Pesquisar este blog

sábado, 25 de outubro de 2025

Ovos de Páscoa, economia da dádiva e o lar que se estende além das fronteiras

Introdução

A Páscoa, para os cristãos, é o centro da história: o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, fundamento da vida nova e da esperança universal. Nas diversas culturas, esse mistério é celebrado com símbolos que, embora diferentes, expressam a mesma verdade: a vitória da vida sobre a morte. No Brasil, esse símbolo é o ovo de chocolate; na Ucrânia, o pysanka, ovo pintado com cores e símbolos ancestrais. Quando esses mundos se encontram, surge não apenas uma curiosidade cultural, mas uma possibilidade mais profunda: o surgimento de uma economia da dádiva cristã que conecta lares e nações.

A economia da dádiva: dar, receber, retribuir

A noção de economia da dádiva é antiga: ela não se reduz ao mercado, mas funda-se no ato de oferecer algo gratuitamente, criando vínculos de confiança e reciprocidade. No horizonte cristão, essa economia encontra sua plenitude no próprio Cristo, que se entrega como dom perfeito, dando a vida “em favor de muitos”. Assim, todo ato de doação — seja um ovo pintado, seja um gesto de acolhimento — é participação nos méritos de Cristo, que tornam fecunda toda caridade.

Dois países como um mesmo lar em Cristo

Quando um lar brasileiro e um lar ucraniano se unem através da tradição pascal — por exemplo, com ovos de chocolate decorados à maneira ucraniana —, algo mais profundo acontece: não se trata apenas de uma fusão de sabores e artes, mas da criação de um lar ampliado. Dois países passam a ser vividos como um só espaço doméstico em Cristo.

Esse gesto testemunha a catolicidade da fé: o que é local (o chocolate brasileiro, a arte ucraniana) se abre ao universal (a Igreja que é uma só em todas as nações).

O ovo como dom pascal

Um ovo de chocolate pintado com motivos do pysanka é mais que sobremesa: é um dom simbólico. Ao oferecê-lo, a família diz: “partilhamos contigo a alegria da Ressurreição”. Ao recebê-lo, o outro lar acolhe não só um presente, mas um pedaço da história e da espiritualidade de quem o deu. E ao retribuir, completa-se o ciclo da dádiva: não por obrigação contratual, mas por amor. Assim, cada ovo se torna um pequeno sacramento cultural, um sinal visível da graça invisível da comunhão.

Favores em Cristo, para Cristo e por Cristo

Na prática, isso cria uma rede de lares unidos por Cristo. Cada favor prestado — hospedar um viajante, enviar um presente, oferecer uma refeição — torna-se serviço a Cristo, pois “tudo o que fizestes a um desses meus pequeninos irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Dessa forma, a dádiva pascal conecta o ordinário (um doce, uma tradição) ao extraordinário (a missão de servir a Cristo em terras distantes).

Conclusão

Unir a tradição ucraniana do pysanka à criatividade brasileira do chocolate é mais que inovação gastronômica: é profecia cultural. É proclamar, em gestos concretos, que a Páscoa não é apenas memória de um evento passado, mas força viva que transforma lares, une povos e cria uma verdadeira economia da graça.

Nesse horizonte, cada ovo pascal artesanal pode ser um pequeno evangelho material: um anúncio da Ressurreição, um elo entre culturas e um dom que, nos méritos de Cristo, conecta dois países em um mesmo lar — em Cristo, por Cristo e para Cristo.

Bibliografia mínima

  • MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 2008.

  • JOÃO PAULO II. Memória e Identidade. São Paulo: Objetiva, 2005.

  • BENTO XVI. Caritas in Veritate. São Paulo: Paulinas, 2009.

  • KASPER, Walter. A Igreja Católica: essência, realidade, missão. São Paulo: Loyola, 2012.

  • KÜNG, Hans. Cristianismo: essência e história. Petrópolis: Vozes, 1999.

