forma de manter o vínculo com o real — o que tem valor moral e espiritual.

10. Pierre Manent – A Cidade Ocidental

Manent destaca como a tradição ocidental depende de instituições que respeitam a verdade e a responsabilidade. Quando isso falha, o indivíduo precisa se apoiar em meios próprios para garantir que sua liberdade não seja injustamente limitada — entre eles, a documentação rigorosa.

Silvio Santos w 1989 roku i nieprzyswojona lekcja: autentyczne przywództwo, środki działania i brazylijski system polityczny

Wybory prezydenckie z 1989 roku pozostają jednym z najbardziej wymownych epizodów ujawniających rzeczywistą strukturę władzy w Brazylii. Daleko poza starciem między Collorem, Lulą i Brizolą, tamten historyczny moment obnażył kruchość brazylijskiej demokracji wobec autentycznego i popularnego przywództwa, zdolnego mobilizować miliony bez zależności od politycznego establishmentu. Silvio Santos, ogłaszając swoją kandydaturę z ramienia nieistniejącej już partii PMB, przedstawił się jako jedyny prawdziwy outsider dysponujący środkami działania pozwalającymi wygrać w pierwszej turze — i właśnie dlatego został uniemożliwiony jego start. Przypadek ten stał się ignorowanym paradygmatem, którego echo wybrzmiało dekady później w drodze politycznej Jaira Bolsonaro.

1. Autentyczne przywództwo i środki działania według Olavo de Carvalho

Olavo de Carvalho opisywał autentyczne przywództwo jako połączenie trzech elementów:

  • Osobistego i moralnego autorytetu zbudowanego w realnym życiu;

  • Bezpośredniej komunikacji z narodem, bez biurokratycznych pośredników;

  • Niezależnej zdolności działania — środków finansowych, symbolicznych i instytucjonalnych do konfrontacji z elitą polityczną.

Silvio Santos w 1989 roku spełniał te kryteria z niezwykłą precyzją:

  • Był zdecydowanie najbardziej lubianą postacią w kraju.

  • Dysponował SBT jako codzienną platformą komunikacji — czymś niespotykanym w kampaniach wyborczych.

  • Był finansowo niezależny, odporny na szantaże systemu partyjnego.

Razem te elementy stworzyły wybuchową sytuację polityczną: Silvio Santos rósł w sondażach w sposób błyskawiczny i w ciągu kilku dni wyprzedził Brizolę, całkowicie zmieniając układ sił.

Jego przywództwo nie opierało się na układach, koalicjach ani marketingu. Było charyzmatyczne, zakorzenione w doświadczeniu narodowym i w wyobraźni społecznej. I właśnie to stanowiło śmiertelne zagrożenie dla struktur władzy.

2. Reakcja systemu: unieważnienie kandydatury

Gwałtowny wzrost popularności Silvio Santosa wywołał panikę w klasie politycznej. W ciągu kilku dni uruchomiono front sądowo-biurokratyczny mający na celu uniemożliwić mu udział w wyborach. TSE unieważnił jego kandydaturę, powołując się na formalne nieprawidłowości związane z rejestracją partii popierającej kandydata. Jednak już wówczas prawnicy i analitycy polityczni dostrzegali wyraźną motywację polityczną.

Nieprzypadkowo: gdyby Silvio Santos wystartował, wygrałby w pierwszej turze z ogromną przewagą — co późniejsze analizy i badania w pełni potwierdziły.

System polityczny widział w nim ryzyko nie do zaakceptowania: prezydenta z legitymacją społeczną, własnymi środkami komunikacji oraz niezależnością ekonomiczną, zdolnego przesunąć oś władzy utrwaloną od czasów reżimu wojskowego.

Weto wobec Silvio Santosa było w praktyce wetem wobec możliwości przywództwa spoza granic starego porządku.

