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domingo, 7 de setembro de 2025

Universidade, Autodidatismo e Redes Digitais: uma transformação geracional

Durante décadas, a universidade brasileira foi entendida como o espaço por excelência da formação intelectual, da pesquisa científica e da criação de contatos profissionais. Para muitos pais e professores, a ideia de que “na universidade você aprende a ser autodidata” era verdadeira, mas apenas dentro de um contexto histórico específico: quando os livros eram escassos, o acesso à informação era restrito e a vida acadêmica oferecia não só conhecimento, mas também prestígio social e capital simbólico.

O passado: quando a universidade era indispensável

Antes da expansão da internet, o estudante dependia fortemente da estrutura universitária para aprender. Professores, bibliotecas, seminários e grupos de estudo eram os principais meios de acesso ao saber. Além disso, os contatos feitos dentro do campus eram fundamentais para abrir portas profissionais. Na prática, ser autodidata dentro da universidade significava aprender a pesquisar sozinho, mas ainda dentro de um ambiente fechado, limitado e mediado pela instituição.

Essa mesma universidade, no entanto, trazia consigo um problema: a pressão ideológica. Para quem não se enquadrava na mentalidade dominante, sobretudo em contextos de hegemonia marxista ou progressista, a vida acadêmica podia significar não apenas aprendizado, mas também isolamento, frustração e depressão. Muitos suportavam esse peso apenas para obter o diploma, indispensável para conquistar empregos e reconhecimento social.

O presente: a revolução digital do autodidatismo

O cenário atual é radicalmente diferente. Com as redes sociais, plataformas de ensino online e a inteligência artificial, o autodidatismo deixou de ser uma habilidade aprendida apenas dentro da universidade para se tornar um caminho acessível a qualquer pessoa com disciplina e curiosidade.

Hoje, é possível:

  • Estudar múltiplas línguas com contato direto com nativos via internet;

  • Participar de comunidades globais de interesse, sem precisar viajar;

  • Acessar gratuitamente bibliotecas digitais, cursos de universidades de elite e palestras;

  • Utilizar ferramentas de inteligência artificial para organizar estudos, revisar textos, traduzir conteúdos e ampliar horizontes de forma personalizada.

Além disso, o capital social, antes restrito ao ambiente acadêmico, pode ser construído em redes digitais. Amigos, parceiros de pesquisa, colaboradores de projetos e até oportunidades de trabalho podem surgir de conexões feitas no mundo online — algo que, no passado, seria impensável fora da universidade.

O preço da liberdade digital

Essa mudança, no entanto, não elimina os desafios. Se antes o preço era a submissão ao ambiente ideológico e à estrutura rígida da universidade, hoje o preço está na necessidade de discernimento: filtrar informações, fugir da dispersão e construir um caminho sólido em meio ao excesso de dados e às distrações.

Em contrapartida, o benefício é evidente: não é mais necessário se sujeitar a ambientes hostis ou gastar fortunas em remédios e paliativos emocionais para suportar a pressão de um sistema acadêmico fechado. O autodidata digital pode criar sua própria comunidade de aprendizado, em conformidade com seus valores e objetivos, sem abrir mão da liberdade interior.

Conclusão

A frase de que “a universidade ensina a ser autodidata” só permanece verdadeira se for reinterpretada à luz da realidade atual. Hoje, a verdadeira universidade é a soma das conexões certas, dos amigos adequados e da disciplina no uso das ferramentas digitais. Para quem sabe trilhar esse caminho, o aprendizado não conhece fronteiras — nem geográficas, nem ideológicas.

Bibliografia

  • BOURDIEU, Pierre. Os Herdeiros: Os Estudantes e a Cultura. São Paulo: Edusp, 2014.

  • CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  • ILLICH, Ivan. Sociedade sem Escolas. Petrópolis: Vozes, 1985.

  • LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

  • MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2001.

  • SIQUEIRA, Denise. Autodidatismo e Aprendizagem ao Longo da Vida. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

Hóquei em Utah: da visibilidade olímpica à consolidação profissional

O hóquei no gelo sempre foi mais associado a regiões frias do norte dos Estados Unidos e ao Canadá, mas Utah tem uma história própria nesse esporte, marcada por momentos decisivos que ajudaram a consolidá-lo no estado.