 

Uma revolução pascal: Do pysanka ucraniano ao ovo de chocolate brasileiro

Ovo de páscoa brasileiro decorado à maneira ucraniana

A Páscoa é um momento em que diferentes culturas se expressam com símbolos de renovação, vida e fé. No Brasil, o costume dominante é o dos ovos de chocolate, vendidos em larga escala, coloridos e industrializados. Já em países como a Ucrânia, a tradição mais marcante é a dos pysanky — ovos pintados à mão com símbolos geométricos, florais e religiosos, cada qual carregando significados profundos.

E se essas duas tradições se encontrassem?

O encontro de culturas

Imagine um lar brasileiro onde uma esposa ucraniana, inspirada por sua herança, pintasse ovos de chocolate à maneira do pysanka. Não seriam apenas doces, mas obras de arte comestíveis, combinando o sabor do cacau brasileiro com a riqueza simbólica da tradição ucraniana.

Esse gesto transformaria o consumo pascal em algo muito maior: um ato cultural, onde o alimento é ao mesmo tempo presente, oração e arte.

O papel do chocolate Harald

No Brasil, marcas como a Harald oferecem chocolate de confeiteiro de alta qualidade, usado por profissionais e artesãos. Ao comprar um pacote de chocolate Harald para essa produção, você não estaria apenas garantindo sabor e textura perfeitos, mas também criando a base para uma tradição artesanal.

Assim como os ovos pintados ucranianos exigem cuidado e paciência, derreter, moldar e decorar o chocolate é uma arte. O Harald, nesse contexto, seria não apenas um ingrediente, mas o elo entre a indústria brasileira e a tradição artesanal importada do Leste Europeu.

Uma revolução na Páscoa brasileira

Essa fusão representaria uma verdadeira revolução:

  • Do consumo ao artesanato – menos foco no ovo pronto de supermercado, mais no ovo feito em casa, com amor.

  • Do visual ao simbólico – cada ovo decorado teria uma mensagem: esperança, vida, ressurreição, prosperidade.

  • Do passageiro ao duradouro – em vez de uma embalagem descartada, ficaria a memória da criação conjunta, que poderia se tornar tradição familiar e até comunitária.

Oportunidade de legado

Mais do que uma simples inovação culinária, esse gesto poderia fundar um novo costume pascal brasileiro. Ao unir chocolate e pysanka, criar-se-ia um produto que é ao mesmo tempo delícia, arte e símbolo religioso. Para além da família, poderia até se tornar um empreendimento cultural e gastronômico, abrindo um mercado para ovos artesanais com identidade própria.

Conclusão

A ideia de comprar chocolate Harald e transformá-lo em ovos pascais decorados à maneira ucraniana vai muito além da cozinha: é um ato de amor cultural, que une povos, resgata símbolos e reinventa tradições. No futuro, quem sabe, essa iniciativa não poderia se tornar um movimento maior — um marco na história da Páscoa no Brasil, onde o doce e o sagrado se encontram na mais bela harmonia.

Debate imaginário entre Adam Ferguson e Adam B. Seligman sobre sociedade civil

1.Sobre a origem da sociedade civil

Ferguson:

A sociedade civil não é uma criação artificial, mas resultado da vida em comum. O homem é um ser naturalmente social, e da convivência nasce a moralidade, a lei e as instituições. A sociedade civil é o estágio em que os homens, buscando o bem comum, superam a barbárie e se organizam em ordem.

Seligman:

Concordo com a sua ênfase na natureza social do homem, mas vejo um problema: na modernidade, o conceito de sociedade civil foi reinterpretado e muitas vezes separado do Estado. Hoje ela é vista como um espaço intermediário entre Estado e indivíduo, e não como a totalidade da vida em comum. Isso gerou tensões: será que sociedade civil é ainda um conceito unívoco?

2. Sobre moralidade e virtude

Ferguson:

A sociedade civil só floresce quando há virtude cívica. Sem isso, ela degenera em facções ou corrupção. O comércio e a prosperidade material são importantes, mas podem enfraquecer a solidariedade se não forem guiados pela moral.

Seligman:

Essa é uma das minhas preocupações também. Eu destaco que a sociedade civil exige confiança, normas éticas compartilhadas e, muitas vezes, elementos religiosos que mantenham a coesão social. Sem essa base moral, o conceito se torna vazio, reduzido a um agregado de ONGs ou associações de interesse.