3. Zignorowany precedens i paralela z Bolsonaro

Trzy dekady później pojawienie się Jaira Bolsonaro odtworzyło — w innej skali — kluczowe elementy fenomenu Silvio Santosa:

  • charyzmatyczne przywództwo połączone z bezpośrednim kontaktem z narodem;

  • komunikację bezpośrednią (tym razem przez media społecznościowe);

  • społeczne odrzucenie establishmentu;

  • częściową niezależność od tradycyjnych struktur władzy.

Jednak pozostał jeden zasadniczy problem: nie zrozumiano, że brazylijski system reaguje automatycznie na każde przywództwo, które nie kontroluje środków działania pozwalających na obronę.

Bolsonaro miał legitymację wyborczą, ale nie posiadał:

  • instytucjonalnych środków komunikacji;

  • spójnej bazy kulturowej;

  • biurokratycznej sieci ochrony;

  • niezależności finansowej i prawnej porównywalnej z Silvio Santosem.

Podobnie jak w 1989 roku, elita polityczno-instytucjonalna działała w sposób skoordynowany — tym razem jeszcze bardziej otwarcie — by zneutralizować outsidera.

Logika pozostała ta sama: gdy lud próbuje wybrać kogoś spoza układu, system odpowiada nie argumentami, lecz mechanizmami blokującymi.

4. Mechanizm strukturalny: jak Brazylia blokuje autentycznych outsiderów

Od przypadku Silvio Santosa po epokę Bolsonaro wyłania się wyraźny wzorzec:

  • Pojawia się spontanicznie lider autentyczny i popularny;

  • Biurowa elita reaguje z desperacją, mobilizując sądy, media i partie;

  • System tworzy przeszkody formalne, które maskują rzeczywistą motywację;

  • Outsider zostaje pokonany lub wyeliminowany, zanim zdobędzie władzę.

Problemem nie są liderzy — problemem jest brazylijski model instytucjonalny, który nie toleruje niezależności.

Elita narodowa nie dopuszcza możliwości, by rządził nią ktoś, komu nie wyświadczyła wcześniej przysług.

5. Nieprzyswojona lekcja

Lekcja z 1989 roku jest prosta: brazylijska demokracja ma niewidzialne granice, które stają się widoczne dopiero wtedy, gdy ktoś próbuje je przekroczyć.

Historie Silvio Santosa i Jaira Bolsonaro pokazują, że:

  • popularność nie wystarcza;

  • legitymacja wyborcza nie wystarcza;

  • spontaniczne poparcie społeczne nie wystarcza.

Bez konkretnych środków działania — komunikacji, zasobów, bazy kulturowej i ochrony instytucjonalnej — autentyczne przywództwo zostaje pożarte przez system.

Ta lekcja, niestety, wciąż nie została przyswojona.

6. Znaczenie historyczne

Silvio Santos był prawdopodobnie ostatnią wielką przedinternetową szansą na polityczne przeorientowanie w Brazylii. Bolsonaro był pierwszą próbą w erze internetu.

Obaj zostali potraktowani przez establishment jak intruzi.
Obaj zostali zwalczani z nieproporcjonalną intensywnością.
Obaj ujawnili rzeczywisty zasięg oraz granice brazylijskiej demokracji.

Historia się nie powtórzyła — została zignorowana i dlatego odegrana na nowo.

Bibliografia komentowana

  1. CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota.
    Record, 2013.
    Książka prezentuje kluczowe artykuły Olavo, w których analizuje brazylijski system polityczny, elity biurokratyczne oraz dezinformację medialną. Dostarcza podstaw teoretycznych do zrozumienia pojęcia „autentycznego przywództwa” i „środków działania”.

  2. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições.
    Vide Editorial.
    Autor analizuje dominację nowoczesnej polityki przez technokratów i biurokratyczne elity, co pomaga wyjaśnić, jak działa władza, która uniemożliwiła start Silvio Santosa i która zwróciła się przeciwko Bolsonaro.

