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terça-feira, 3 de junho de 2025

A Influência da USAID e da Política Externa dos EUA no Brasil: entre a soberania e a guerra híbrida

Introdução

A influência dos Estados Unidos sobre a política interna de diversos países, incluindo o Brasil, manifesta-se historicamente por meio de mecanismos de guerra híbrida, diplomacia agressiva, controle de informações e financiamento de organizações não governamentais através de agências como a United States Agency for International Development (USAID). Este artigo busca analisar como essa influência se operacionaliza no Brasil, especialmente no contexto recente das eleições e da condução da política externa.

O conteúdo aqui exposto é baseado em análises recentes, como as do ex-conselheiro do Departamento de Estado, Mike Benz, bem como nas falas do coronel Gerson e de outros comentaristas brasileiros, cruzando essas informações com autores referenciais da geopolítica contemporânea.

1. USAID e a Doutrina Neoconservadora: Exportação da Democracia ou Imperialismo Disfarçado?

A criação da USAID, em 1961, tinha como proposta oficial fornecer assistência humanitária, mas desde sua origem foi projetada como um instrumento de influência política e geoestratégica dos EUA no mundo. Segundo Nye (2004, p. 5), “o poder suave funciona quando outros querem o que você quer. Isso contrasta com o poder duro, que utiliza coerção e pagamento”. A USAID opera exatamente nesse limiar, financiando ONGs, movimentos sociais e programas que alinham os países aos interesses americanos.

Porém, como alerta Chalmers Johnson (2000, p. 23), “as ações de inteligência, interferências e tentativas de mudança de regime sob o pretexto de ajuda e desenvolvimento acabam por gerar efeitos colaterais, o chamado blowback, que muitas vezes retornam para assombrar o próprio império”.

Essa atuação se articula historicamente com a agenda dos neoconservadores, grupo que, segundo Brzezinski (1997, p. 24), defende que os Estados Unidos devem “manter sua primazia global por meio da intervenção militar, controle de recursos estratégicos e imposição de seus valores”.

O ex-presidente Donald Trump, ao contrário, criticou abertamente essa política. Em discurso na Arábia Saudita, declarou: “não estamos aqui para dar lições. Não estamos aqui para dizer aos outros como viver” (TRUMP apud PATRICK, 2017, p. 156). Essa fala evidencia a ruptura de Trump com a tradição neoconservadora, priorizando o interesse interno americano.

2. A Guerra Híbrida Aplicada ao Brasil: Entre Censura, Judicialização e Pressões Diplomáticas

A guerra híbrida consiste em uma combinação de meios militares, diplomáticos, econômicos, cibernéticos e informacionais para desestabilizar governos. Para Mike Benz (2023), o modelo adotado pelos EUA nos últimos anos foca no controle informacional e na censura digital, como armas principais.

Na transcrição analisada, o coronel Gerson destaca que a visita do diretor da CIA ao Brasil, durante o processo eleitoral, “foi, na prática, uma ameaça velada ao governo brasileiro” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024). Trata-se de um episódio que ilustra claramente como os EUA, sob pretexto de “defesa da democracia”, interferem diretamente na soberania de outros países.

Essa prática não é nova. Como explica Zbigniew Brzezinski (1997, p. 48), estrategista da segurança nacional americana, “o controle da Eurásia é vital para a primazia americana, assim como o controle indireto da América Latina é essencial para garantir seu quintal estratégico”. A atuação da USAID e de outras agências se insere exatamente nessa lógica de manutenção do controle periférico.

3. O Desmonte Estratégico do Brasil: De FHC à Censura das Redes

O coronel observa ainda que desde o governo Fernando Henrique Cardoso houve um trabalho sistemático de redução do protagonismo militar brasileiro. O próprio Ministério da Defesa foi criado, segundo ele, “como uma imposição indireta dos EUA, visando limitar o poder autônomo das Forças Armadas brasileiras” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).

Esse enfraquecimento institucional coincidiu com a crescente dependência econômica do Brasil de setores controlados por capitais americanos e europeus, especialmente no agronegócio e na indústria de aviação. “Enquanto se acena diplomaticamente para a China e a Rússia, toda a estrutura produtiva de alto valor agregado brasileira está ligada ao Ocidente”, observa o coronel (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).

De fato, segundo Woolf (2022, p. 7), “a interdependência econômica é uma das ferramentas não militares mais eficazes de projeção de poder do Departamento de Defesa dos Estados Unidos”.

4. Choque Entre a Realidade Geopolítica e o Idealismo Ideológico

O descompasso entre o discurso ideológico da política externa brasileira — buscando alinhamento com China, Rússia e outros regimes — e sua realidade econômica interna, profundamente integrada ao sistema ocidental, gera contradições profundas.

Segundo Patrick (2017, p. 21), “a soberania no mundo moderno não pode mais ser tratada como um conceito absoluto, mas como uma negociação constante entre interesses domésticos e pressões externas”. Isso explica por que movimentos de aproximação do Brasil com blocos como os BRICS não são suficientes para alterar, no curto prazo, sua dependência estrutural dos EUA e da Europa.

O coronel Gerson conclui: “não se trata de amizade entre países, mas de interesses e de quem domina os mecanismos de pressão e influência” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).

Conclusão

A análise da atuação da USAID e da política externa americana no Brasil permite compreender que a soberania nacional é hoje disputada em múltiplas frentes: econômica, informacional, tecnológica e militar. A guerra híbrida, longe de ser uma abstração teórica, manifesta-se concretamente na forma de censura, judicialização seletiva, controle sobre redes sociais e pressões diplomáticas disfarçadas de defesa da democracia.

O amadurecimento da diplomacia brasileira exige que o país reconheça suas vulnerabilidades estruturais, compreenda os jogos de poder global e estabeleça políticas de fortalecimento interno que reduzam sua dependência estratégica, tanto do Ocidente quanto de outros polos de poder.