O marco das Olimpíadas de 2002

Tudo começou em 2002, quando Salt Lake City sediou as Olimpíadas de Inverno. O evento trouxe atenção internacional para o hóquei em Utah e mostrou à população local a emoção e a competitividade do esporte. As partidas olímpicas não só captaram novos fãs, como também deixaram um legado de infraestrutura esportiva de alto nível, com arenas modernas e capacidade para receber grandes eventos.

A chegada dos Coyotes

Alguns anos depois, o hóquei em Utah deu um passo decisivo rumo à profissionalização. A franquia Phoenix Coyotes, originalmente conhecida como Winnipeg Jets, decidiu se realocar para o estado. Essa mudança trouxe a National Hockey League (NHL) para Utah, permitindo que fãs locais acompanhassem partidas de alto nível e fortalecendo a base de torcedores.

Impactos no desenvolvimento local

A presença da NHL incentivou a criação de ligas menores e programas de base, além de fomentar academias de treinamento para jovens jogadores. O esporte, antes limitado a eventos esporádicos, passou a ter presença constante na mídia local e no calendário esportivo do estado.

Linha do Tempo do Hóquei em Utah

  • 2002: Salt Lake City sedia as Olimpíadas de Inverno, atraindo atenção para o hóquei.

  • Anos seguintes: A franquia Phoenix Coyotes se muda para Utah, estabelecendo a presença da NHL no estado.

  • Década seguinte: Crescimento de ligas locais, programas de base e popularização do esporte.

Conclusão

O legado das Olimpíadas de 2002 e a chegada dos Coyotes transformaram Utah em um polo emergente para o hóquei no gelo. Hoje, o estado combina infraestrutura de qualidade, fãs engajados e oportunidades para jovens atletas, mostrando que até regiões fora do “cinturão do hóquei” podem criar uma história sólida e promissora no esporte.

A prisão de ventre da liberdade: entre leis pervertidas e pretensos libertadores

No século XIX, a ideia de liberdade ganhou contornos complexos na América Latina e no Brasil. No Império brasileiro, por exemplo, a Lei do Ventre Livre de 1871 representou um passo gradual contra a escravidão, garantindo a liberdade aos filhos de mulheres escravizadas nascidos após sua promulgação. No entanto, essa liberdade era restrita: os vínculos de dependência social e econômica permaneciam, tornando a emancipação uma promessa mais formal do que concreta. O gesto legislativo, embora simbólico, revela que a liberdade, muitas vezes, vem acompanhada de limitações invisíveis, como se a própria história insistisse em reter seus frutos.

Enquanto isso, no processo de independência e balcanização das colônias espanholas, os chamados libertadores atuavam em nome da liberdade abstrata, mas construíam estruturas de poder ideológico que restringiam, de fato, o exercício dessa liberdade. Ao criar instituições, decretos e discursos que moldavam regiões inteiras, muitas dessas lideranças estabeleceram o que podem ser chamadas de “prisões ideológicas”, ou comunidades imaginadas – para usar o conceito de Benedict Anderson. Essas comunidades não eram apenas uma construção simbólica da identidade nacional, mas também uma prisão da mente, regulada por normas, tradições e convenções importadas de ordens secretas e redes de influência, como a maçonaria, que tiveram papel significativo na formação das elites libertadoras.

O efeito, portanto, foi paradoxal: em nome da liberdade, regiões inteiras foram mantidas em uma prisão de ventre sistemática. Metaforicamente, a sociedade ficou retida por ideais abstratos e discursos de emancipação que, na prática, pouco libertavam. O “laxante da História”, inevitavelmente, virá. Quando vier, revelará os podres acumulados, a hipocrisia e as contradições dos falsos libertadores. A sujeira histórica, antes contida, se espalhará, expondo que nem toda liberdade proclamada é liberdade realizada.

Essa metáfora não é apenas humorística. Ela denuncia a diferença entre liberdade formal e liberdade efetiva, e a dificuldade de enxergar os efeitos da ideologia quando ela se apresenta sob a capa de virtude. Assim como a Lei do Ventre Livre foi um passo limitado dentro de um sistema escravocrata, os discursos de liberdade das Américas Espanholas foram passos imperfeitos, carregados de contradições e armadilhas ideológicas.