3. Sobre Estado e sociedade civil

Ferguson:

Eu não separava Estado e sociedade civil como alguns pensadores posteriores. Para mim, ambos fazem parte da mesma ordem da convivência. O governo é uma extensão da sociedade civil, necessário para organizar os interesses e manter a justiça.

Seligman:

A modernidade, no entanto, marcou essa separação. Para Hegel, por exemplo, a sociedade civil é um estágio do espírito antes de chegar ao Estado. Já o liberalismo a vê como contrapeso ao poder estatal. Meu livro mostra que essa ambiguidade nos deixa sem clareza: afinal, sociedade civil é parte do Estado ou seu limite?

4. Sobre crise e modernidade

Ferguson:

O perigo que eu via no meu tempo era a perda da virtude republicana diante do avanço do luxo e da comodidade. A sociedade civil poderia enfraquecer se as pessoas vivessem apenas para seus interesses privados.

Seligman:

Eu diria que esse perigo se realizou. Hoje o termo “sociedade civil” é usado de forma inflacionada e contraditória. Alguns o usam para promover solidariedade, outros para justificar mercados ou mesmo resistências políticas. Minha crítica é que o conceito se tornou um símbolo normativo sem unidade.

5. Síntese

  • Ferguson defende que a sociedade civil é fruto natural da sociabilidade humana e depende da virtude cívica para não decair.

  • Seligman ressalta que, na modernidade, o conceito se fragmentou: ora parte do Estado, ora oposição a ele, ora símbolo normativo vazio — mas sempre dependente de confiança e moralidade.

📌 Conclusão do debate

O diálogo entre Ferguson e Seligman mostra uma linha de continuidade: ambos percebem que a sociedade civil só existe de verdade se houver um cimento moral que una os indivíduos. A diferença está no contexto:

  • Ferguson fala do século XVIII, preocupado com a decadência republicana e os efeitos do comércio.

  • Seligman fala do século XX, preocupado com a fragmentação conceitual e a perda de substância moral da sociedade civil na democracia contemporânea.

O cajueiro, a dação em pagamento e os limites entre a dádiva e o comércio

1. Introdução

O simples ato de plantar uma árvore frutífera, como o cajueiro, pode parecer apenas um gesto cotidiano. Contudo, quando pensamos no valor simbólico de seus frutos — transformados em doces, conservas ou lembranças —, percebemos que estamos diante de um fenômeno que transcende o campo da botânica ou da culinária. Trata-se de uma intersecção entre memória, afeto e economia, onde os frutos não são apenas alimento, mas também bens privados carregados de significados sociais e culturais.

2. O bem privado como lembrança

O cajueiro plantado na terra natal gera frutos que podem ser consumidos localmente ou enviados para parentes e amigos. Ao serem transformados em doces e remetidos a alguém distante, esses frutos deixam de ser apenas produtos naturais: tornam-se lembranças vivas. Nesse gesto, a família envia não só alimento, mas também a presença da terra e dos vínculos afetivos.

A frase simbólica “Ele te manda lembranças!” confere à árvore uma dimensão quase humana. É como se a natureza fosse também parte da família, mediando a relação entre os ausentes.

3. A economia da dádiva (Marcel Mauss)

Na clássica obra Ensaio sobre a Dádiva (1925), Marcel Mauss mostrou que presentes nunca são “gratuitos”: eles carregam obrigações de dar, receber e retribuir. O doce de caju enviado ao migrante, ou oferecido como presente a alguém, insere-se nesse circuito da dádiva. Ele não é uma mercadoria vendida, mas também não é um bem sem valor. Seu valor é simbólico e social, capaz de construir e reforçar vínculos.

4. A dação em pagamento e o capital relacional

No campo jurídico, o conceito de dação em pagamento aparece quando um bem é entregue em substituição ao dinheiro para saldar uma dívida. No caso do doce artesanal, ele pode compensar favores, simbolizar gratidão ou até funcionar como um “pagamento relacional”. Aqui, a moeda não é o real nem o dólar, mas sim o capital social que se acumula e se redistribui nas relações.