Referências Bibliográficas – Formato ABNT

BENZ, Mike. Testemunhos e Relatórios sobre Censura e Interferência nas Eleições. Foundation for Freedom Online, 2023. Disponível em: https://foundationforfreedomonline.com. Acesso em: 02 jun. 2025.

BRZEZINSKI, Zbigniew. The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives. New York: Basic Books, 1997.

GOMES, Coronel Gerson. Entenda funcionamento da USAID e influência dos EUA no Brasil. Transcrição de áudio. 2024.

JOHNSON, Chalmers. Blowback: The Costs and Consequences of American Empire. New York: Henry Holt, 2000.

NYE, Joseph S. Jr. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.

PATRICK, Stewart. The Sovereignty Wars: Reconciling America with the World. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2017.

TRUMP, Donald. Discurso na Cúpula Árabe-Americana-Islâmica. Riyadh, 2017. Apud: PATRICK, Stewart. The Sovereignty Wars: Reconciling America with the World. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2017.

USAID. History and Mission. Disponível em: https://www.usaid.gov. Acesso em: 02 jun. 2025.

WOOLF, Amy. U.S. Defense Primer: The Department of Defense. Congressional Research Service, 2022. Disponível em: https://crsreports.congress.gov/product/pdf/IF/IF10587. Acesso em: 02 jun. 2025.

Popularność Bolsonaro i wpływ na elektryzację brazylijskiej polityki: analiza w świetle teorii elit

Wstęp

Zjawisko Jair’a Bolsonaro, które doprowadziło do jego wyboru na urząd prezydenta Brazylii w 2018 roku, nie może być zrozumiane wyłącznie w ramach tradycyjnych paradygmatów brazylijskiej nauki politycznej. W rzeczywistości reprezentuje ono punkt zwrotny w krajowym systemie politycznym, gdzie po raz pierwszy kandydat zdobył władzę bez bezpośredniego poparcia tradycyjnych elit — politycznych, gospodarczych, medialnych i kulturalnych.

Proces ten nie jest zjawiskiem wyłącznie brazylijskim, lecz wpisuje się w szerszą dynamikę globalną, w której transformacja technologiczna, a zwłaszcza rozwój mediów społecznościowych, przełamała tradycyjne monopole komunikacji i kształtowania opinii publicznej. To zjawisko dało początek temu, co można nazwać elektryzacją polityki, czyli formą mobilizacji społecznej, która omija tradycyjne kanały instytucjonalne, działając w sposób bezpośredni, emocjonalny i wirusowy.

Aby właściwie zrozumieć ten proces, należy odwołać się do teorii elit rozwiniętej przez myślicieli takich jak Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, James Burnham i José Ortega y Gasset, a także do nowszych diagnoz przedstawionych przez Olavo de Carvalho, którego działalność była kluczowa dla uformowania konserwatywnego pola kulturowego w Brazylii.

Media społecznościowe i zerwanie z elitami

Wzrost popularności Bolsonaro nie byłby możliwy bez pośrednictwa mediów społecznościowych. Te nowe narzędzia technologiczne stały się mechanizmami deintermediacji, umożliwiając kandydatowi bezpośrednie przemawianie do ludu, bez konieczności poddawania się filtrom tradycyjnych mediów, partii politycznych, uniwersytetów czy innych instytucji elitarnych.

Jak zauważył Ortega y Gasset w Buncie mas, gdy masy uzyskują nieograniczony dostęp do środków wyrazu i wpływu, zaczynają kwestionować autorytet kwalifikowanych mniejszości, które tradycyjnie kierowały losem społeczeństw. Problem, według Ortegi, polega na tym, że masa, gdy buntuje się bez formacyjnej dyscypliny, ma tendencję do zachowań anarchicznych i destrukcyjnych.

Jednak przypadek Bolsonaro nie jest zwykłym buntem mas, lecz manifestacją próżni reprezentacyjnej, którą wcześniej opisywali Mosca i Pareto. Dla Moski każdą społeczeństwem de facto rządzi zorganizowana mniejszość — elita. Gdy ta elita staje się dysfunkcyjna, oderwana od wartości, interesów i potrzeb większości, pojawia się przestrzeń dla wyłonienia się alternatywnych przywódców.

Z kolei Pareto opisał to zjawisko jako cyrkulację elit: gdy elita dominująca traci swoje cnoty, zdolność do sprawowania władzy lub budowania konsensusu, jest nieuchronnie zastępowana przez nową elitę. Proces ten często odbywa się w sposób burzliwy i niekoniecznie gwarantuje pojawienie się lepszej elity, a jedynie zmianę ludzi sprawujących władzę.

W Brazylii media społecznościowe działały jako katalizator tego procesu. Ujawniły strukturalną słabość elit politycznych, kulturalnych i gospodarczych, które — głęboko zdyskredytowane — nie były w stanie powstrzymać wzrostu popularności kandydata pochodzącego spoza ich tradycyjnych kręgów. Jak trafnie zauważa James Burnham w Rewolucji menedżerów, nowoczesne elity zwykle składają się z technokratów, biurokratów i specjalistów. Jednak gdy grupy te stają się nadmiernie zamknięte i autoreferencyjne, odrywając się od rzeczywistości społecznej, pojawia się ryzyko ich obalenia przez radykalne ruchy kontestacyjne.

Improwizacja partyjna i bezpośredni głos ludu

Brazylijski system partyjny niemal jednogłośnie odrzucił Bolsonaro. Żadna z dużych, tradycyjnych partii nie chciała poprzeć jego kandydatury. Zmuszony był więc do stworzenia na szybko minimalnej struktury partyjnej, wystarczającej jedynie do formalizacji swojego startu w wyborach. Fakt ten sam w sobie jest wymowny: władza instytucjonalna, w formie partii politycznych, utraciła zdolność do kontrolowania dostępu do rządów.