  3. CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural.
    Vide Editorial.
    Książka opisuje, jak przemiany kulturowe determinują politykę współczesną i jak system reaguje na liderów nienależących do dominującego imaginarium kulturowego.

  4. NOVAES, Marco Antonio. Uma História das Eleições no Brasil.
    Companhia das Letras, 2018.
    Analiza akademicka kontekstu wyborczego, szczególnie użyteczna dla zrozumienia realiów kampanii 1989 roku.

  5. LAMOUNIER, Bolívar. A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas.
    Companhia das Letras.
    Autor opisuje kruche fundamenty demokracji brazylijskiej i współdziałanie sądów, mediów i partii jako kompleksu władzy.

  6. MATTOS, Ilimar Franco. 1989: A Eleição que Mudou o Brasil.
    Record, 2009.
    Relacja dziennikarska przedstawiająca atmosferę kampanii 1989 roku oraz reakcje na nagły wzrost popularności Silvio Santosa.

  7. FRANCO, Afonso. Silvio Santos: A Biografia.
    Primeira Pessoa, 2010.
    Biografia przedstawia drogę zawodową Silvio i jego relację z publicznością, dostarczając materiału do analizy jego przywództwa.

  8. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
    Saraiva.
    Kluczowe źródło do analizy kompetencji TSE i podstaw prawnych, które pozwoliły unieważnić kandydaturę Silvio Santosa.

  9. MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A Segunda Guerra Fria.
    Civilização Brasileira.
    Ujęcie geopolityczne wyjaśniające globalne reakcje elit na outsiderów politycznych.

  10. WEFFORT, Francisco. Por Que Democracia?.
    Editora Ática.
    Klasyczna analiza napięcia między demokracją formalną a realną, fundamentalna dla zrozumienia mechanizmów blokujących liderów popularnych.

Silvio Santos em 1989 e a lição não aprendida: liderança autêntica, meios de ação e o sistema político brasileiro

A eleição presidencial de 1989 permanece como um dos episódios mais reveladores da estrutura real de poder no Brasil. Muito além da disputa entre Collor, Lula e Brizola, aquele momento histórico expôs a fragilidade da democracia brasileira diante de uma liderança autêntica e popular, capaz de mobilizar milhões sem depender do establishment político. Silvio Santos, ao lançar sua candidatura pela extinta legenda do PMB, apresentou-se como o único outsider genuíno com meios de ação suficientes para vencer no primeiro turno — justamente por isso, foi impedido de concorrer. O caso se tornou um paradigma ignorado, cujo eco ressoou décadas depois na trajetória de Jair Bolsonaro.

1. Liderança Autêntica e os meios de sção segundo Olavo de Carvalho

Olavo de Carvalho descrevia liderança autêntica como a união de três elementos:

  1. Autoridade pessoal e moral construída ao longo de uma vida real;

  2. Comunicação direta com o povo, sem intermediação burocrática;

  3. Capacidade de ação independente, isto é, meios financeiros, simbólicos e institucionais para enfrentar a elite política.

Silvio Santos, em 1989, preenchia esses requisitos com precisão rara:

  • Era, de longe, a figura mais querida do país.

  • Tinha o SBT como plataforma de comunicação diária, algo nunca visto em uma campanha.

  • Era financeiramente independente, imune às chantagens do sistema partidário.

Reunidos, esses elementos criaram uma condição política explosiva: Silvio Santos cresceu vertiginosamente e ultrapassou Brizola em poucos dias, alterando por completo o equilíbrio eleitoral.

Sua liderança não dependia de acordos, coligações ou marketing. Era carismática, enraizada na experiência nacional e no imaginário popular. E isso representava uma ameaça mortal às estruturas de poder.

2. A reação do sistema: A candidatura inviabilizada

A ascensão meteórica de Silvio Santos provocou pânico na classe política. Em questão de dias, abriu-se uma frente judicial e burocrática destinada a inviabilizar sua participação. O TSE anulou a candidatura sob alegações formais relacionadas ao registro do partido que o apoiaria; contudo, mesmo à época, juristas e analistas políticos reconheceram que a decisão teve forte motivação política.

