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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Sobre as duas naturezas geopolíticas da Inglaterra

A Inglaterra é frequentemente definida, na geopolítica mundial, como um poder marítimo. Sua localização insular no Atlântico Norte, aliada à tradição naval que se consolidou desde o século XVI, reforça sua identidade de potência voltada para o comércio e a projeção no mar. Entretanto, quando analisada sob a ótica da geopolítica continental, a Inglaterra pode ser entendida como um subcontinente em miniatura, funcionando como um verdadeiro laboratório de experiências geopolíticas continentais.

Essa perspectiva encontra respaldo na teoria do Heartland de Halford Mackinder, que aponta a importância estratégica do controle de territórios centrais para o domínio global. Embora a Inglaterra não esteja situada no Heartland eurasiático, ela demonstrou, historicamente, capacidade de influenciar diretamente dinâmicas continentais por meio de sua economia industrial, de sua diplomacia e de sua capacidade de projetar poder de forma indireta. O desenvolvimento industrial, tanto na Primeira Revolução Industrial quanto na Segunda Revolução Industrial, comprova essa característica híbrida: um país insular capaz de implementar experiências sociais, econômicas e tecnológicas que em outros contextos exigiriam um território continental maior.

Nesse sentido, a Inglaterra possui duas naturezas geopolíticas. Por um lado, é isolada, mas não completamente — sua insularidade oferece segurança natural, mas não limita suas influências externas. Por outro, transcende a categoria geográfica de ilha. Como observou Frederick Jackson Turner, em sua análise do frontier norte-americano, as fronteiras — e mesmo a ausência delas — são fatores cruciais na formação de caráter nacional e na inovação institucional. Na Inglaterra, o frontier não é físico, mas conceitual: trata-se da capacidade de superar sua condição insular, ampliando horizontes geopolíticos e experimentando dinâmicas continentais em escala reduzida.

O caráter híbrido da Inglaterra é evidenciado em vários planos:

  1. Industrial e econômico: cidades como Manchester e Birmingham funcionaram como laboratórios de inovação tecnológica e organizacional, antecipando padrões que mais tarde se espalhariam por grandes territórios continentais.

  2. Estratégico e militar: embora a defesa natural das ilhas proporcionasse segurança, a Inglaterra manteve forte presença em continentes vizinhos e em colônias, influenciando conflitos europeus sem depender de controle territorial contínuo.

  3. Cultural e científico: a produção cultural e intelectual inglesa, de Shakespeare a Newton, mostra como um espaço relativamente pequeno pode irradiar influência global, modelo que se replicaria em estratégias geopolíticas e comerciais.

Dessa forma, a Inglaterra representa um espaço híbrido, onde o poder marítimo e o potencial continental se interseccionam. Esse equilíbrio permitiu que o país experimentasse fenômenos típicos de grandes continentes, mas em um território limitado, consolidando sua posição como um laboratório singular da história geopolítica mundial.

Bibliografia sugerida:

  • Mackinder, Halford. The Geographical Pivot of History. London: Royal Geographical Society, 1904.

  • Turner, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Holt, 1920.

  • Landes, David S. The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor. New York: W.W. Norton, 1998.

  • Hobsbawm, Eric. The Age of Revolution: Europe 1789–1848. London: Weidenfeld & Nicolson, 1962.

  • Parker, Geoffrey. The Military Revolution: Military Innovation and the Rise of the West, 1500–1800. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

A Inglaterra como subcontinente: geopolítica, industrialização e a teoria de Mackinder

Resumo: 

Este artigo propõe uma reflexão sobre a Inglaterra não apenas como uma ilha, mas como um subcontinente europeu, com implicações significativas para sua evolução econômica, cultural e estratégica. A análise destaca a importância das ferrovias no processo de industrialização e na formulação da teoria geopolítica de Halford Mackinder.