Bolsonaro był zatem kandydatem wybranym bezpośrednio przez lud, z pominięciem klasycznych wektorów pośrednictwa politycznego. Nie oznacza to jednak, że jego wybór odbył się poza logiką elit — przeciwnie, oznaczał wyłonienie się nowej elity, której formowanie nastąpiło poza tradycyjnymi kręgami — elity medialnej, cyfrowej, złożonej z influencerów, niezależnych operatorów kulturowych, mikroprzedsiębiorców treści oraz ruchów zorganizowanych na platformach internetowych.

Taka konfiguracja potwierdza tezę Pareto o nieuchronności cyrkulacji elit, jak również uwierzytelnia krytykę Burnhama wobec nowoczesnej biurokracji, która — gdy traci swój dynamizm — zostaje nieuchronnie zepchnięta przez alternatywne formy mobilizacji.

Rola Olavo de Carvalho

W tym kontekście nie sposób pominąć roli, jaką odegrał Olavo de Carvalho, który przez dekady działał jako formator nowej konserwatywnej warstwy kulturowej w Brazylii. Jego pisma, wykłady i publiczne interwencje znacząco przyczyniły się do intelektualnego uformowania wielu aktorów, którzy później stanowili bazę wsparcia kulturowego, politycznego, a nawet technicznego dla rządów Bolsonaro.

Olavo głęboko rozumiał dynamikę wojny kulturowej oraz potrzebę atakowania intelektualnych fundamentów hegemonicznej elity, szczególnie tych zakorzenionych w marksizmie kulturowym, mediach korporacyjnych i publicznych uniwersytetach. Jego praca jest pod tym względem jednym z najbardziej znaczących współczesnych przykładów formowania alternatywnej elity, zgodnie z procesami cyrkulacji opisanymi przez Pareto i Moskę.

Zakończenie

Wybór Jair’a Bolsonaro na prezydenta Brazylii stanowił bezprecedensowe zjawisko w historii politycznej kraju: pojawienie się przywództwa prezydenckiego bez uprzedniego poparcia tradycyjnych elit. Wydarzenie to zostało zainicjowane przez technologiczną transformację mediów społecznościowych, które umożliwiły bezpośrednią formę komunikacji i mobilizacji społecznej.

Jednak w świetle teorii elit jasne jest, że to zjawisko nie zniosło rządów elit, lecz jedynie doprowadziło do ich wymiany. Stara elita, oderwana i upadająca, została zakwestionowana przez nową elitę, uformowaną na przecięciu ruchów kulturowych, operatorów cyfrowych i wyłaniających się liderów społecznych.

Jest to zjawisko, które ujawnia zarówno potencjał, jak i ryzyko związane z elektryfikacją demokracji: z jednej strony koryguje ono patologie ustalonych oligarchii, z drugiej — otwiera drogę do personalizmu, niestabilności i intensywnych konfliktów kulturowych.

Bibliografia

  • BURNHAM, James. Rewolucja menedżerów. Lizbona: Antígona, 1941.

  • MOSCA, Gaetano. Klasa polityczna: Studium socjologii rządów. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

  • ORTEGA Y GASSET, José. Bunt mas. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

  • PARETO, Vilfredo. Wzrost i upadek elit. Lizbona: Presença, 1991.

  • CARVALHO, Olavo de. Kolektywny imbecyl. Rio de Janeiro: Record, 1996.

  • CARVALHO, Olavo de. Ogród udręk. Rio de Janeiro: Record, 1995.

  • CARVALHO, Olavo de. Nowa Era i rewolucja kulturalna. Campinas: Vide Editorial, 2012.

 

 

A Popularidade de Bolsonaro e O Impacto na Eletrização da Política Brasileira: Uma Análise à Luz da Teoria das Elites

Introdução

O fenômeno Jair Bolsonaro, que culminou na sua eleição à presidência da República em 2018, não pode ser compreendido apenas pelos parâmetros tradicionais da ciência política brasileira. Ele representa, na verdade, um ponto de inflexão histórica no sistema político nacional, onde, pela primeira vez, um candidato chega ao poder sem o endosso direto das elites tradicionais — políticas, econômicas, midiáticas e culturais.

Esse processo não é um fenômeno isolado do Brasil, mas está inserido em uma dinâmica global mais ampla, onde a transformação tecnológica, especialmente a ascensão das redes sociais, rompeu os monopólios tradicionais da comunicação e da formação da opinião pública. Tal fenômeno dá origem ao que podemos chamar de eletrização da política, isto é, uma forma de mobilização popular que contorna os canais institucionais convencionais, operando de maneira direta, emocional e viral.

Para compreender adequadamente esse processo, é necessário recorrer à teoria das elites, desenvolvida por pensadores como Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, James Burnham e José Ortega y Gasset, além dos diagnósticos mais recentes oferecidos por Olavo de Carvalho, cuja atuação foi central para a articulação do campo cultural conservador no Brasil.

As redes sociais e a ruptura com a elite

A ascensão de Bolsonaro não teria sido possível sem a mediação das redes sociais. Esses novos instrumentos tecnológicos funcionaram como dispositivos de desintermediação, permitindo que o candidato falasse diretamente ao povo, sem precisar submeter-se aos filtros tradicionais da grande imprensa, dos partidos, das universidades ou de outras instituições da elite.

Conforme diagnosticou Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, quando as massas passam a ter acesso irrestrito aos meios de expressão e influência, elas desafiam a autoridade das minorias qualificadas que tradicionalmente conduziam os destinos das sociedades. O problema, segundo Ortega, é que a massa, quando se insurge sem disciplina formativa, tende a se comportar de maneira anárquica e destrutiva.