No final das contas, a história nos lembra que a liberdade não é apenas proclamada; ela precisa ser experimentada, sentida e vivida. Até lá, a prisão de ventre permanece – silenciosa, invisível, mas persistente –, e o laxante histórico será implacável na revelação de sua verdadeira extensão.

O nacjonalizmie jako socjalizmie narodowym

Nacjonalizm, oparty na systematycznym przekonaniu, że należy traktować ojczyznę niczym religię — gdzie wszystko jest podporządkowane państwu i nic nie może istnieć poza nim ani przeciw niemu — jest w swej istocie socjalizmem narodowym. Jak powiedział pewien dobry Portugalczyk, jest to sucjalizm: kto daje się skazić tymi nieczystościami bieli, przyswaja sobie „niegaia nauka”¹, wyrażenie użyte przez Carlosa Drummonda de Andrade dla określenia złudnego i zwodniczego charakteru nauki, która oddziela się od prawdy.

Ta „niegaia nauka” nie ogranicza się do polityki: rozciąga się także na dziedzinę nauk przyrodniczych, gdy te zostają zaprzątnięte przez ideologie. Jürgen Habermas² już ostrzegał, że nauka i technika, dalekie od neutralności, często stają się narzędziami interesów władzy. Niegaia nauka polityczna jest jedynie jednym z ramion tej fałszywej nauki stworzonej dla kontroli mas — co ujawniło się w sposób szczególnie wyrazisty podczas pandemii COVID-19³, gdy dyskursy naukowe stały się nierzadko instrumentami legitymizacji politycznej.

René Guénon⁴ wskazywał już w Kryzysie świata nowoczesnego, że świat współczesny żyje pod znakiem symulakrum, gdzie wygoda i pozór zastępują prawdę. Benedict Anderson⁵ pokazał w Wspólnotach wyobrażonych, że naród jest konstruktem społecznym, wytworzonym i podtrzymywanym przez symbole i narracje. Eric Hobsbawm⁶ z kolei dowiódł, że wiele tradycji narodowych zostało wymyślonych, aby nadać legitymizację projektom politycznym i społecznym.

Nacjonalizm jest zatem niczym innym jak zbiegiem tych zjawisk: tradycji wymyślonej, imaginarium skonstruowanego i nauki zideologizowanej. Dopóki człowiek będzie poddany tym koncepcjom, nigdy nie osiągnie prawdy — fundamentu wolności. Zachowa jedynie to, co dogodne, lecz oderwane od rzeczywistości, aż wszystko stanie się próżne w oczach Boga.

Przypisy

  1. Carlos Drummond de Andrade używa określenia „niegaia nauka” (oryg. ingaia ciência) jako ironii wobec nauki, która zamiast wyjaśniać, maskuje rzeczywistość.

  2. Jürgen Habermas w Technika i nauka jako ideologia (1968) pokazuje, jak nauka i technika mogą być przechwycone przez systemy władzy i ideologii.

  3. Pandemia COVID-19 jasno ujawniła instrumentalizację dyskursów naukowych i statystycznych dla legitymizacji działań politycznych.

  4. René Guénon w Kryzysie świata nowoczesnego piętnuje utratę prawdy metafizycznej i hegemonię symulakrum.

  5. Benedict Anderson w Wspólnotach wyobrażonych argumentuje, że naród jest konstrukcją wyobrażoną, wspieraną przez symbole i narracje zbiorowe.

  6. Eric Hobsbawm i Terence Ranger w Wynalezieniu tradycji pokazują, jak narodowe tradycje były sztucznie tworzone dla podtrzymania projektów władzy.

Bibliografia

  • ANDERSON, Benedict. Wspólnoty wyobrażone: rozważania o źródłach i rozprzestrzenianiu się nacjonalizmu. Warszawa: Wydawnictwo Znak, 1997.

  • DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.

  • GUÉNON, René. Kryzys świata nowoczesnego. Warszawa: Wydawnictwo Aletheia, 2011.