Não por acaso: se Silvio Santos participasse, venceria no primeiro turno com ampla vantagem, algo confirmado por pesquisas e análises posteriores.

O sistema político viu nele um risco inaceitável: um presidente com legitimidade popular, meios próprios de comunicação e independência econômica poderia deslocar o eixo de poder que caracterizava a política brasileira desde o regime militar.

O veto a Silvio Santos foi, na prática, o veto à possibilidade de uma liderança fora dos limites da velha ordem.

3. O precedente ignorado e o paralelo com Bolsonaro

Três décadas depois, a ascensão de Jair Bolsonaro reproduziu, em chave diferente, elementos centrais da candidatura de Silvio:

  • liderança carismática conectada ao povo;

  • comunicação direta (desta vez pelas redes sociais);

  • rejeição popular ao establishment;

  • independência parcial em relação à estrutura tradicional de poder.

No entanto, um erro crucial permaneceu: não se reconheceu que o sistema brasileiro reage de modo automático a qualquer liderança que não controle os meios de ação necessários para se defender.

Bolsonaro tinha legitimidade eleitoral, mas não possuía:

  • meios institucionais de comunicação;

  • base cultural consistente;

  • rede de proteção burocrática;

  • independência financeira ou jurídica comparável à de Silvio.

Assim como em 1989, a elite político-institucional atuou de forma coordenada — desta vez de modo ainda mais explícito — para neutralizar o outsider.

A lógica é a mesma: quando o povo tenta escolher alguém de fora, o sistema responde não com argumentos, mas com mecanismos de impedimento.

4. O mecanismo estrutural: como o Brasil impede outsiders autênticos

Do episódio Silvio Santos até a era Bolsonaro, emerge um padrão nítido:

  1. Liderança popular e autêntica surge espontaneamente;

  2. A elite burocrática reage com desespero, mobilizando Judiciário, mídia e partidos;

  3. O sistema cria obstáculos formais, que disfarçam a motivação real;

  4. O outsider é derrotado ou impedido, antes que possa consolidar poder.

O problema não está na qualidade dos líderes, mas no desenho institucional brasileiro, que não tolera independência.

A elite nacional não admite ser governada por alguém que não deva favores a ela.

5. A lição não aprendida

A lição de 1989 é clara: a democracia brasileira possui limites invisíveis, que se tornam visíveis apenas quando alguém tenta ultrapassá-los.

As candidaturas de Silvio Santos e Jair Bolsonaro mostram que:

  • popularidade não basta;

  • legitimidade eleitoral não basta;

  • apoio espontâneo das massas não basta.

Sem meios de ação concretos — comunicação, recursos, base cultural, proteção institucional — a liderança autêntica é devorada pelo sistema.

E essa lição, infelizmente, continua não sendo aprendida.

6. O significado histórico

Silvio Santos representou, possivelmente, a última grande oportunidade pré-internet de um realinhamento político popular no Brasil. Bolsonaro representou a primeira tentativa pós-internet.

Ambos foram tratados pelo establishment como intrusos.
Ambos foram combatidos com intensidade desproporcional.
Ambos revelaram o verdadeiro alcance e os limites da democracia brasileira.

A história não se repetiu — ela foi ignorada e, por isso, reencenada.

Bibliografia Comentada

1. CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota.

Record, 2013.

Este livro reúne artigos fundamentais onde Olavo desenvolve sua crítica ao sistema político brasileiro, à elite burocrática e à desinformação produzida pela mídia. Embora não trate diretamente de Silvio Santos, oferece a base teórica necessária para entender o que ele chamaria de “liderança autêntica” e dos “meios de ação”.
É indispensável para compreender como uma liderança genuína conflitua com o sistema.