Introdução

A concepção tradicional da Inglaterra como uma ilha pode limitar a compreensão de seu papel histórico e estratégico. Ao considerá-la como um subcontinente, é possível perceber uma dinâmica mais complexa de integração econômica, cultural e política, que transcende as fronteiras nacionais. 

A Inglaterra como subcontinente

A Inglaterra, com sua densa rede de cidades e infraestrutura, funcionou como um centro de inovação e produção. A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, transformou a região em uma potência econômica, aproveitando recursos naturais e humanos para impulsionar o crescimento industrial.

A ferrovia como elemento de integração

As ferrovias desempenharam um papel crucial na integração do território inglês, conectando regiões diversas e facilitando o fluxo de mercadorias e pessoas. Esse sistema de transporte não apenas impulsionou a economia, mas também consolidou a ideia de uma unidade territorial coesa .

A teoria de Mackinder e a expansão continental

Halford Mackinder, geógrafo britânico, desenvolveu a teoria do "Heartland", que enfatizava a importância estratégica da região central da Eurásia. A expansão das ferrovias na Inglaterra e na Europa continental influenciou sua formulação teórica, destacando a relevância do controle territorial para o domínio global.

Conclusão

A análise da Inglaterra como um subcontinente oferece uma perspectiva enriquecedora sobre sua evolução histórica e estratégica. A interconexão entre território, economia e geopolítica revela a complexidade das dinâmicas regionais e sua influência no cenário global.

Referências Bibliográficas:

  • Mackinder, H. J. (1904). The Geographical Pivot of History. The Geographical Journal, 23(4), 421–437.

  • Mackinder, H. J. (1919). Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruction. National Defense University Press.

  • Mackinder, H. J. (1943). The Round World and the Winning of the Peace. Foreign Affairs.

  • Wikipedia contributors. (2023, October 13). The Forgotten Heartland: Africa, Mackinder, and Great Power Competition. Global Policy Journal. https://www.globalpolicyjournal.com/blog/13/10/2022/forgotten-heartland-africa-mackinder-and-great-power-competition

O Brasil: Colonização, Povoamento, Comércio e Geopolítica

A história do Brasil revela uma complexa interação entre colonização, povoamento, comércio e fatores geopolíticos, que se desenvolveu desde a ocupação inicial até a modernidade. Uma leitura integrada desses elementos permite compreender não apenas o crescimento territorial e econômico do país, mas também sua singularidade cultural e política.

1. Colonização como ato de lavar a terra

O padre Rafael Bluteau, em seu dicionário, define colônia como o ato de lavrar a terra1. Esta definição aponta para o caráter produtivo e territorial da colonização: o objetivo inicial não era apenas administrar territórios, mas torná-los férteis e economicamente ativos. A colonização do Brasil, nesse sentido, começou como um projeto de ocupação e produção agrícola, fundamentado na exploração racional do território.

2. Povoamento como filosofia de governo

D. Pedro II sintetizou sua visão política em uma máxima: “governar é povoar”2. Para o imperador, a consolidação do território brasileiro dependia da ocupação efetiva e do estímulo à imigração e ao assentamento. Povoar não era apenas um ato administrativo, mas uma estratégia de integração nacional, de civilização e de consolidação do poder.

3. Estradas e modernização na República Velha

Na República Velha, a filosofia de governo passou a enfatizar a infraestrutura: “governar é abrir estradas”3. O foco deixou de ser exclusivamente o povoamento, priorizando a interligação do território e a integração econômica. Estradas viabilizavam o transporte de produtos, a comunicação entre regiões e a consolidação do mercado interno, aproximando o Brasil colonial das novas demandas de uma economia em modernização.

4. Imigração libanesa e o comércio interior

D. Pedro II trouxe libaneses para o Brasil, que carregavam consigo uma tradição mercantil profundamente enraizada4. Essa cultura de comércio, combinada com o tropeirismo colonial, fez desses imigrantes os “navios do sertão” — uma metáfora que remete aos árabes, conhecidos como “navios do deserto”5. Eles conectaram regiões interiores ao litoral, facilitando o fluxo de mercadorias e consolidando redes comerciais que atravessavam o país.