  • HABERMAS, Jürgen. Technika i nauka jako ideologia. Warszawa: Wydawnictwo Naukowe PWN, 1983.

  • HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (red.). Wynalezienie tradycji. Kraków: Wydawnictwo Universitas, 2008.

Do nacionalismo como socialismo de nação

O nacionalismo, fundado no senso sistemático de tratar o país como se fosse uma religião — onde tudo está subordinado ao Estado e nada pode existir fora dele ou contra ele — é, em sua essência, um socialismo de nação. Como disse um bom português, trata-se de um sucialismo: quem se contamina nessas impurezas do branco assimila a ingaia ciência¹, expressão utilizada por Carlos Drummond de Andrade para designar o caráter ilusório e enganoso de uma ciência que se divorcia da verdade.

Essa “ingaia ciência” não se limita à política: estende-se também ao campo da ciência natural, quando esta é instrumentalizada por ideologias. Jürgen Habermas² já advertira que ciência e técnica, longe de se manterem neutras, frequentemente se colocam a serviço de interesses de poder. A ingaia ciência política é apenas um dos braços dessa falsa ciência erigida para o controle das massas — algo que se evidenciou de modo particularmente agudo durante a pandemia de COVID-19³, quando discursos científicos se tornaram, muitas vezes, instrumentos de legitimação política.

René Guénon⁴ já denunciava, em A Crise do Mundo Moderno, que o mundo contemporâneo vive sob o signo do simulacro, onde conveniências e aparências substituem a verdade. Benedict Anderson⁵ mostrou, em Comunidades Imaginadas, como a nação é um constructo social, fabricado e sustentado por símbolos e narrativas. Eric Hobsbawm⁶, por sua vez, demonstrou que muitas tradições nacionais foram inventadas para dar legitimidade a projetos políticos e sociais.

O nacionalismo, portanto, não é senão a confluência desses fenômenos: tradição inventada, imaginário fabricado e ciência instrumentalizada. Enquanto o homem se submeter a essas concepções, jamais alcançará a verdade — fundamento da liberdade. Preservará apenas o que é conveniente, dissociado da realidade, até que tudo se torne vazio aos olhos de Deus.

Notas

  1. Carlos Drummond de Andrade usa “ingaia ciência” como ironia à ciência que, longe de esclarecer, mascara a realidade.

  2. Jürgen Habermas, em Técnica e Ciência como Ideologia (1968), mostra como ciência e técnica podem ser capturadas por sistemas de poder e ideologia.

  3. A pandemia de COVID-19 revelou de maneira clara a instrumentalização de discursos científicos e estatísticos para legitimar medidas políticas.

  4. René Guénon, em A Crise do Mundo Moderno, denuncia a perda da verdade metafísica e a hegemonia do simulacro.

  5. Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas, argumenta que a nação é uma construção imaginária, sustentada por símbolos e narrativas coletivas.

  6. Eric Hobsbawm e Terence Ranger, em A Invenção das Tradições, demonstram como tradições nacionais foram criadas artificialmente para sustentar projetos de poder.

Bibliografia

  • ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

  • DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.

  • GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. São Paulo: Pensamento, 2001.

  • HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1997.

  • HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

O triângulo da estupidez: entre o conselho, a opinião e a medida alheia

Há momentos em nossa vida em que três experiências isoladas, quando vistas em perspectiva, revelam-se pontos de uma mesma figura. É o caso das circunstâncias que vivi em 2007, 2012 e 2025, cada uma envolvendo pessoas distintas, mas todas com um traço comum: a tentativa de me medir pela régua do outro.

Em 2007, um amigo, sem conhecer minha realidade, sugeriu-me que assumisse compromissos que não poderia sustentar. Segui seu conselho e paguei caro, pois percebi tarde demais que ele projetara em mim a sua própria capacidade. Já em 2012, no convívio com uma namorada, deparei-me com a insistência em opinar sobre o que eu dizia sem ter estudado as bases que sustentavam minha fala. Como discípulo do professor Olavo de Carvalho, sei o quanto cada palavra exige anos de preparo; ela, contudo, falava pelo gosto de opinar. E, mais recentemente, em 2024–2025, reencontrei uma antiga colega que, ao retomar contato, passou a me avaliar pelo padrão de vida do marido e pela régua europeia que lhe era familiar — mas nunca pela verdade da minha realidade.

