A psicologia social explica que, logo nas primeiras manifestações de anormalidades, as pessoas reagem indignadas. Depois de algum tempo, se acostumam a elas. Em seguida, nas anormalidades subsequentes, nem as percebem mais.
As gerações seguintes já nascem imersas na degeneração e, ante comparações com o passado, nem são capazes de compreendê-las. Assim, a coisa vai piorando, e apenas uma pequena fração da população se queixa, mas sem força para provocar mudanças. Ademais, o espírito da época se impõe.
Isto está acontecendo com o nosso idioma. Ninguém mais reage aos erros crassos cometidos contra a língua. E quem ainda ousa reagir contra a degradação do idioma, último bastião da civilização, é visto como pedante e esnobe. “O importante é entender”, vocifera o bárbaro.
Silas Feitosa
Análise do Texto de Silas Feitosa: "A Normalização da Degeneração e o Papel do Idioma na Civilização"
O texto apresentado por Silas Feitosa reflete sobre a degradação cultural e linguística, utilizando conceitos da psicologia social para ilustrar a progressiva normalização de anormalidades na sociedade. A análise está dividida em três partes principais: a reação inicial à anormalidade, a adaptação subsequente, e a aceitação da decadência como estado normal. Dentro desse panorama, o autor destaca o papel central da língua como símbolo de resistência cultural e civilizacional.
1. A Psicologia Social e a Dessensibilização Coletiva
Logo no início do texto, o autor fundamenta sua crítica em um fenômeno descrito pela psicologia social: a capacidade humana de se adaptar progressivamente a anormalidades. Segundo ele, as pessoas, que inicialmente reagem com indignação, passam a aceitar o que antes rejeitavam e, com o tempo, tornam-se incapazes de perceber novas formas de degradação. Essa análise reflete um processo de dessensibilização cultural, no qual valores e normas anteriormente considerados essenciais vão sendo relativizados.
Esse ponto ressoa com teorias como a da "janela de Overton", que descreve como ideias antes inaceitáveis podem se tornar aceitáveis e até normais ao longo do tempo, por meio de mudanças graduais na percepção coletiva. Silas aplica esse conceito ao contexto cultural e linguístico, sugerindo que a passividade diante das anormalidades cria um ciclo vicioso de degeneração.
2. Gerações Subsequentes e a Perda de Referências Culturais
Na segunda parte do texto, Silas destaca o impacto intergeracional desse processo de degeneração. Ele argumenta que as gerações seguintes, já nascidas em um ambiente deteriorado, não possuem as referências necessárias para reconhecer ou compreender o estado original das coisas. Para essas gerações, a decadência já é parte do "normal", o que dificulta qualquer tentativa de mudança.
Esse ponto levanta uma questão importante: a relação entre memória cultural e resistência à degeneração. Sem um vínculo forte com as tradições e os valores do passado, as novas gerações tornam-se mais vulneráveis ao "espírito da época", ou seja, às tendências dominantes de relativismo moral e cultural. Essa ideia reflete uma crítica à desconexão entre o presente e o passado, um tema recorrente em debates sobre identidade e continuidade cultural.
3. O Idioma como Bastião da Civilização
Silas direciona sua crítica ao idioma, que ele identifica como "o último bastião da civilização". Para ele, a degradação da língua não é apenas um reflexo da decadência cultural, mas também um fator que contribui para sua aceleração. A visão do autor alinha-se a ideias de filósofos como Umberto Eco, que considerava a língua um elemento essencial da identidade e da cultura humanas.
A frase “o importante é entender” é apresentada como o lema do "bárbaro", que despreza o valor intrínseco do idioma enquanto sistema normativo e cultural. Essa postura relativista, que prioriza a comunicação funcional em detrimento da preservação linguística, é criticada por Silas como um símbolo da mediocridade e da desvalorização dos padrões culturais. Ele sugere que essa visão utilitarista do idioma reflete um desprezo mais amplo pelos fundamentos da civilização.