5. A geopolítica brasileira: marítima e continental

O professor Heni Ozi Cukier, conhecido como Professor HOC, questiona se o Brasil é essencialmente marítimo ou continental[^6]. A experiência histórica sugere que o país possui elementos de ambas as geopolíticas. Quando Cristo enviou os portugueses a terras distantes, criou-se uma geopolítica híbrida, que equipara o continentalismo de Mackinder com o domínio marítimo defendido por Mahan e Spykman[^7]. Assim, o Brasil tem potencial para integrar seu vasto território continental com sua extensa costa atlântica, desenvolvendo uma estratégia geopolítica única.

6. Herança portuguesa e fatores democráticos

Jaime Cortesão ressaltou os fatores democráticos na formação de Portugal8, mostrando que o país desenvolveu, mesmo sob monarquia, práticas de participação e auto-organização. Tito Lívio Ferreira, ao afirmar que o Brasil não foi colônia, sugere que o país se tornou uma “nova espécie de Portugal”9. Essa interpretação aponta para a singularidade brasileira: o país adaptou tradições portuguesas a suas próprias condições geográficas, sociais e econômicas, incorporando elementos democráticos, comerciais e geopolíticos próprios.

Conclusão

A trajetória histórica do Brasil revela uma constante interação entre colonização, povoamento, comércio e geopolítica. Do ato de lavrar a terra à construção de estradas, da imigração mercantil ao equilíbrio entre geopolíticas continentais e marítimas, o país se tornou uma síntese singular das tradições portuguesas e das demandas locais. Reconhecer essa complexidade é essencial para compreender a formação histórica, cultural e estratégica do Brasil.

Bibliografia

  1. BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Portuguez e Latino. Lisboa, 1712.

  2. CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: Ser e Poder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

  3. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2013.

  4. LEMOS, Maria de Lourdes. Imigração Libanesa no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1998.

  5. FERNANDES, Flávio. Tropeirismo e Comércio Interior no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2005.

  6. HENI OZI CUKIER (Professor HOC). Canal Professor HOC. Disponível em: https://www.youtube.com/c/ProfessorHOC.

  7. MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. Boston, 1890; SPYKMAN, Nicholas. America’s Strategy in World Politics, 1942; MACKINDER, Halford. The Geographical Pivot of History, 1904.

  8. CORTESÃO, Jaime. Os Factores Democráticos na Formação de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1930; reedição 1974.

  9. FERREIRA, Tito Lívio. O Brasil não foi Colônia (palestra proferida em Lisboa, anos 1950; publicada posteriormente em opúsculo).

Antes de abrir o próprio negócio, o segredo é empreender no CNPJ de terceiros

A narrativa comum que circula na internet é simples: estude, forme-se, abra um negócio e enriqueça. Mas a realidade costuma ser bem mais dura. Antes de arriscar capital, tempo e energia em um CNPJ próprio, o caminho mais inteligente é empreender no CNPJ de terceiros. Isso não significa ser um mero funcionário, mas sim usar o espaço de trabalho alheio como um laboratório para desenvolver habilidades, testar ideias e, principalmente, aprender a servir.

Servir como pré-condição para empreender

Um ponto fundamental, muitas vezes esquecido, é que o verdadeiro empreendedorismo nasce do serviço. E não se trata de servir em qualquer lugar: é preciso escolher ambientes onde os que recebem o seu serviço amam e rejeitam as mesmas coisas que você. Em outras palavras, o ambiente empresarial precisa compartilhar os mesmos princípios que orientam sua vida.

Esse alinhamento evita frustrações e desperdícios. Quando você serve em um espaço que respeita e vive valores semelhantes aos seus, cada tarefa ganha sentido e cada problema se transforma em aprendizado real. O que se constrói aí não é apenas experiência técnica, mas também comunhão, lealdade e cultura de trabalho.