No entanto, o caso de Bolsonaro não é meramente uma rebelião das massas, mas a manifestação de um vácuo de representação, como já haviam descrito Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto. Para Mosca, toda sociedade é, na prática, governada por uma minoria organizada — a elite. Quando essa elite se torna disfuncional, desconectada dos valores, interesses e necessidades da maioria, abre-se espaço para a emergência de lideranças alternativas.

Pareto, por sua vez, descreveu esse fenômeno como a circulação das elites: quando uma elite dominante perde suas virtudes, sua capacidade de coerção ou de consenso, ela é, inevitavelmente, substituída por uma nova elite. Esse processo, muitas vezes, se dá de forma tumultuada, e não necessariamente garante uma elite superior à anterior, mas simplesmente uma mudança nos ocupantes do poder.

No Brasil, as redes sociais operaram como catalisadoras desse processo. Elas revelaram uma fraqueza estrutural na elite política, cultural e econômica, que, profundamente desacreditada, não conseguiu barrar a ascensão de um candidato oriundo de fora dos seus quadros tradicionais. Como bem observa James Burnham em A Revolução dos Gerentes, as elites modernas costumam ser compostas por tecnocratas, burocratas e especialistas. No entanto, quando esses grupos se tornam excessivamente fechados e autoreferenciais, desconectando-se da realidade popular, surge o risco de serem derrubados por movimentos de contestação radical.

A improvisação partidária e o voto popular direto

O sistema partidário brasileiro rejeitou Bolsonaro de forma quase unânime. Nenhum dos grandes partidos tradicionais quis endossar sua candidatura. Isso obrigou a criação, às pressas, de uma estrutura partidária mínima, suficiente apenas para formalizar sua inscrição nas eleições. Esse fato é, em si mesmo, revelador: o poder institucionalizado, na forma dos partidos, perdeu a capacidade de controlar o acesso ao governo.

Bolsonaro, portanto, foi um candidato eleito diretamente pelo povo, contornando os vetores clássicos da intermediação política. Isso não significa que sua eleição tenha ocorrido fora da lógica das elites, mas sim que representou a emergência de uma nova elite, cuja formação se deu fora dos círculos tradicionais — uma elite midiatizada, digital, composta por influenciadores, operadores culturais independentes, microempreendedores de conteúdo e movimentos organizados nas plataformas online.

Essa configuração confirma a tese de Pareto sobre a inevitabilidade da circulação das elites, bem como valida a crítica de Burnham à burocracia moderna, que, quando perde seu dinamismo, é fatalmente atropelada por formas alternativas de mobilização.

O Papel de Olavo de Carvalho

Dentro desse contexto, é impossível não mencionar o papel desempenhado por Olavo de Carvalho, que, durante décadas, atuou como formador de uma nova camada cultural conservadora no Brasil. Seus escritos, aulas e intervenções públicas contribuíram decisivamente para a formação intelectual de muitos dos atores que viriam a compor a base de apoio cultural, político e até técnico do governo Bolsonaro.

Olavo compreendia profundamente a dinâmica da guerra cultural e a necessidade de atacar os pilares intelectuais da elite hegemônica, especialmente aqueles fincados no marxismo cultural, na mídia corporativa e nas universidades públicas. Seu trabalho é, sob esse aspecto, um dos mais notáveis exemplos contemporâneos da formação de uma elite alternativa, como exigem os processos de circulação descritos por Pareto e Mosca.

Conclusão

A eleição de Jair Bolsonaro representou um fenômeno inédito na história política brasileira: a emergência de uma liderança presidencial sem o apoio prévio das elites tradicionais. Esse evento foi catalisado pela transformação tecnológica das redes sociais, que permitiu uma forma direta de comunicação e mobilização popular.

Contudo, à luz da teoria das elites, fica claro que esse fenômeno não aboliu o governo das elites, apenas promoveu sua substituição. A velha elite, desconectada e decadente, foi desafiada por uma nova elite, formada a partir da interseção entre movimentos culturais, operadores digitais e lideranças populares emergentes.

Trata-se de um fenômeno que revela tanto as potencialidades quanto os riscos das democracias eletrificadas: ao mesmo tempo em que corrige desvios das oligarquias estabelecidas, também abre caminho para formas de personalismo, instabilidade e conflito cultural intenso.

Bibliografia

  • BURNHAM, James. A Revolução dos Gerentes. Lisboa: Antígona, 1941.

  • MOSCA, Gaetano. A Classe Política: Um Estudo da Sociologia dos Governos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

  • ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

  • PARETO, Vilfredo. Ascesa e Declínio das Elites. Lisboa: Presença, 1991.

  • CARVALHO, Olavo de. O Imbecil Coletivo. Rio de Janeiro: Record, 1996.

  • CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.

  • CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural. Campinas: Vide Editorial, 2012.

Profanacyjny Mesjanizm: Uzurpacja Miejsca Boga w Dyskursie Politycznym

Wstęp: Powrót Fałszywych Mesjaszy we Współczesnej Polityce

Na przestrzeni całej historii ludzkości, gdy narody oddalały się od Boga, zawsze pojawiali się fałszywi mesjasze — ludzie, którzy z pychy i obłędu stawiali się na miejscu Boga, przypisując sobie zadanie zbawienia ludzkości. Idolatria władzy, pieniędzy i samego człowieka zawsze rodziła przywódców, którzy zamiast służyć, chcą być obsługiwani, wywyższani i czczeni.

To zjawisko, które można nazwać profanacyjnym mesjanizmem, ujawnia się szczególnie wyraźnie, gdy liderzy polityczni zaczynają posługiwać się językiem religijnym, aby usprawiedliwić swoje działania i ambicje, odwracając boski porządek, przedstawiając siebie jako narzędzia odkupienia, zbawienia lub nawet „cudów”.

W tym kontekście przeanalizujemy — w świetle teologii, filozofii i historii — niedawne wypowiedzi prezydenta Brazylii Luiza Inácio Luli da Silvy, który komentując budowę kanału wodnego São Francisco, oświadczył wprost, że Bóg stworzył suszę po to, aby on mógł ją rozwiązać.