Contribuição para o artigo: Fornece o referencial conceitual para compreender por que Silvio Santos (1989) e Bolsonaro (2018) foram considerados ameaças estruturais ao establishment.

2. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições.

Vide Editorial, edição revisada.

Neste livro, Olavo discute como a política moderna é essencialmente administrada por técnicos, burocratas e elites artificiais. Ajuda a entender a natureza do poder que impediu Silvio Santos de concorrer e que se mobilizou contra Bolsonaro.

Contribuição para o artigo: A crítica ao “império das castas burocráticas” ilumina o funcionamento do TSE e de outras instituições que criam vetos invisíveis na democracia brasileira.

3. CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural.

Vide Editorial.

Aqui Olavo descreve a transformação cultural como eixo principal da política contemporânea. Embora não trate de eleições diretamente, mostra como o imaginário cultural molda o que o sistema aceita ou rejeita.

Contribuição: Explica por que líderes populares não alinhados ao imaginário dominante (Silvio e Bolsonaro) sofrem resistência desproporcional.

4. NOVAES, Marco Antonio. Uma História das Eleições no Brasil.

Companhia das Letras, 2018.

Embora seja uma obra acadêmica, Novaes apresenta uma análise sólida sobre as eleições brasileiras, seus sistemas e problemas estruturais. O capítulo sobre 1989 é útil para entender o contexto institucional da época.

Contribuição: Fornece base histórica sobre o processo eleitoral de 1989, permitindo cruzar dados com a análise olaviana.

5. LAMOUNIER, Bolívar. A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas.

Companhia das Letras.

Lamounier descreve as fragilidades institucionais do sistema democrático brasileiro, com ênfase em como o Judiciário, mídia e partidos formam um “complexo” de poder.

Contribuição: Ajuda a compreender por que a candidatura de Silvio Santos foi percebida como ameaça e por que o sistema reagiu.

6. MATTOS, Ilimar Franco. 1989: A Eleição que Mudou o Brasil.

Record, 2009.

Obra jornalística, mas de enorme utilidade. Relata os movimentos das campanhas de Collor, Brizola, Lula e, brevemente, o fenômeno Silvio Santos. Embora trate Silvio rapidamente, ajuda a reconstruir o ambiente político e midiático.

Contribuição: Permite reconstruir a atmosfera de medo, surpresa e reação quando Silvio Santos ultrapassou Brizola e ameaçou a eleição.

7. FRANCO, Afonso. Silvio Santos: A Biografia.

Primeira Pessoa, 2010.

Biografia útil para entender o estilo de liderança de Silvio, sua relação com o público, sua trajetória empresarial e seu entendimento de si mesmo como figura pública. Embora não seja focada na política, há trechos sobre 1989.

Contribuição: Fundamenta a ideia de liderança autêntica — a imagem de Silvio como trabalhador, empreendedor e comunicador de massas.

8. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.

Saraiva.

Não é um livro sobre eleições, mas a parte sobre o TSE, competências constitucionais e estrutura do processo eleitoral é essencial para interpretar juridicamente por que a candidatura de Silvio foi barrada.

Contribuição: Oferece base institucional para compreender os limites e os amplos poderes do TSE — elemento crucial na análise.

9. MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A Segunda Guerra Fria.

Civilização Brasileira.

Embora seja um panorama geopolítico, Moniz Bandeira mostra como elites burocráticas e o establishment global reagem a outsiders políticos. Serve como pano de fundo para entender reações semelhantes no Brasil.

Contribuição: Enquadra o fenômeno Bolsonaro em um cenário mais amplo de reações globais a lideranças anti-establishment.

10. WEFFORT, Francisco. Por Que Democracia? 

Editora Ática.

Weffort analisa o dilema entre democracia formal e democracia real — tema fundamental para entender por que uma democracia pode barrar candidatos populares.

Contribuição: Ajuda a interpretar como o sistema político pode ser formalmente democrático, mas materialmente controlado.