Esse raciocínio ecoa a tese de Karl Polanyi, em A Grande Transformação (1944), segundo a qual nem todas as trocas humanas podem ou devem ser absorvidas pela lógica de mercado. Há bens e vínculos que pertencem a outra ordem — a ordem da reciprocidade e do enraizamento cultural.

5. O impacto no exterior

Quando transposto para o cenário internacional, o valor desses bens cresce. Um doce artesanal de caju, enviado do Brasil para alguém no exterior, adquire um caráter de raridade e identidade cultural. Ele se torna um pedaço da pátria, um elo com as raízes.

  • Como lembrança, traz consigo a memória e o afeto da terra natal.

  • Como moeda social, funciona como presente de prestígio, capaz de abrir portas e consolidar relações.

Mas esse mesmo bem encontra limites claros quando tenta entrar no mercado formal.

6. O peso da alfândega e da vigilância

O Estado impõe barreiras quando se tenta transformar a lembrança em mercadoria. Frutos e doces enviados para fins comerciais estão sujeitos a:

  • Fiscalização alfandegária, com cobrança de tributos e registro formal;

  • Fiscalização fitossanitária, para prevenir pragas e garantir padrões de saúde pública;

  • Controle de escala, que impede que pequenos envios informais se convertam em atividade comercial sem regulamentação.

Aqui se traça a fronteira entre o bem privado da dádiva e a mercadoria regulada do comércio internacional.

7. Conclusão

O exemplo do cajueiro mostra como a economia não se resume ao mercado. Existe uma esfera afetiva e relacional, onde os frutos de uma árvore podem ser lembranças ou moeda simbólica de troca. Essa esfera, contudo, esbarra na regulação do comércio formal quando se tenta transformá-la em atividade lucrativa.

Como ensinou Mauss, a dádiva é portadora de uma força que transcende o cálculo monetário, e como lembrou Polanyi, o mercado não é a única nem a mais antiga forma de organizar a vida econômica. Assim, o cajueiro nos ensina que a dádiva pertence ao mundo da liberdade e da memória, enquanto o comércio pertence ao mundo da lei e da fiscalização.

Bibliografia

  • MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

  • POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

  • SELIGMAN, Adam. The Problem of Trust. Princeton: Princeton University Press, 1997.

  • BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Dívidas em nome de pessoa falecida: como lidar quando o banco dá informações contraditórias

1. O que acontece com as dívidas após o falecimento?

Quando alguém falece, seu CPF é automaticamente vinculado ao espólio. Isso significa que:

  • O falecido não pode contrair novas dívidas;

  • As dívidas existentes permanecem válidas e precisam ser quitadas até onde alcançam os bens deixados;

  • Os herdeiros não respondem com patrimônio próprio pelas dívidas do falecido (art. 1.997 do Código Civil).

Assim, todas as obrigações passam a ser centralizadas no espólio, administrado pelo inventariante no processo de inventário (judicial ou extrajudicial).

2. O problema das informações contraditórias

É muito comum que familiares recebam orientações diferentes de canais do banco:

  • Na agência, dizem que a dívida será consolidada, com possibilidade de desconto em caso de quitação integral;

  • No SAC, informam que os pagamentos devem continuar mensalmente, como se a pessoa ainda estivesse viva.

Essas informações conflitantes geram insegurança jurídica e podem levar a erros: pagar mais do que o devido, perder o direito a desconto ou até comprometer o inventário.

3. Direitos do consumidor e transparência

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante:

  • Direito à informação adequada e clara (art. 6º, III);

  • Boa-fé e equilíbrio contratual (art. 4º, III);

  • Proteção contra práticas abusivas (art. 6º, IV).

Portanto, quando o banco não se posiciona de forma inequívoca, há risco de lesão aos direitos do consumidor, e a família pode recorrer a mecanismos de proteção.