1. Wypowiedź Luli: Proklamacja Społecznego Mesjasza

Oto bezpośredni cytat z przemówienia Luli:

„To jest cud, który wydarzył się dzięki facetowi, który przeżył suszę. W wieku siedmiu lat opuściłem Caetés i wyjechałem do São Paulo z matką i ośmiorgiem rodzeństwa, aby nie umrzeć z głodu i pragnienia. I ten Nordestino (mieszkaniec północno-wschodniej Brazylii), który uciekł przed suszą, wraca po 150 latach i realizuje przekopanie kanału z São Francisco, aby dostarczyć wodę Brazylijczykom. Bóg stworzył suszę, aby to ja ją rozwiązał.
(Przemówienie podczas inauguracji kanału São Francisco, Pernambuco, 2024)

Widać tu wyraźnie budowanie narracji mesjanistycznej, w której Lula stawia się w roli wybrańca, tego, który przewyższa samego Boga. W praktyce sugeruje, że Bóg stworzył problem, którego nawet On nie rozwiązał — ale Lula to zrobił.

To całkowite odwrócenie ontologicznego porządku między Stwórcą a stworzeniem jest głęboko bluźniercze i stanowi jawną manifestację tego, co tradycja chrześcijańska nazywa diabelską pychąsuperbia diabólica — tą samą, która skłoniła Lucyfera do powiedzenia: „Non serviam” — „Nie będę służył” (por. Jeremiasz 2,20).

2. Odniesienia Teologiczne: Pokusa Węża

a) Korzeń pychy: „Będziecie jako bogowie” (Rdz 3,5)

W Księdze Rodzaju wąż mówi do Ewy:

„Bóg bowiem wie, że gdy zjecie z niego, otworzą się wam oczy i będziecie jak Bóg, znający dobro i zło.”
(Rdz 3,5)

To jest istota każdej lucyferycznej pokusy: obietnica absolutnej autonomii, ubóstwienia siebie bez Boga. Gdy Lula mówi: „Bóg stworzył suszę, abym ja ją rozwiązał”, wchodzi dokładnie w tę demoniczną logikę, sugerując, że Boża Opatrzność jest niewystarczająca, niesprawiedliwa lub okrutna — i że to człowiek (on sam) musi naprawić rzekome „błędy” Boga.

b) Chrystus — Prawdziwy Mesjasz: Pokora i Ofiara

W przeciwieństwie do ludzkiej pychy, Chrystus nie przedstawia się jako rozwiązywacz problemów doczesnych, ale jako Ten, który odkupuje ludzkość z grzechu. Jak pisze św. Paweł:

„On, istniejąc w postaci Bożej, nie skorzystał ze sposobności, aby na równi być z Bogiem, lecz ogołocił samego siebie, przyjąwszy postać sługi, stawszy się podobnym do ludzi.”
(Flp 2,6-7)

Chrystus uniża się, oddaje się w ofierze. Fałszywy mesjasz przeciwnie — wywyższa się, gloryfikuje i domaga się czci.

3. Odniesienia Filozoficzne: Człowiek, który Chce Być Bogiem

a) Krytyka Pychy u Św. Augustyna i Św. Tomasza z Akwinu

Św. Augustyn w „De civitate Dei” (O Państwie Bożym) pisze, że pycha jest korzeniem każdego grzechu. To przez pychę ludzie budują „Państwo Ludzkie” w opozycji do „Państwa Bożego”, szukając własnej chwały, a nie chwały Boga.

Św. Tomasz z Akwinu w „Summa Theologica” analizuje grzech upadłych aniołów i wyjaśnia, że pycha jest tym grzechem, który popycha stworzenie do tego, by chciało być jak Bóg — ale bez Boga.

b) Nietzsche i Nadczłowiek: Śmierć Boga i Kult Człowieka

W XIX wieku Nietzsche ogłasza „śmierć Boga” i zapowiada nadejście Übermenscha — nadczłowieka, który sam stworzy swoje własne wartości, bez odniesienia do Boga.

To jest dokładnie ta sama struktura ideologiczna, która stoi za wypowiedzią Luli: skoro Bóg nie rozwiązał problemu, skoro Bóg stworzył problem (suszę), to nadczłowiek — polityk — ma go rozwiązać.

Tutaj polityk przestaje być sługą stworzonego porządku, a staje się nowym stwórcą porządku sztucznego, w którym państwo zajmuje miejsce Boga.

4. Odniesienia Historyczne: Polityczny Mesjanizm i Jego Tragedie

a) Rewolucja Francuska: Ustanowienie Bogini Rozumu

W 1793 roku, w katedrze Notre-Dame w Paryżu, rewolucjoniści usunęli krzyż i ustawili na ołtarzu kobietę — uosobienie Bogini Rozumu. To był symboliczny akt zastąpienia kultu Boga kultem człowieka, techniki i polityki.

Rezultatem był Terror — gilotyny na placach i prześladowania chrześcijan.

b) Marksizm i Socjalizm Naukowy: Zbawienie Bez Boga

Marksistowski socjalizm jest w swej strukturze profanacyjnym mesjanizmem. Zastępuje Boga — historią, Opatrzność — walką klas, a Zbawienie — ziemskim rajem komunizmu.

Efektem było ponad 100 milionów ofiar w XX wieku — ofiar szaleństwa ludzi, którzy chcieli zbawić świat bez Boga.

c) Latynoamerykański Populizm: Uosobienie Państwa

W XX wieku przywódcy tacy jak Perón w Argentynie, Chávez w Wenezueli, a dziś Lula w Brazylii, przekształcili postać polityka w niemal świętą istotę, której należy się miłość, oddanie i wdzięczność.

To już nie jest polityka. To jest idolatria państwowa.