Aprender com os problemas alheios

Empreender no CNPJ de terceiros é também observar de perto os problemas que toda empresa carrega: falhas de gestão, dificuldades logísticas, barreiras comerciais, erros de comunicação. Cada vez que você participa da solução desses problemas, aprende sem pagar o preço total do risco. É como se recebesse um salário para estudar casos reais de mercado — algo que livros ou cursos não conseguem oferecer com a mesma intensidade.

Construção de habilidades e reputação

Esse período de aprendizagem não é passivo. Ao contrário: você empreende dentro do espaço alheio ao criar soluções, propor melhorias e se destacar em pequenas responsabilidades. Aos poucos, forma uma reputação: sua imagem e sua rede de contatos passam a enxergá-lo como alguém capaz de entregar valor. Essa reputação, somada às habilidades adquiridas, será o verdadeiro capital inicial quando chegar o momento de lançar seu próprio negócio.

A lógica do “empreender em escala”

Depois de servir, aprender e testar, chega a hora de identificar os 20% das atividades que realmente geram 80% dos resultados. Só então faz sentido abrir um CNPJ próprio, ampliando em escala aquilo que já deu certo no ambiente do outro. Nesse ponto, o risco é menor, pois você não entra no mercado às cegas: já conhece as falhas, já validou soluções, já construiu credibilidade.

Conclusão

Antes de abrir o próprio negócio, o segredo está em empreender no CNPJ de terceiros. Isso exige humildade para servir, discernimento para escolher os ambientes certos e coragem para colocar as próprias mãos na massa. Quem aprende a amar e a rejeitar junto com os que o acolhem nesse período, constrói não apenas experiência profissional, mas também a base moral e cultural necessária para sustentar um empreendimento sólido e duradouro.

Bibliografia de Apoio

  • Belloc, Hilaire. O Estado Servil. Lisboa: Resistência, 2019.
    → Fundamenta a crítica à concentração de poderes econômicos e à servidão moderna, mostrando como a estrutura empresarial pode escravizar ou libertar.

  • Dalio, Ray. Princípios. São Paulo: Intrínseca, 2018.
    → A noção de “encontrar o seu jogo” e desenvolver processos de decisão sólidos é essencial para empreender com clareza e propósito.

  • Drucker, Peter. Inovação e Espírito Empreendedor. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
    → Apresenta a ideia de que o empreendedor aprende primeiro a servir e a resolver problemas reais antes de expandir sua atuação.

  • Santo Agostinho. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos. São Paulo: Paulus, 2008.
    → A visão de que servir é um ato fundante da vida cristã, que dá sentido à ação humana, inclusive nos negócios.

  • Leão XIII. Rerum Novarum (1891).
    → Encíclica que trata do trabalho, do capital e da justiça social, afirmando que o capital é fruto da santificação pelo estudo e pelo labor honesto ao longo do tempo.

  • Royce, Josiah. A Filosofia da Lealdade. São Paulo: É Realizações, 2010.
    → A lealdade como princípio que vincula o indivíduo a uma causa maior, base moral que sustenta tanto a vida quanto os empreendimentos.

Colonialismo, Estado Servil e o verdadeiro sentido de colônia

É comum encontrar, em análises apressadas sobre a história moderna, a afirmação de que Portugal e Espanha foram exemplos claros de como o colonialismo concentrou riquezas em poucas mãos, deixando o povo à margem. Essa narrativa, repetida como um chavão, encontra eco em discursos contemporâneos que reduzem a complexidade do passado à explicação simplista de que “a Europa só enriqueceu porque saqueou suas colônias”.

No entanto, essa exposição demonstra não apenas desconhecimento sobre a história ibérica, mas também a incapacidade de identificar as causas mais profundas da concentração dos poderes de usar, gozar e dispor dos bens da vida em poucas mãos.

