Introdução
A Teoria Pura do Direito, desenvolvida por Hans Kelsen, e a Teoria do Fechamento Categórico, formulada por Gustavo Bueno, compartilham um princípio metodológico fundamental: ambas buscam delimitar seus respectivos campos de estudo dentro de sistemas fechados, evitando influências externas, como a moral, a política e a metafísica. Para um jusnaturalista, essa abordagem metodológica apresenta sérios problemas, pois ignora a necessidade de uma fundamentação objetiva e transcendente do Direito.
O presente artigo visa analisar as conexões entre as teorias de Kelsen e Bueno, destacando suas semelhanças metodológicas e apontando as críticas que um jusnaturalista pode apresentar contra essa visão restritiva do Direito e do conhecimento.
1. A Teoria do Fechamento Categórico
A Teoria do Fechamento Categórico (TFC) de Gustavo Bueno postula que cada ciência opera dentro de um conjunto fechado de categorias que garantem sua autonomia epistemológica. Segundo essa visão, o conhecimento dentro de um campo específico só pode ser validado pelas próprias regras internas desse campo, sem recorrer a elementos externos.
Assim, para Bueno, o conhecimento científico não pode ser reduzido a outras áreas, como a metafísica ou a ética. Esse princípio busca garantir a pureza metodológica das ciências, tornando-as autossuficientes e delimitadas dentro de seus próprios critérios de verdade e validade.
1.1 Aplicação ao Direito
Se aplicarmos essa visão ao Direito, teríamos uma concepção jurídica autônoma, onde o sistema normativo se fecha em si mesmo, sem recorrer a princípios morais ou políticos para validar suas normas. Essa perspectiva se assemelha fortemente à proposta de Kelsen na Teoria Pura do Direito.
2. A Teoria Pura do Direito de Kelsen
Hans Kelsen, ao formular a Teoria Pura do Direito, pretendia criar uma ciência jurídica livre de influências externas, como a política, a moral ou a sociologia. Para ele, o Direito deveria ser compreendido exclusivamente como um sistema normativo fechado, cuja validade das normas depende apenas da sua conformidade com normas superiores dentro do próprio ordenamento jurídico.
Assim, a famosa "norma fundamental" de Kelsen (Grundnorm) funciona como um axioma lógico que permite a construção do sistema jurídico sem necessidade de justificações metafísicas ou morais.
2.1 Semelhança com o Fechamento Categórico
A concepção de Kelsen é estruturalmente similar à de Bueno, pois ambos propõem um modelo epistemológico em que o conhecimento (no caso de Bueno) e o Direito (no caso de Kelsen) operam dentro de um sistema fechado, validando-se por regras internas sem necessidade de recorrer a fundamentos exteriores.
3. Críticas Jusnaturalistas
Para um jusnaturalista, essa abordagem metodológica apresenta sérios problemas:
3.1 O Direito não pode ser um sistema fechado
O jusnaturalismo sustenta que o Direito deve estar ancorado em princípios universais e objetivos, baseados na natureza humana e na ordem moral. A concepção kelseniana, ao fechar o Direito dentro de um sistema normativo autossuficiente, ignora essa dimensão fundamental.
Da mesma forma, a Teoria do Fechamento Categórico pode ser criticada por excluir a possibilidade de um fundamento ontológico para o conhecimento, reduzindo a verdade a um critério puramente operacional dentro de cada ciência.
3.2 O Positivismo Jurídico como Reducionismo
A tentativa de Kelsen de separar o Direito da moral resulta em um reducionismo que compromete a própria função do Direito como um meio de garantir a justiça. Se o Direito não se fundamenta em uma ordem objetiva de valores, ele se torna apenas um instrumento de poder, sujeito a arbitrariedades.
Bueno comete um erro semelhante ao tentar encapsular cada ciência dentro de um sistema fechado, ignorando a interconexão entre diferentes campos do conhecimento e sua relação com a realidade objetiva.
3.3 A Relação entre Normatividade e Moralidade
Se aceitarmos a concepção de Kelsen, não há um critério externo para julgar a justiça das normas jurídicas, o que pode levar a um relativismo perigoso. O jusnaturalismo argumenta que as normas jurídicas devem estar subordinadas a princípios morais universais, garantindo que a lei não seja apenas válida, mas também justa.
Da mesma forma, no campo epistemológico, a visão de Bueno pode ser desafiada ao se questionar se um sistema fechado de categorias pode realmente esgotar a totalidade da realidade sem um princípio transcendente que o unifique.
4. Refutação Jusnaturalista
O jusnaturalismo pode oferecer uma resposta contundente tanto para Kelsen quanto para Bueno ao demonstrar que:
O Direito não é meramente um sistema normativo fechado, mas sim uma ordem que deve estar fundamentada em princípios objetivos de justiça.
O conhecimento não pode ser reduzido a categorias operacionais fechadas, pois há uma unidade subjacente à realidade que transcende as divisões metodológicas arbitrárias.
A moral e a metafísica não são meras construções subjetivas ou externas, mas sim fundamentos essenciais tanto para a ciência quanto para o Direito.
Conclusão
A tentativa de Kelsen de criar uma teoria pura do Direito e a proposta de Gustavo Bueno de estabelecer o fechamento categorial compartilham uma visão metodológica comum, mas apresentam limitações severas quando analisadas sob a perspectiva do jusnaturalismo. Ambas as teorias falham ao excluir princípios objetivos e transcendentais que são essenciais para a compreensão tanto do Direito quanto do conhecimento humano.
Para um jusnaturalista, o Direito deve ser visto como uma expressão da ordem moral natural, e o conhecimento não pode ser rigidamente delimitado por categorias arbitrárias. Assim, tanto Kelsen quanto Bueno acabam promovendo uma visão reducionista que ignora a complexidade e a interconexão entre o Direito, a moral e a verdade.
Bibliografia
BUENO, Gustavo. Ensayos materialistas. Taurus, 1972.
BUENO, Gustavo. Teoría del cierre categorial. Pentalfa, 1992.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1998.
BAWERK, Eugen von. Karl Marx and the close of his system. 1896.
MARITAIN, Jacques. Os Direitos do Homem e a Lei Natural. Edições Loyola, 2005.
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