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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Comentários Juan Manuel de Prada sobre a usura


Embora a economia foi considerada uma "ciência moral" (e, desde logo, não pode ser outra coisa, posto que depende das decisões dos homens), umas das questões mais debatidas pelo pensamento econômico foi a usura. No entanto, quando os moralistas foram expulsos do pensamento econômico, deixou-se de escrever e pensar sobre ela. Mas diga-se ou oculte-se, o certo é que a usura está no coração do sistema capitalista (em realidade, é a gangrena de seu coração); e também na raiz de todas as desordens econômicas e morais que hoje padecemos.

Se olharmos para trás (algo que o homem contemporâneo tanto odeia, para não ter que arrepender-se dos seus erros), comprovaremos que a usura esteve sempre proibida. "Não lhe emprestarás com juros o teu dinheiro, e não lhe exigirás mais grãos que os que lhe foram dados", lemos no Levítico. E no Evangelho de São Lucas, Jesus proclama: "Amai os vossos inimigos, façam o bem e emprestem, sem esperar nada em troca". Aristóteles considerava execrável "o tráfico de dinheiro que mostra ganância da moeda"; e o direito civil da Idade Média declarou-o delito. Em sua Encíclica "Vix Pervenit", Bento XIV condenava o pecado da usura, que se comete "quando faz-se um empréstimo de dinheiro e, com só a base do empréstimo, o prestamista demanda do prestatário mais do que lhe emprestou"; e ainda Leão XIII, na Rerum Novarum, se referia, em um sentido mais genérico, à "usura devoradora... um demônio condenado pela Igreja, mas de todo modo praticado de modo enganoso por homens avarentos". A condenação da usura foi unânime, pelo menos até a ruptura da Cristandade ocasionada pela Reforma, quando os príncipes protestantes começaram a introduzir legislações que, sob a aparência de favorecer o comércio e o sistema bancário, confundiam o lucro legítimo com a usura. Desde então, a usura converteu-se no "pão nosso de cada dia", também no âmbito católico, ou pseudocatólico.  

Na linguagem corrente, por usura entendemos "a cobrança de um juro excessivo pelo empréstimo de um capital". Mas antes de fixar qual é o juro excessivo e qual é o juro lícito que pode cobrar-se pelo empréstimo de um capital, devemos reparar em uma questão que geralmente passa inadvertida. É que a usura sustenta-se sobre uma incerteza, consistente em aceitar que o dinheiro pode reproduzir-se com a mera ajuda do tempo; e que, passado um certo tempo, quem emprestou, por exemplo, cem moedas, pode reclamar cento e dez, independentemente do uso que se deu a essas moedas. Mas o certo é que o dinheiro é um bem consumível que não se reproduz, de modo que como assinalava Aristóteles, os juros convertem-se em um modo de aquisição contrário a natureza e, portanto, devem ser reprovados.

No entanto, do mesmo modo que afirmamos que o dinheiro em si mesmo não pode reproduzir-se, não é menos certo que, mediante nosso trabalho, o dinheiro pode gerar um benefício. Pensemos, por exemplo, no proprietário de um terreno que pede um empréstimo para montar um sistema de irrigação que lhe permite multiplicar por três os frutos que esse terreno lhe fornece. Seria plenamente justo que quem emprestou o dinheiro que permitiu o proprietário triplicar suas culturas demande um juro; porque o que faz o que um juro seja ou não legítimo, não tem a ver com o que seja mais ou menos alto, mas com o fato de que o capital emprestado serviu para gerar um benefício. A participação do prestamista na riqueza gerada por seu empréstimo de dinheiro não pode considerar-se usura; usura consiste em crer que o mero empréstimo de dinheiro inclua juros. Usura é a cobrança de juros sobre um empréstimo improdutivo, ou de interesses superiores ao incremente de riqueza real gerado por um empréstimo produtivo.

Mas nossa época nega estabelecer uma distinção entre empréstimos improdutivos e produtivos; e impõe a cobrança de juros como fruto do dinheiro emprestado, independentemente de seu uso. Assim, não só erigiu o dinheiro em padrão e medida de todas as coisas, mas afirmar que pode multiplicar-se por arte de magia, desligado dos bens aos que representa e sem intervenção do trabalho humano. Só que essa multiplicação, enquanto enriquece ilimitadamente à uns, vem à custa do empobrecimento, também ilimitado, de outros. Isto é o que está acontecendo em nossos dias: por isso, embora a propaganda apedreja-nos os ouvidos repetindo que já saímos da crise, e que a Espanha volta a "gerar riqueza", você examina seus bolsos e descobre que cada vez estão mais vazios. 

Juan Manuel de Prada

Tradução: Sara Rozante. 

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