5. Sąd Tradycji Chrześcijańskiej: Polityk, który Chce Być Bogiem

Nauczanie chrześcijańskie jest absolutnie jasne:

Nie będziesz miał bogów cudzych przede mną.(Wj 20,3)

Przeklęty człowiek, który polega na człowieku i z ciała czyni swoje oparcie.(Jr 17,5)

Jeśli wam powiedzą: Oto tu jest Mesjasz albo tam — nie wierzcie. Powstaną bowiem fałszywi mesjasze i fałszywi prorocy.(Mt 24,23-24)

Polityk, który przedstawia się jako zbawiciel, nie jest tylko oszustem. Jest znakiem czasów, prekursorem ostatecznej apostazji.

Zakończenie: Tylko Chrystus Zbawia

Żadna polityka, żadna ideologia, żadna ludzka działalność nie może rozwiązać fundamentalnego problemu ludzkości: grzechu. Susza, głód i nędza są konsekwencjami zranionego grzechem pierworodnym świata, a nie kaprysami Boga.

Prawdziwe rozwiązanie nie pochodzi z pałaców, trybunałów ani parlamentów. Pochodzi z Kalwarii. Pochodzi od ukrzyżowanego, umarłego i zmartwychwstałego Chrystusa. Tylko On może powiedzieć:

Na świecie doznacie ucisku, ale odwagi — Ja zwyciężyłem świat.(J 16,33)

Kiedy więc człowiek ma czelność mówić, że Bóg stworzył suszę, aby on ją rozwiązał, to nie jest tylko polityczna arogancja. To jest — teologicznie rzecz biorąc — bluźnierstwo, próba zasiadania na tronie Boga.

Niech chrześcijanie czuwają. Czasy są złe, a fałszywi mesjasze chodzą już pośród nas.

📖 Źródła teologiczne i biblijne

  • Pismo Święte. Tłumaczenie Konferencji Episkopatu Brazylii (CNBB). São Paulo: Wydawnictwo Paulus, 2001.

  • Święty Augustyn. O Państwie Bożym. Petrópolis: Wydawnictwo Vozes, 2012.

  • Święty Tomasz z Akwinu. Suma Teologiczna. Wydanie dwujęzyczne. São Paulo: Loyola, kilka tomów.

  • Katechizm Kościoła Katolickiego. Wydanie typiczne watykańskie. São Paulo: Wydawnictwo Loyola, 1997.

  • Benedykt XVI (Joseph Ratzinger). Wprowadzenie do chrześcijaństwa. São Paulo: Planeta, 2007.

  • Benedykt XVI (Joseph Ratzinger). Jezus z Nazaretu. Trylogia. São Paulo: Planeta, 2007–2012.

  • Sobór Watykański II. Konstytucja duszpasterska Gaudium et Spes (1965) oraz Konstytucja dogmatyczna Lumen Gentium (1964). Dokumenty Soboru Watykańskiego II. 

📚 Źródła filozoficzne

  • Friedrich Nietzsche. Tak mówił Zaratustra. Przekład: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

  • Friedrich Nietzsche. Wesoła Nauka. Przekład: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

  • Eric Voegelin. Nowa Nauka o Polityce. Brasília: Wydawnictwo Uniwersytetu w Brasílii, 1982.

  • Eric Voegelin. Religie polityczne. São Paulo: É Realizações, 2012.

  • Russell Kirk. Polityka Roztropności. São Paulo: É Realizações, 2013.

  • Roger Scruton. Zalety Pesymizmu: i niebezpieczeństwo fałszywej nadziei. São Paulo: É Realizações, 2011.

  • José Ortega y Gasset. Bunt Mas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

📜 Źródła historyczne

  • François Furet. Rewolucja Francuska. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

  • Simon Schama. Obywatele: Kronika Rewolucji Francuskiej. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

  • Stéphane Courtois (red.). Czarna Księga Komunizmu. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

  • Ernesto Laclau. Rozum Populistyczny. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

  • Hannah Arendt. Korzenie totalitaryzmu. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

  • Plínio Corrêa de Oliveira. Rewolucja i Kontrrewolucja. São Paulo: Wydawnictwo Vera Cruz, 1959.

  • Olavo de Carvalho. Ogród Udręk. São Paulo: Vide Editorial, 2015.

  • Olavo de Carvalho. Kolektywny Imbecyl. Rio de Janeiro: Record, 1996.

🗒️ Dokumenty i oświadczenia

  • Luiz Inácio Lula da Silva. Przemówienie podczas otwarcia prac nad przekierowaniem wód rzeki São Francisco, Pernambuco, 2024. Dostępne w mediach cyfrowych i publicznych archiwach brazylijskich mediów.

Da inflação ao cashback: duas gerações, dois modos de relacionar-se com o consumo

Minha mãe é filha da inflação. Cresceu e construiu sua vida adulta num Brasil onde quem adiasse o consumo perdia. A regra era simples, cruel e implacável: "Compre hoje, pois amanhã estará mais caro." Esse raciocínio não era fruto de imediatismo inconsequente, mas sim de uma estratégia de defesa, quase instintiva, contra o empobrecimento progressivo que a inflação impunha a todos.

Por isso, até hoje, mesmo vivendo em um ambiente de relativa estabilidade monetária, sua lógica permanece a mesma: resolver as demandas domésticas com rapidez, comprar o que é necessário sem esperar, antes que o preço suba — mesmo quando, muitas vezes, ele não sobe.

Eu, no entanto, sou filho de outro tempo. Fui educado na lógica da estabilidade relativa, dos programas de pontos, dos cashbacks e dos aplicativos que transformam consumo em acúmulo de capital simbólico — milhas, recompensas, crédito, vantagens. Minha mentalidade foi formatada não pela urgência, mas pelo planejamento.

