Durante décadas, a universidade brasileira foi entendida como o espaço por excelência da formação intelectual, da pesquisa científica e da criação de contatos profissionais. Para muitos pais e professores, a ideia de que “na universidade você aprende a ser autodidata” era verdadeira, mas apenas dentro de um contexto histórico específico: quando os livros eram escassos, o acesso à informação era restrito e a vida acadêmica oferecia não só conhecimento, mas também prestígio social e capital simbólico.
O passado: quando a universidade era indispensável
Antes da expansão da internet, o estudante dependia fortemente da estrutura universitária para aprender. Professores, bibliotecas, seminários e grupos de estudo eram os principais meios de acesso ao saber. Além disso, os contatos feitos dentro do campus eram fundamentais para abrir portas profissionais. Na prática, ser autodidata dentro da universidade significava aprender a pesquisar sozinho, mas ainda dentro de um ambiente fechado, limitado e mediado pela instituição.
Essa mesma universidade, no entanto, trazia consigo um problema: a pressão ideológica. Para quem não se enquadrava na mentalidade dominante, sobretudo em contextos de hegemonia marxista ou progressista, a vida acadêmica podia significar não apenas aprendizado, mas também isolamento, frustração e depressão. Muitos suportavam esse peso apenas para obter o diploma, indispensável para conquistar empregos e reconhecimento social.
O presente: a revolução digital do autodidatismo
O cenário atual é radicalmente diferente. Com as redes sociais, plataformas de ensino online e a inteligência artificial, o autodidatismo deixou de ser uma habilidade aprendida apenas dentro da universidade para se tornar um caminho acessível a qualquer pessoa com disciplina e curiosidade.
Hoje, é possível:
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Estudar múltiplas línguas com contato direto com nativos via internet;
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Participar de comunidades globais de interesse, sem precisar viajar;
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Acessar gratuitamente bibliotecas digitais, cursos de universidades de elite e palestras;
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Utilizar ferramentas de inteligência artificial para organizar estudos, revisar textos, traduzir conteúdos e ampliar horizontes de forma personalizada.
Além disso, o capital social, antes restrito ao ambiente acadêmico, pode ser construído em redes digitais. Amigos, parceiros de pesquisa, colaboradores de projetos e até oportunidades de trabalho podem surgir de conexões feitas no mundo online — algo que, no passado, seria impensável fora da universidade.
O preço da liberdade digital
Essa mudança, no entanto, não elimina os desafios. Se antes o preço era a submissão ao ambiente ideológico e à estrutura rígida da universidade, hoje o preço está na necessidade de discernimento: filtrar informações, fugir da dispersão e construir um caminho sólido em meio ao excesso de dados e às distrações.
Em contrapartida, o benefício é evidente: não é mais necessário se sujeitar a ambientes hostis ou gastar fortunas em remédios e paliativos emocionais para suportar a pressão de um sistema acadêmico fechado. O autodidata digital pode criar sua própria comunidade de aprendizado, em conformidade com seus valores e objetivos, sem abrir mão da liberdade interior.
Conclusão
A frase de que “a universidade ensina a ser autodidata” só permanece verdadeira se for reinterpretada à luz da realidade atual. Hoje, a verdadeira universidade é a soma das conexões certas, dos amigos adequados e da disciplina no uso das ferramentas digitais. Para quem sabe trilhar esse caminho, o aprendizado não conhece fronteiras — nem geográficas, nem ideológicas.
Bibliografia
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