O Estado Servil e a engenharia da concentração

Hilaire Belloc, em sua obra O Estado Servil, mostrou que a grande causa da exclusão do trabalhador europeu do direito de usar, gozar e dispor dos bens não foi o colonialismo em si, mas a transformação das estruturas sociais feita pela maçonaria. Esta, ao longo dos séculos XVIII e XIX, consolidou um sistema em que a massa produtiva permanecia presa a uma servidão moderna, privada do acesso à propriedade.

Assim, o problema não está simplesmente no “lucro do colonialismo”, mas na lógica do Estado Servil, que retirava dos trabalhadores a liberdade de serem proprietários. Foi essa engenharia social que perpetuou desigualdades e fez com que nem mesmo impérios coloniais vastíssimos, como os de Portugal e Espanha, se traduzissem em prosperidade para seus povos.

O verdadeiro significado de “colônia”

Outro ponto ignorado pelos críticos superficiais é o próprio sentido da palavra colônia. Rafael Bluteau, em seu dicionário, definiu colônia como o ato de lavrar a terra. A colonização, portanto, não se resume a uma relação de domínio metropolitano sobre territórios ultramarinos, mas ao trabalho concreto de tornar terras produtivas.

Essa compreensão altera radicalmente a forma de analisar o Brasil. O Império brasileiro, ao atrair agricultores de diferentes nações, promoveu um movimento de colonização agrícola efetiva. Em vez de ser mera exploração, o Brasil foi palco de um processo de cultivo, produção e integração de imigrantes ao tecido econômico, o que gerou riqueza para muitos.

O Brasil: do Império ao agronegócio

Enquanto Portugal e Espanha viam suas riquezas coloniais concentradas em elites servis ao Estado maçonizado, o Brasil trilhou um caminho distinto. A chegada de colonos agricultores e o aproveitamento da vocação agrícola do território criaram bases para uma economia sólida.

Essa tradição encontrou continuidade no século XX, especialmente durante o regime militar, com a atuação de Alysson Paulinelli. À frente do Ministério da Agricultura, Paulinelli:

  • estruturou a Embrapa, investindo em pesquisa agropecuária;

  • incentivou a expansão da fronteira agrícola para o Cerrado;

  • fortaleceu políticas de crédito e apoio ao produtor rural.

Graças a esse esforço, o Brasil se tornou potência agrícola mundial, herdeira direta da lógica de colonização que sempre privilegiou o trabalho da terra como fonte de riqueza.

Conclusão: entre o mito e a realidade

A crítica ao colonialismo europeu, quando feita de forma simplista, confunde causa e efeito. É verdade que houve concentração de riquezas, mas a raiz desse processo está menos no colonialismo em si e mais na perpetuação do Estado Servil sustentado pela maçonaria.

Da mesma forma, reduzir o conceito de colônia a mera dominação territorial é mutilar seu verdadeiro significado. No Brasil, a colonização agrícola — desde o Império até os projetos de Paulinelli — demonstrou que a terra lavrada pode gerar riqueza para muitos, e não apenas para poucos.

Portanto, compreender a história exige ir além das narrativas fáceis. O colonialismo não pode ser analisado apenas pela ótica da exploração, mas pela forma como cada sociedade estruturou suas instituições, distribuiu ou concentrou a propriedade e compreendeu o sentido profundo da palavra colônia: o ato de cultivar a terra e, assim, multiplicar a vida.

Bibliografia

1. Sobre o Estado Servil e a concentração de propriedade

  • BELLOC, Hilaire. The Servile State. London: T. N. Foulis, 1912.

  • CHESTERTON, G. K. What’s Wrong with the World. London: Cassell, 1910. (Obra complementar, que dialoga com Belloc sobre a propriedade e o distributismo).

  • MCGEE, J. Paul. Hilaire Belloc and the Servile State: An Examination of Distributism as a Social Philosophy. New York: Fordham University Press, 1999.

2. Sobre a definição de colônia em Rafael Bluteau

  • BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Portuguez e Latino. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728.

  • SILVA, António de Morais. Diccionario da Lingua Portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1789. (Complementa Bluteau, mostrando a evolução semântica do termo colônia).