Quando vou às compras, meu primeiro gesto é abrir o Livelo. Meu carrinho está sempre vazio, porque não carrego desejos impulsivos, mas uma lista de intenções organizadas na seção “comprar mais tarde”. Ali, reviso o que é prioridade, comparo, escolho fornecedores que me oferecem o maior retorno em pontos, cashback ou milhas. Só então efetuo a compra, dentro dos recursos que possuo e da estratégia que tracei.

O sistema de fidelidade, como o Livelo, não premia quem compra movido pela necessidade imediata, mas sim quem planeja, compara, e faz o tempo trabalhar a seu favor. Na lógica inflacionária, o tempo era um inimigo; na lógica do planejamento financeiro, o tempo se torna um aliado.

No fundo, tanto minha mãe quanto eu agimos de forma racional — cada um dentro da moldura histórica que o formou. Ela, para se proteger do empobrecimento gerado pela inflação. Eu, para transformar consumo em acúmulo de capital, seja ele financeiro, simbólico ou cultural.

Essa diferença revela mais do que um contraste geracional. Ela expressa uma mudança de mentalidade econômica, que reflete a transição do Brasil de uma economia de defesa — onde todos corriam para não perder — para uma economia de estratégia, onde ganha quem sabe esperar, comparar e acumular.

O curioso é que o Brasil de hoje oscila entre esses dois mundos. Quem não percebe isso vive preso a hábitos que já não oferecem as mesmas vantagens. Quem compreende essa dinâmica aprende que, no jogo econômico atual, não basta trabalhar — é preciso saber transformar consumo em capital, seja ele material ou imaterial.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

O Messianismo Profano: A Usurpação do Lugar de Deus no Discurso Político

Introdução: O Ressurgimento dos Falsos Messias na Política Moderna

Em todos os tempos da história humana, quando as nações se afastaram de Deus, surgiram falsos messias — homens que, por soberba e delírio, se colocaram no lugar de Deus, arrogando para si a tarefa de salvar a humanidade. A idolatria do poder, do dinheiro e do próprio homem sempre produziu líderes que, longe de servir, desejam ser servidos, exaltados e adorados.

Este fenômeno, que pode ser denominado messianismo profano, manifesta-se de forma especialmente clara quando líderes políticos passam a utilizar uma linguagem religiosa para justificar seus atos e suas ambições, invertendo a ordem divina ao apresentar-se como agentes de redenção, de salvação ou de "milagres".

É nesse contexto que analisaremos, à luz da teologia, da filosofia e da história, as declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ao comentar as obras da transposição do Rio São Francisco, disse explicitamente que Deus criou a seca para que ele viesse resolvê-la.

1. A Fala de Lula: A Proclamação do Messias Social

A transcrição direta do discurso de Lula é reveladora:

"Esse é um milagre que aconteceu com um cara que viveu a seca. Com sete anos de idade, saí de Caetés para São Paulo com a mãe e oito filhos num pau de arara para não morrer de fome e não morrer de sede. E esse nordestino, que saiu daqui para não morrer de sede, volta 150 anos depois e faz a transposição do São Francisco para trazer água para o povo brasileiro. Deus criou a seca, para que eu viesse resolvê-la."
(Discurso na inauguração das obras da transposição, 2024, Pernambuco)

Aqui se percebe claramente a construção de uma narrativa messiânica, em que Lula se coloca como o agente escolhido, aquele que supera até o próprio Deus. Na prática, ele sugere que Deus criou um problema, mas que ele, Lula, com sua ação política, resolve aquilo que nem Deus teria resolvido.

Essa inversão da ordem ontológica entre Criador e criatura é profundamente blasfema e representa uma clara manifestação daquilo que a tradição cristã denomina como superbia diabólica, a soberba luciferiana que levou Lúcifer a dizer: "Non serviam""Não servirei." (Jeremias 2, 20)

2. Referências Teológicas: A Tentação da Serpente

a) A raiz da soberba: "Sereis como deuses" (Gn 3,5)

No Gênesis, a serpente diz a Eva:

"Sabe Deus que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal." (Gênesis 3,5)

Essa é a essência de toda a tentação luciferiana: a promessa de autonomia absoluta, de divinização sem Deus. Ao declarar que "Deus criou a seca para que ele viesse resolvê-la", Lula se insere exatamente nesta lógica demoníaca, sugerindo que a providência divina é insuficiente, injusta ou cruel, e que cabe ao homem — no caso, ele próprio — corrigir os erros de Deus.

b) Cristo, o verdadeiro Messias: humildade e oblação

Ao contrário da soberba humana, Cristo não se apresenta como um solucionador de problemas terrenos, mas como aquele que redime a humanidade do pecado. Nas palavras de São Paulo:

"Sendo de condição divina, não se valeu de sua igualdade com Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens."
(Filipenses 2,6-7)

Cristo desce, se humilha, se entrega. O falso messias, ao contrário, se exalta, se glorifica e exige adoração.

3. Referências Filosóficas: O Homem que se Faz Deus

a) A Crítica de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino ao Orgulho

Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, afirma que o orgulho é a raiz de todo pecado. É pelo orgulho que os homens constroem a "Cidade dos Homens", em oposição à "Cidade de Deus", buscando sua própria glória e não a de Deus.

Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica, analisa o pecado dos anjos caídos e explica que a soberba é o pecado que leva a criatura a querer ser como Deus, sem Deus.

b) Nietzsche e o Super-Homem: A morte de Deus e o culto do homem

No século XIX, Nietzsche proclama a "morte de Deus" e anuncia o advento do Übermensch — o super-homem — que criará seus próprios valores, sem qualquer referência a Deus. Esta é, filosoficamente, a mesma estrutura do discurso de Lula: se Deus não resolveu, se Deus criou o problema (a seca), então cabe ao super-homem — o político — resolver.

Aqui, o político não é mais servidor da ordem criada, mas o novo criador de uma ordem artificial, onde o Estado ocupa o lugar de Deus.