4. Caminhos possíveis para resolver

Diante da dúvida, o consumidor pode seguir três vias principais:

a) Via administrativa

  • Registrar reclamação no SAC, na Ouvidoria do banco e no Banco Central;

  • Solicitar por escrito que o banco informe como pretende cobrar a dívida do espólio.

b) No inventário

  • O inventariante pode pedir que o juiz oficie o banco para apresentar planilha consolidada da dívida, evitando divergências.

c) Interpelação judicial

  • A família pode ingressar com interpelação judicial (art. 726 do CPC/2015);

  • É uma medida de jurisdição voluntária, sem litígio, em que o juiz notifica o banco para esclarecer oficialmente como será o cumprimento da obrigação;

  • Serve para prevenir conflito futuro e proteger os herdeiros de cobranças abusivas.

5. Por que a interpelação judicial pode ser útil?

  • Garante segurança jurídica: o banco terá que se manifestar de forma clara e documentada;

  • Previne litígios: evita que a família pague em duplicidade ou perca descontos;

  • Protege os herdeiros: assegura que a dívida só será paga até o limite do espólio.

6. Conclusão

Se o seu familiar faleceu e o banco apresenta informações contraditórias sobre as dívidas, não aceite orientações apenas de boca. Peça tudo por escrito e, se necessário, recorra ao Judiciário.

A interpelação judicial é uma ferramenta preventiva, que coloca ordem na relação e impede que a falta de clareza do banco cause prejuízos aos herdeiros.

👉 Em resumo: Dívidas de falecidos devem ser pagas com os bens do espólio, nunca com os bens pessoais dos herdeiros. Se o banco não esclarece a forma de cobrança, cabe ao consumidor exigir formalmente essa definição — e, se preciso, buscar o Judiciário.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Diálogo Imaginário entre Frederick Jackson Turner e Josiah Royce

 Cenário: 

Uma sala de conferências em uma universidade americana no início do século XX. O ambiente é austero, com estantes repletas de livros, um grande mapa dos Estados Unidos na parede e uma mesa de madeira no centro. Frederick Jackson Turner e Josiah Royce estão sentados frente a frente, cercados por estudantes atentos.

Turner (com entusiasmo, apontando para o mapa):

Professor Royce, é uma honra dialogar com o senhor. Veja bem: a história dos Estados Unidos só pode ser entendida a partir da fronteira. Foi esse movimento constante rumo ao Oeste, essa conquista de terras, que formou nosso caráter nacional: individualista, prático, inventivo e, sobretudo, democrático. A fronteira moldou nossa democracia!

Royce (calmo, cruzando as mãos sobre a mesa):

Professor Turner, também é uma honra. Mas permita-me advertir: se a fronteira for vista apenas como espaço físico de expansão, temo que produza mais dispersão do que união. A verdadeira força de uma comunidade não está em avançar territórios, mas em cultivar lealdade. É a lealdade que liga o indivíduo a uma causa maior do que ele mesmo. Sem isso, o espírito da fronteira pode se reduzir a mero egoísmo aventureiro.

Turner (inclinando-se para frente, em tom conciliador):

Compreendo sua preocupação, professor. Mas veja: na marcha para o Oeste, os colonos precisavam uns dos outros. Reuniam-se em assembleias locais, ajudavam-se nas colheitas e se defendiam juntos. A fronteira exigia cooperação. Talvez o que o senhor chama de lealdade já estivesse presente nesse pacto entre pioneiros, ainda que eles não lhe dessem esse nome.

Royce (erguendo a voz com firmeza, mas sem perder a serenidade):

Exato! O que o senhor descreve como pacto, eu chamaria de lealdade comunitária. A lealdade é essa consciência de que só crescemos quando nos dedicamos a um bem maior. Se a fronteira for apenas uma oportunidade de enriquecimento individual, ela se corrompe. Mas se for vivida como missão comum — educar, civilizar, integrar — ela se transforma em serviço a uma causa.

Turner (reflexivo, olhando para o mapa):

Interessante… Então, para o senhor, a fronteira não é só um processo histórico, mas também uma escola moral. Meu argumento histórico ganha uma dimensão ética. Afinal, o espírito americano não se explica apenas pela conquista da terra, mas também pela fidelidade a ideais que sustentam a comunidade.

Royce (com olhar firme, apontando para os estudantes):

Exatamente. A expansão territorial chega ao fim quando não há mais terras virgens. Mas a lealdade nunca se esgota, pois é o princípio vital de qualquer comunidade. Onde a fronteira termina, a lealdade mantém a nação de pé.

