Introdução
A posse de dupla nacionalidade em regiões de fronteira cria situações inéditas no Direito contemporâneo. Indivíduos com cidadania em dois países podem se deparar com limites legais distintos sobre circulação de mercadorias, direitos de importação e regimes fiscais.
Este artigo propõe analisar como esses conflitos se manifestam e como podem ser resolvidos por meio da harmonização jurídica prática, considerando a filosofia de Mário Ferreira dos Santos, que enfatiza a integração do ser em todas as dimensões da vida — aqui transposta para o Direito.
1. Dupla nacionalidade e sobreposição de direitos
Considere o caso de um indivíduo que possui:
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Nacionalidade colombiana, permitindo entrada com até US$ 1.500 em mercadorias;
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Nacionalidade brasileira, permitindo entrada com até US$ 1.000 em mercadorias.
Ao cruzar a fronteira, surge uma sobreposição de direitos. Embora o cidadão esteja dentro de sua capacidade legal em ambos os países, autoridades podem interpretar o limite mais restritivo como aplicável, gerando o que chamamos de erro de proibição — uma restrição percebida que não corresponde à realidade jurídica completa do indivíduo.
2. Harmonização prática das legislações
A tendência natural em fronteiras binacionais é buscar coerência operacional, permitindo que o indivíduo exerça os direitos mais favoráveis sem violar normas:
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Apresentação do documento colombiano: permite justificar o limite maior de entrada (US$ 1.500).
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Demonstração de residência ou vínculo legal: fortalece o argumento de aplicação do regime fronteiriço colombiano.
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Respeito às regras locais: garante que a harmonização não configure ilegalidade.
Este processo exemplifica como o Direito, de maneira prática, tende à integração dos direitos sobrepostos, respeitando o princípio de razoabilidade e a função social da lei.
3. Integração pessoal jurídica segundo Mário Ferreira dos Santos
Transpondo a filosofia de Mário Ferreira dos Santos para o Direito, observamos que:
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A dupla nacionalidade cria uma situação de ser jurídico plural, que exige harmonia entre direitos e deveres.
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A integração pessoal jurídica consiste em:
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Organizar conscientemente os direitos conferidos por cada nacionalidade;
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Garantir coerência operacional na prática fronteiriça;
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Evitar conflitos ou infrações desnecessárias, mantendo a legalidade.
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Em outras palavras, o indivíduo transfronteiriço exerce o direito de usar plenamente sua capacidade legal, integrando seus vínculos e privilégios em uma estratégia jurídica total, coerente com a ideia de ser integral de Mário Ferreira dos Santos.
4. Conflitos de limites como oportunidade de integração
Embora socialmente pitoresco, o conflito de limites de importação não representa ilegalidade, mas desafio de interpretação e gestão jurídica.
A situação permite:
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Reconhecer a legitimidade de direitos sobrepostos;
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Demonstrar que a legislação tende à harmonização em favor do cidadão;
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Aplicar uma abordagem filosófica-jurídica que busca coerência entre nacionalidade, direitos e prática cotidiana.
5. Conclusão
Os conflitos de limites de importação em contextos de dupla nacionalidade ilustram como a prática jurídica fronteiriça pode se organizar de forma racional e integrada.
A harmonização jurídica entre limites de importação e direitos de cidadania demonstra que:
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O Direito pode ser flexível, adaptando-se à complexidade da mobilidade transnacional;
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A integração pessoal jurídica permite ao indivíduo exercer plenamente seus direitos de forma coerente;
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A filosofia de Mário Ferreira dos Santos, aplicada ao Direito, oferece um quadro conceitual para compreender a sobreposição de direitos como oportunidade de integração e coerência existencial-jurídica.
Em síntese, a situação exemplifica que direitos sobrepostos, fronteiras e pluralidade de nacionalidades podem ser coordenados legal e filosoficamente, formando uma estratégia de integração pessoal jurídica consistente, racional e legítima.
Bibliografia Comentada
Mário Ferreira dos Santos – Sistema Filosófico (vários volumes, 1950–1960)
Comentário: Fundamenta a noção de ser integral e integração das esferas existenciais. Transposto para o Direito, oferece base filosófica para pensar a integração pessoal jurídica, coordenando nacionalidades, domicílios e direitos fronteiriços.
Rojas, C. & Metzler, J. – Narratives and Imaginings of Citizenship in Latin America (2014)
Comentário: Analisa como a cidadania na América Latina se constrói social e culturalmente, não apenas legalmente. Fornece embasamento para entender que direitos sobrepostos e binacionalidade são fenômenos legítimos, ainda que incomuns.
Dupas, E., Chaves de Carvalho, L. & Coimbra de Carvalho, L. – “Cidadania Transnacional na América Latina” (2019)
Comentário: Estuda pessoas com vínculos múltiplos que desafiam categorias jurídicas tradicionais. Útil para justificar legalmente a harmonização prática de direitos de dupla nacionalidade.
Anzaldúa, G. – Borderlands/La Frontera: The New Mestiza (1987)
Comentário: Explora a experiência de viver em fronteiras culturais e jurídicas, reforçando a ideia de que identidade e direitos podem ser híbridos, compatíveis com uma estratégia de integração prática.
Dhenin, M. – “Consolidação dos Estados Nacionais Sul-americanos a partir das Fronteiras” (2023)
Comentário: Analisa como fronteiras mantêm dinâmicas próprias em relação às capitais. Fundamenta a necessidade de pluralidade de domicílio e direitos ajustados à realidade fronteiriça, legitimando a prática da dupla nacionalidade.