Três tempos distintos, três pessoas diferentes, três circunstâncias sem relação direta entre si. Geometricamente, isso forma um triângulo escaleno: três lados desiguais, unidos apenas pelo fato de se encontrarem. E, no entanto, há um traço comum que os une mais do que parece: o hábito de conservar o que é conveniente, ainda que dissociado da verdade.

É aqui que se revela o perigo do conservantismo entendido como apego cego ao que é estável ou cômodo. O que nasce como triângulo escaleno, cheio de assimetrias e singularidades, é magicamente forçado a parecer equilátero. O erro, a opinião e a régua pessoal são colocados em pé de igualdade com a verdade, e assim se apaga a diferença entre o que deve ser preservado e o que deve ser descartado. O triângulo desigual é falsificado em símbolo de harmonia perfeita.

Não é à toa que este símbolo — o triângulo equilátero, de inspiração maçônica — foi incorporado à iconografia de Minas Gerais e, por extensão, ao imaginário nacional. Ele representa não a verdadeira ordem, mas uma simulação dela; não a liberdade, mas sua caricatura. A estrada que dele nasce é como um caminho andino: bela na paisagem, mas sem destino, sem chegada, sem finalidade.

O Brasil e a ilusão do equilátero

Essa tendência não é apenas pessoal: ela se projeta sobre a vida política, cultural e social do Brasil. O hábito de medir os outros pela própria régua — seja a régua do político, do burocrata, do magistrado ou do acadêmico — produziu um país onde a desigualdade real de situações e talentos é mascarada por discursos igualitaristas. O mesmo vício que encontrei em amigos e colegas é reproduzido em escala nacional: cada um tenta conservar o que lhe é conveniente, mesmo que isso sacrifique a verdade.

A política brasileira vive dessa simulação. Conservam-se privilégios sob o rótulo de “direitos adquiridos”, mantém-se um sistema judiciário emperrado sob o manto de “garantias”, preservam-se estruturas estatais obsoletas como se fossem “patrimônio nacional”. Tudo é escaleno, tudo é desigual, mas o discurso oficial transforma o caos em suposto equilátero, como se a nação fosse ordenada e harmônica.

Na cultura, o fenômeno não é diferente. As universidades repetem fórmulas ideológicas para manter a aparência de erudição, sem jamais se submeterem ao teste da verdade. Na mídia, opiniões são travestidas de fatos, e o imediatismo substitui o estudo sério e paciente. Na sociedade civil, conserva-se o hábito de reclamar e criticar, mas sem responsabilidade de transformar. Tudo isso forma o mesmo triângulo da estupidez: conservar o que é conveniente, ainda que falso, e desprezar a verdade porque ela exige esforço, dor e desigualdade.

O caminho da liberdade verdadeira

O resultado é um país aprisionado em símbolos vazios. A liberdade, proclamada em hinos e bandeiras, torna-se apenas uma promessa ilusória. A estrada da independência não conduz ao destino, mas serpenteia sem rumo, como um trilho abandonado nos Andes.

Romper esse ciclo exige coragem para afirmar que nem tudo é igual, que nem todos podem ser medidos pela mesma régua, que nem toda tradição deve ser conservada. A verdadeira liberdade só se ergue sobre a verdade — e a verdade, muitas vezes, é escalena, desigual, incômoda.

A tarefa, portanto, é rejeitar o falso equilátero e assumir o peso do escaleno: reconhecer que cada circunstância exige estudo, cada pessoa exige julgamento singular, cada decisão exige responsabilidade própria. Só assim poderemos resgatar o Brasil da ilusão que o paralisa e abrir, enfim, uma estrada que leve a algum lugar.

O cartão de crédito como ferramenta de venture capital pessoal: entre consumo, propriedade intelectual e segurança jurídica

Durante muito tempo, o cartão de crédito foi visto apenas como um instrumento de consumo, associado a dívidas e ao risco de endividamento. Contudo, em um cenário de maior maturidade financeira e consciência intelectual, ele pode se tornar uma verdadeira ferramenta de investimento — um venture capital pessoal, fundado em disciplina, segurança jurídica e inteligência econômica. 