4. Reflexões Críticas e Implicações
A análise de Silas Feitosa nos leva a considerar algumas questões fundamentais:
A relação entre linguagem e civilização: O idioma, mais do que um meio de comunicação, é um pilar da identidade cultural e da coesão social. Sua degradação representa uma ameaça à continuidade cultural.
O papel da educação: A preservação da língua depende de uma educação que valorize a norma culta e a tradição linguística. Sem isso, o idioma perde sua função como "último bastião da civilização".
A resistência à decadência: O autor sugere que a resistência cultural é possível, mas limitada, uma vez que apenas uma pequena fração da população se opõe ao "espírito da época". Essa resistência exige não apenas conhecimento, mas também coragem para enfrentar o estigma de "pedantismo" ou "elitismo".
5. Críticas e Perspectivas
Embora o texto seja persuasivo em sua análise crítica, ele deixa em aberto questões importantes, como: quais seriam as soluções práticas para reverter a degradação linguística e cultural? O autor denuncia o problema, mas não apresenta caminhos claros para enfrentá-lo. Além disso, o tom da crítica pode ser percebido como elitista, especialmente por aqueles que defendem uma visão mais inclusiva e dinâmica da língua.
No entanto, a mensagem central de Silas é válida: a preservação do idioma é essencial para a preservação da civilização. Esse ponto é particularmente relevante em uma era de globalização e digitalização, onde as línguas estão cada vez mais sujeitas à simplificação e à homogeneização.
6. Conclusão
O texto de Silas Feitosa é um alerta contra a complacência diante da degeneração cultural e linguística. Ele identifica a língua como o campo de batalha onde se trava a luta pela preservação da identidade e da civilização. Embora a análise tenha um tom pessimista, ela reforça a importância de resistir à mediocridade cultural e de valorizar a língua como um patrimônio coletivo.
Essa reflexão convida o leitor a repensar sua relação com o idioma e a assumir a responsabilidade de preservá-lo, não apenas como uma ferramenta de comunicação, mas como um legado cultural e espiritual.
7. Bibliografia
1. Psicologia Social e a Normalização da Anormalidade
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Clássico sobre como as sociedades constroem e normalizam valores e ideias.
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Teoria aplicada às mudanças de aceitação cultural e política.
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida (2000).
Reflete sobre a instabilidade das normas sociais e a adaptação das sociedades às mudanças rápidas.
2. Cultura, Tradição e Identidade
Scruton, Roger. Como Ser um Conservador (2014).
Defesa da preservação da cultura e da tradição em tempos de relativismo.
Huntington, Samuel P. Who Are We? The Challenges to America's National Identity (2004).
Explora a relação entre identidade cultural e língua em contextos nacionais.
Eco, Umberto. A Estrutura Ausente (1968).
Análise do papel da linguagem na formação da cultura
3. Filosofia da Linguagem
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Discute as funções da linguagem e sua relação com o conhecimento humano.
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Obra ficcional que explora como a manipulação da linguagem impacta a sociedade e o pensamento.
Bakhtin, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929).
Discussão sobre os aspectos ideológicos e sociais do uso da linguagem.
4. Educação e Preservação do Idioma
Ghiraldelli, Paulo. História da Educação Brasileira (2014).
Reflexão sobre a educação como ferramenta para a preservação cultural.
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A importância do ensino formal na formação de uma consciência linguística.
Antoine, Jacques. A Defesa da Língua Portuguesa (1998).
Uma abordagem sobre o papel do idioma na construção da identidade nacional.
5. Filosofia e Civilização
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Defesa de valores tradicionais como bases para uma sociedade estável.
Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições (1995).
Reflexão sobre a relação entre filosofia, política e tradição.
Pieper, Josef. Abuso da Linguagem, Abuso do Poder (1974).
Analisa como o uso inadequado da linguagem corrompe as bases da civilização.
6. Estudos Linguísticos Específicos
Bechara, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa (2009).
Uma referência para o estudo da norma culta da língua portuguesa.
Faraco, Carlos Alberto. Linguagem e Diálogos Culturais (2007).
Reflexões sobre a relação entre cultura e linguagem.