3. Sobre o Império do Brasil e a colonização agrícola

  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

  • DEBONI, Franco Cenni. Italianos no Brasil. São Paulo: Edusp, 2003.

  • LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: Unesp, 2001.

4. Sobre Paulinelli e o agronegócio brasileiro

  • PAULINELLI, Alysson. O Cerrado e a Revolução Verde no Brasil. Brasília: Embrapa, 2006.

  • EMBRAPA. História da Agricultura no Brasil: 1970–2000. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002.

  • VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro; GASQUES, José Garcia (orgs.). Agricultura, Transformação Produtiva e Sustentabilidade. Brasília: Ipea, 2016.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Notas sobre o homem em circunstância nacionista e ouriqueana

A vida humana, quando lida apenas como sucessão de fatos biográficos, parece fragmentada, sem direção. Mas quando cada acontecimento é interpretado à luz de Cristo e de sua missão na história, então a biografia se revela como uma página de civilização. Assim compreendo que o que vivi — minhas paixões, meus estudos, meus encontros — é mais do que memória: é testemunho de um destino.

1. O impulso de transcendência e o mito da fronteira

Toda experiência de amor humano traz consigo um impulso de transcendência. Não se trata apenas de afetos passageiros, mas de uma força interior que leva o homem a sair de si e a buscar horizontes maiores. Foi isso que ocorreu quando conheci Tatiane. Seu rosto me abriu para a Espanha, não como país estrangeiro, mas como promessa de lar. Da mesma forma, anos depois, Fernanda me abriu para a América Espanhola.

Esse movimento não é aleatório. Ele se inscreve no mito da fronteira: a alma humana, ao amar, projeta-se além das fronteiras conhecidas. A Espanha, por meio de Tatiane, tornou-se meu primeiro avanço; a América Espanhola, por meio de Fernanda, tornou-se expansão desse horizonte. Cada uma delas foi uma fronteira conquistada na geografia sentimental, não pela espada, mas pela abertura do coração.

2. Ourique: fronteira como consagração

Mas ao contrário do mito secular da fronteira, tal como o conheceu o pioneiro americano, o meu não é impulso de conquista sem sentido. Ele se enraíza em Ourique, no chamado de servir a Cristo em terras distantes. A fronteira, para mim, não é apenas expansão, mas consagração. É Ourique que dá destino ao mito da fronteira: cada novo território que adoto como lar, seja Espanha, seja América Espanhola, deve ser tomado em Cristo, por Cristo e para Cristo.

Assim, o amor humano que me fez cruzar fronteiras sentimentais também se torna impulso missionário: o mesmo movimento que me leva a conhecer uma cultura me leva também a consagrá-la àquele que é o Senhor da História.

3. O homem gassetiano elevado pela circunstância nacionista e ouriqueana

Ortega y Gasset escreveu: “Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”. Essa fórmula, embora filosófica, adquire para mim uma densidade espiritual. Pois não sou apenas um eu diante de circunstâncias neutras. Sou um homem chamado a responder a circunstâncias concretas: Brasil, Espanha, América Espanhola, minha época marcada pela crise política, cultural e espiritual.

Minha circunstância não é só existencial; é nacionista e ouriqueana. Nacionista, porque envolve a responsabilidade de pensar e servir minha pátria e suas irmandades ibéricas. Ouriqueana, porque carrega o peso de uma promessa feita a Cristo de servir-lhe com os talentos que recebi, multiplicando-os em terras distantes.

Assim, cada circunstância — uma paixão, um estudo, um encontro, uma ferramenta como a inteligência artificial ou um grupo de debate sobre a Leyenda Negra — não é mero acaso, mas campo de batalha onde devo me santificar pelo trabalho e pelo estudo, respondendo a Cristo com fidelidade.