Do consumo ao capital intelectual

Livros, filmes, jogos e outros bens culturais, quando adquiridos de maneira consciente, deixam de ser simples despesas e passam a constituir matéria-prima para a construção de ativos intelectuais. A digitalização de livros, o backup de DVDs ou a preservação de jogos antigos não são apenas atos de conservação pessoal, mas podem se transformar em bases de projetos econômicos organizados. O diferencial está na organização: ao catalogar, preservar e reinterpretar esses conteúdos, cria-se capital intelectual que pode ser monetizado em diferentes frentes — da produção de ensaios e críticas à criação de cursos, clubes de leitura ou projetos de curadoria digital.

O papel da segurança jurídica

Para que esse processo se torne uma verdadeira "aventura segura", é fundamental observar as regras do direito autoral. O direito, entendido como arte de garantir a segurança jurídica, é o que confere legitimidade às iniciativas. Assim, atividades que respeitam os limites da lei — como uso pessoal, resenhas críticas, comentários, curadorias e análises — transformam o consumo em oportunidade. Ao alinhar práticas criativas com respeito legal, evita-se o risco de litígios e cria-se uma base sólida para empreendimentos sustentáveis.

Cartão de Crédito como ferramenta de alavancagem 

O cartão de crédito, usado de maneira responsável, permite antecipar despesas estratégicas, convertendo pontos e milhas em recursos financeiros adicionais. Quando aliado à organização intelectual do consumo, ele se torna uma ferramenta de alavancagem que financia o acúmulo de capital cultural. A cada gasto planejado, o consumidor pode gerar valor tanto material (cashback, milhas) quanto imaterial (acervo, conhecimento, conteúdo). É, portanto, um empréstimo de oportunidade sem risco, desde que a fatura seja quitada integralmente. 

Venture Capital Pessoal

O conceito de venture capital, tradicionalmente ligado a startups, ganha aqui um sentido ampliado: trata-se da aposta em ideias pessoais que, organizadas e juridicamente protegidas, podem gerar frutos econômicos. O consumo consciente — orientado pelas necessidades reais da casa e do intelecto — torna-se investimento, cujo retorno pode vir em forma de renda, reputação ou liberdade financeira. O cartão de crédito, nesse contexto, é apenas a ponte entre a necessidade presente e o capital intelectual futuro.

Os cinco efeitos da propriedade segundo Hernando de Soto

Essa dinâmica se alinha diretamente aos cinco efeitos da propriedade descritos por Hernando de Soto em O Mistério do Capital:

  1. Fixação dos bens do ativo – através da construção de catálogos, backlogs e antibibliotecas, os bens intelectuais se tornam parte de um patrimônio organizado.

  2. Fungibilidade dos bens do ativo – um livro físico, por exemplo, pode ser digitalizado e transformado em e-book, preservando o investimento e liberando o exemplar físico para venda ou troca.

  3. Proteção das transações – observando-se o direito autoral, a segurança jurídica atua como guardiã, permitindo que novas atividades econômicas surjam com legitimidade.

  4. Cultura de responsabilidade – ao transformar necessidades reais em liberdade, evita-se cair na busca incessante da sobrevivência fisiológica, que é a causa da pirataria, que por sua vez, aponta para a gula incessante de um governo corrupto e perdulário, que não se sacia em tomar a liberdade e todo o dinheiro da população para junto de suas mãos totalitárias.

  5. Integração entre as pessoas – ao conhecer as necessidades dos outros, é possível oferecer soluções adequadas, transformando a sociabilidade em uma atividade empreendedora pura.

Conclusão

Transformar consumo em investimento exige disciplina, clareza de propósito e respeito ao direito. Livros, filmes e jogos, quando tratados como ativos intelectuais, permitem que cada despesa se converta em semente de uma aventura segura — uma venture pessoal fundada na arte da segurança jurídica. O cartão de crédito deixa, assim, de ser um custo para se tornar a ferramenta estratégica de um empreendimento de si mesmo, no qual a liberdade se funda na verdade, na prudência econômica e nos efeitos legítimos da propriedade.