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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

O jusnaturalismo contra a pureza metodológica de Kelsen e o fechamento categórico de Gustavo Bueno

Introdução

A Teoria Pura do Direito, desenvolvida por Hans Kelsen, e a Teoria do Fechamento Categórico, formulada por Gustavo Bueno, compartilham um princípio metodológico fundamental: ambas buscam delimitar seus respectivos campos de estudo dentro de sistemas fechados, evitando influências externas, como a moral, a política e a metafísica. Para um jusnaturalista, essa abordagem metodológica apresenta sérios problemas, pois ignora a necessidade de uma fundamentação objetiva e transcendente do Direito.

O presente artigo visa analisar as conexões entre as teorias de Kelsen e Bueno, destacando suas semelhanças metodológicas e apontando as críticas que um jusnaturalista pode apresentar contra essa visão restritiva do Direito e do conhecimento.

1. A Teoria do Fechamento Categórico

A Teoria do Fechamento Categórico (TFC) de Gustavo Bueno postula que cada ciência opera dentro de um conjunto fechado de categorias que garantem sua autonomia epistemológica. Segundo essa visão, o conhecimento dentro de um campo específico só pode ser validado pelas próprias regras internas desse campo, sem recorrer a elementos externos.

Assim, para Bueno, o conhecimento científico não pode ser reduzido a outras áreas, como a metafísica ou a ética. Esse princípio busca garantir a pureza metodológica das ciências, tornando-as autossuficientes e delimitadas dentro de seus próprios critérios de verdade e validade.

1.1 Aplicação ao Direito

Se aplicarmos essa visão ao Direito, teríamos uma concepção jurídica autônoma, onde o sistema normativo se fecha em si mesmo, sem recorrer a princípios morais ou políticos para validar suas normas. Essa perspectiva se assemelha fortemente à proposta de Kelsen na Teoria Pura do Direito.

2. A Teoria Pura do Direito de Kelsen

Hans Kelsen, ao formular a Teoria Pura do Direito, pretendia criar uma ciência jurídica livre de influências externas, como a política, a moral ou a sociologia. Para ele, o Direito deveria ser compreendido exclusivamente como um sistema normativo fechado, cuja validade das normas depende apenas da sua conformidade com normas superiores dentro do próprio ordenamento jurídico.

Assim, a famosa "norma fundamental" de Kelsen (Grundnorm) funciona como um axioma lógico que permite a construção do sistema jurídico sem necessidade de justificações metafísicas ou morais.

2.1 Semelhança com o Fechamento Categórico

A concepção de Kelsen é estruturalmente similar à de Bueno, pois ambos propõem um modelo epistemológico em que o conhecimento (no caso de Bueno) e o Direito (no caso de Kelsen) operam dentro de um sistema fechado, validando-se por regras internas sem necessidade de recorrer a fundamentos exteriores.

3. Críticas Jusnaturalistas

Para um jusnaturalista, essa abordagem metodológica apresenta sérios problemas:

3.1 O Direito não pode ser um sistema fechado

O jusnaturalismo sustenta que o Direito deve estar ancorado em princípios universais e objetivos, baseados na natureza humana e na ordem moral. A concepção kelseniana, ao fechar o Direito dentro de um sistema normativo autossuficiente, ignora essa dimensão fundamental.

Da mesma forma, a Teoria do Fechamento Categórico pode ser criticada por excluir a possibilidade de um fundamento ontológico para o conhecimento, reduzindo a verdade a um critério puramente operacional dentro de cada ciência.

3.2 O Positivismo Jurídico como Reducionismo

A tentativa de Kelsen de separar o Direito da moral resulta em um reducionismo que compromete a própria função do Direito como um meio de garantir a justiça. Se o Direito não se fundamenta em uma ordem objetiva de valores, ele se torna apenas um instrumento de poder, sujeito a arbitrariedades.

Bueno comete um erro semelhante ao tentar encapsular cada ciência dentro de um sistema fechado, ignorando a interconexão entre diferentes campos do conhecimento e sua relação com a realidade objetiva.

3.3 A Relação entre Normatividade e Moralidade

Se aceitarmos a concepção de Kelsen, não há um critério externo para julgar a justiça das normas jurídicas, o que pode levar a um relativismo perigoso. O jusnaturalismo argumenta que as normas jurídicas devem estar subordinadas a princípios morais universais, garantindo que a lei não seja apenas válida, mas também justa.

Da mesma forma, no campo epistemológico, a visão de Bueno pode ser desafiada ao se questionar se um sistema fechado de categorias pode realmente esgotar a totalidade da realidade sem um princípio transcendente que o unifique.

4. Refutação Jusnaturalista

O jusnaturalismo pode oferecer uma resposta contundente tanto para Kelsen quanto para Bueno ao demonstrar que:

  1. O Direito não é meramente um sistema normativo fechado, mas sim uma ordem que deve estar fundamentada em princípios objetivos de justiça.

  2. O conhecimento não pode ser reduzido a categorias operacionais fechadas, pois há uma unidade subjacente à realidade que transcende as divisões metodológicas arbitrárias.

  3. A moral e a metafísica não são meras construções subjetivas ou externas, mas sim fundamentos essenciais tanto para a ciência quanto para o Direito.

Conclusão

A tentativa de Kelsen de criar uma teoria pura do Direito e a proposta de Gustavo Bueno de estabelecer o fechamento categorial compartilham uma visão metodológica comum, mas apresentam limitações severas quando analisadas sob a perspectiva do jusnaturalismo. Ambas as teorias falham ao excluir princípios objetivos e transcendentais que são essenciais para a compreensão tanto do Direito quanto do conhecimento humano.

Para um jusnaturalista, o Direito deve ser visto como uma expressão da ordem moral natural, e o conhecimento não pode ser rigidamente delimitado por categorias arbitrárias. Assim, tanto Kelsen quanto Bueno acabam promovendo uma visão reducionista que ignora a complexidade e a interconexão entre o Direito, a moral e a verdade.

Bibliografia

  • BUENO, Gustavo. Ensayos materialistas. Taurus, 1972.

  • BUENO, Gustavo. Teoría del cierre categorial. Pentalfa, 1992.

  • KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1998.

  • BAWERK, Eugen von. Karl Marx and the close of his system. 1896.

  • MARITAIN, Jacques. Os Direitos do Homem e a Lei Natural. Edições Loyola, 2005.

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