4. Autobiografia como página de civilização

É por isso que vejo minha história não como simples lembrança pessoal, mas como tratado vivo. Minha vida é ensaio concreto daquilo que a civilização precisa reencontrar: a verdade como fundamento da liberdade, o amor humano como preparação para o Amor divino, o avanço das fronteiras como consagração a Cristo.

A autobiografia, nesse sentido, não é confissão íntima, mas ato civilizacional: mostrar como, dentro das circunstâncias de uma época, um homem pode escolher responder com fidelidade, fazendo do seu itinerário pessoal um testemunho para os outros.

Assim, a Espanha e a América Espanhola em minha vida não são apenas geografias externas. São territórios do coração e do espírito, marcos de um mito da fronteira que se cruza com Ourique e com Gasset, e que faz da minha biografia uma verdadeira página de civilização. 

A Espanha e A América Espanhola em minha geografia sentimental

A geografia sentimental não é feita de meridianos nem de paralelos. Ela não obedece às fronteiras dos mapas, mas às linhas invisíveis que unem afetos, lembranças, vocações e esperanças. É a geografia que se inscreve no coração, onde cada terra é lembrada não pela sua extensão, mas pela intensidade com que se torna um lar da alma.

Foi assim que a Espanha entrou na minha vida. Não pela frieza de um tratado, mas pela delicadeza de uma presença: Tatiane Villa, brasileira de nascimento, mas neta de espanhóis. Nela havia algo que me chamava a um mundo além do Brasil, como se sua ascendência fosse também um convite. Por ela, passei a frequentar livrarias espanholas na internet, a procurar editoras de Madrid e Barcelona, a tocar com as pontas dos dedos — mesmo à distância — aquele universo que até então me parecia estrangeiro.

Como eu cursava Direito, foi natural que minha primeira porta de entrada fosse a doutrina jurídica espanhola. Os livros de Direito, de alguma forma, me pareciam uma ponte sólida que unia Tatiane à sua pátria ancestral. Não era apenas estudo: era tentativa de comunhão. Assim, a Espanha se insinuava como lar em Cristo, tanto quanto o Brasil já o era para mim.

Mas essa ponte ruiu de repente. Tatiane se afastou sem dizer por quê, e com ela desmoronou também aquele primeiro acesso. Ficou o vazio, mas não a inutilidade: toda semente lançada, mesmo em terreno árido, guarda em si a memória da vida. A Espanha já havia marcado um território em minha geografia sentimental.

Muito tempo depois, outra presença trouxe de volta esse chamado. Não pela Espanha, mas pela sua descendência viva: a América Espanhola. Fernanda, nativa desse continente marcado por guerras, evangelizações e lendas, reabriu para mim o caminho. Diferente de antes, agora eu não estava restrito ao estudante limitado às prateleiras de Direito. Contava com novos instrumentos: a Amazon, que me permite alcançar livros de muitas línguas; a inteligência artificial, que amplia meu pensamento; e o grupo La Leyenda Negra, onde se debate a História da América Espanhola para além dos estigmas impostos pelos rivais da Espanha.

Se Tatiane me dera a Espanha como lembrança de uma ascendência, Fernanda me dá a América Espanhola como realidade viva. Se antes eu buscava apenas um ponto, agora vejo um continente inteiro. Não é mais a geografia dos mapas: é a geografia da alma, que cresce e se expande.

O Brasil é meu chão natal. A Espanha, meu primeiro lar escolhido pelo afeto. A América Espanhola, o espaço que agora se descortina como vocação. Três territórios, uma só unidade: a de Cristo que habita em cada encontro e dá sentido a cada perda e a cada reencontro.

Assim, compreendo que minha geografia sentimental não se escreve com bússola nem com régua. Escreve-se com nomes próprios, com rostos lembrados, com livros que chegaram às minhas mãos como mensagens, com encontros que me obrigaram a alargar fronteiras. E ao final de cada linha, descubro sempre o mesmo ponto cardeal: Cristo, que me chama a tomar cada terra — Espanha, Brasil, América Espanhola — como lar, não apenas do corpo, mas do espírito.