Turner (sorri, convencido):

Então nossas ideias se complementam. A fronteira deu aos Estados Unidos a oportunidade de se reinventar. A lealdade, por sua vez, garante que essa energia não se perca, mas seja direcionada para a união e o futuro comum.

Royce (com solenidade, quase como quem encerra uma aula):

Perfeitamente, professor Turner. A fronteira explica o passado. A lealdade prepara o futuro. 

Supermercados, cashback e a filosofia da lealdade: um encontro entre Turner e Royce

1. A fronteira como laboratório de inovações

No Velho Oeste, a vida comunitária dependia de instituições simples, mas vitais: os general stores. Esses armazéns gerais forneciam tudo — de comida básica a ferramentas — num mesmo espaço.

  • Turner, em sua tese do "Frontier in American History" (1893), argumentava que a fronteira moldava o caráter americano: autossuficiência, pragmatismo e espírito comunitário.

  • Nesse ambiente, surgiu a prática do store credit (crédito na loja), uma forma primitiva de cashback: o cliente recebia vales ou tinha descontos futuros em troca da fidelidade.

Aqui vemos que, antes mesmo do “supermercado moderno”, havia já a ideia de conveniência e retorno ao cliente, marcada pela necessidade de sobrevivência em regiões isoladas.

2. Do general store ao supermercado moderno

  • Em 1916, Clarence Saunders fundou o Piggly Wiggly, considerado o primeiro supermercado de autoatendimento.

  • A inovação não foi apenas tecnológica, mas cultural: o consumidor ganhou confiança para escolher seus produtos sem intermediários.

  • A refrigeração, que se expandiu nas décadas seguintes, consolidou o modelo.

Esse movimento se insere na lógica de Turner: a fronteira não é só geográfica, mas também comercial e social — cada avanço amplia o horizonte de liberdade e eficiência.

3. Cashback e a lealdade na cultura americana

O cashback, ainda que em formas rudimentares, é expressão de um princípio mais profundo: a fidelização baseada na confiança.

  • Josiah Royce, em sua Philosophy of Loyalty (1908), via a lealdade como fundamento ético e comunitário. Ser leal é colocar o indivíduo a serviço de uma causa maior, criando vínculos de confiança.

  • O cashback, nessa perspectiva, é mais que uma estratégia de mercado: é uma retribuição que reforça a lealdade do cliente à comunidade comercial.

Assim como a lealdade, o cashback só funciona porque há confiança recíproca: o cliente volta à loja, e a loja reconhece sua fidelidade com benefícios.

4. O encontro entre Turner e Royce

  • Para Turner, a fronteira formou o caráter nacional, criando um povo empreendedor e inovador.

  • Para Royce, a lealdade dá solidez moral a esse mesmo povo, tornando-o capaz de se organizar em comunidades de sentido.

Os supermercados e o cashback, vistos sob essa lente, não são apenas inovações econômicas. São expressões concretas de uma filosofia de fronteira, em que a comunidade se organiza pela confiança, pela inovação e pela lealdade mútua.

5. Conclusão

A cultura americana transformou práticas simples do Velho Oeste — crédito, descontos, conveniência — em instituições globais como o supermercado e o cashback. Ao mesmo tempo, tais práticas refletem uma filosofia mais profunda:

  • Turner mostra como a fronteira expandiu os horizontes da vida comunitária.

  • Royce revela que a lealdade cimenta esses laços, tornando a comunidade viável.

Assim, supermercados e cashback não são apenas símbolos de consumo, mas parte de uma tradição cultural que une pragmatismo econômico e filosofia moral, própria de um povo moldado pela experiência de fronteira.

Bibliografia

  • Turner, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Henry Holt, 1920.

  • Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

  • Tedlow, Richard S. New and Improved: The Story of Mass Marketing in America. Basic Books, 1996.

  • Strasser, Susan. Satisfaction Guaranteed: The Making of the American Mass Market. Pantheon, 1989.

  • Leach, William. Land of Desire: Merchants, Power, and the Rise of a New American Culture. Vintage, 1994.