4. Referências Históricas: O Messianismo Político e Suas Tragédias

a) Revolução Francesa: A Entronização da Deusa Razão

Em 1793, na Catedral de Notre-Dame, os revolucionários franceses depuseram a cruz e colocaram no altar uma mulher representando a "Deusa Razão". Isso simbolizou o culto do homem, da técnica, da política, em substituição ao culto de Deus.

O resultado foi o Terror, com guilhotinas nas praças e a perseguição dos cristãos.

b) O Marxismo e o Socialismo Científico: Salvação Sem Deus

O socialismo marxista é, estruturalmente, um messianismo profano. Substitui Deus pela História, a Providência pela Luta de Classes e a Redenção pelo paraíso terrestre do comunismo.

A consequência foram mais de 100 milhões de mortos no século XX, vítimas do delírio dos homens que queriam redimir o mundo sem Deus.

c) O Populismo Latino-Americano: A Personificação do Estado

No século XX, líderes como Perón na Argentina, Chávez na Venezuela, e agora Lula no Brasil, transformaram a figura do político em uma entidade quase sagrada, à qual se deve amor, devoção e gratidão. Isso não é política, é idolatria estatal.

5. O Juízo da Tradição Cristã: O Político que Quer Ser Deus

A Doutrina Cristã é claríssima:

  • "Não terás outros deuses diante de mim." (Êxodo 20,3)

  • "Maldito o homem que confia no homem e faz da carne mortal o seu braço." (Jeremias 17,5)

  • "Se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo, ou ei-lo ali, não acrediteis. Surgirão falsos cristos e falsos profetas." (Mateus 24,23-24)

O político que se apresenta como redentor não é só um impostor; é um sinal dos tempos, um precursor da apostasia final.

Conclusão: Só Cristo Salva

Nenhuma política, nenhuma ideologia, nenhuma obra humana pode resolver o problema fundamental da humanidade: o pecado. A seca, a fome e a miséria são consequências da desordem do mundo ferido pelo pecado original, não caprichos de Deus.

A verdadeira solução não vem dos palácios, dos tribunais nem dos parlamentos. Vem do Calvário. Vem do Cristo crucificado, morto e ressuscitado. É Ele, e somente Ele, que pode dizer:

"No mundo tereis tribulações. Mas tende coragem! Eu venci o mundo." (João 16,33)

Portanto, quando um homem ousa dizer que Deus criou a seca para que ele a resolvesse, não é apenas arrogância política. É, teologicamente falando, uma blasfêmia, uma tentativa de sentar-se no trono de Deus.

Que os cristãos estejam vigilantes. Pois os tempos são maus, e os falsos messias já caminham entre nós.

Bibliografia

📖 Fontes Teológicas e Bíblicas

  • A Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB, Editora Paulus, 2001.

  • Santo Agostinho. A Cidade de Deus. Editora Vozes, 2012.

  • Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica. Edição bilíngue, Loyola, vários volumes.

  • Catecismo da Igreja Católica. Edição típica vaticana, 1997.

  • Bento XVI (Joseph Ratzinger). Introdução ao Cristianismo. Ed. Planeta, 2007.

  • Bento XVI (Joseph Ratzinger). Jesus de Nazaré. Ed. Planeta, 2007-2012 (trilogia).

  • Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes (1965) e Lumen Gentium (1964).

📚 Fontes Filosóficas

  • Friedrich Nietzsche. Assim Falou Zaratustra. Companhia das Letras, 2011.

  • Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência. Companhia das Letras, 2012.

  • Eric Voegelin. A Nova Ciência da Política. Editora Universidade de Brasília, 1982.

  • Eric Voegelin. As Religiões Políticas. É Realizações, 2012.

  • Russell Kirk. A Política da Prudência. É Realizações, 2013.

  • Roger Scruton. As Vantagens do Pessimismo. É Realizações, 2011.

  • José Ortega y Gasset. A Rebelião das Massas. Martins Fontes, 2000.

📜 Fontes Históricas

  • François Furet. A Revolução Francesa. Ed. Martins Fontes, 1989.

  • Simon Schama. Cidadãos: Uma Crônica da Revolução Francesa. Companhia das Letras, 1989.

  • Stéphane Courtois (org.). O Livro Negro do Comunismo. Bertrand Brasil, 1999.

  • Ernesto Laclau. A Razão Populista. Três Estrelas, 2013.

  • Hannah Arendt. Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras, 1989.

  • Plínio Corrêa de Oliveira. Revolução e Contra-Revolução. Editora Vera Cruz, 1959.

  • Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. Vide Editorial, 2015.

  • Olavo de Carvalho. O Imbecil Coletivo. Record, 1996.

🗒️ Documentos e Declarações

  • Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva. Inauguração das Obras da Transposição do Rio São Francisco, Pernambuco, 2024. (Disponível em mídias digitais e registros públicos de imprensa brasileira).

Kairós e Chronos no Esporte: a crise do All-Star Game como sintoma da modernidade tardia

1. Introdução: O Tempo e a Ordem dos Rituais

Ao longo da história, as sociedades organizaram seu tempo segundo duas categorias fundamentais: Chronos, o tempo sequencial, mensurável, linear, do trabalho, da produção e da rotina; e Kairós, o tempo oportuno, qualitativo, sagrado, aquele que marca as pausas extraordinárias, os ritos, as festas, os encontros que dão sentido à vida.

O All-Star Game, nas suas origens, pertence claramente ao domínio de Kairós. Ele não é parte da sequência cronológica da temporada. Ao contrário, ele interrompe o curso da temporada regular, abrindo um espaço de celebração, consagração, honra e exceção. É o jogo dos melhores, dos escolhidos, dos heróis do tempo presente. Não importa quem vai vencer — importa quem ali está, porque aquilo é uma assembleia de excelência, de representação simbólica, quase litúrgica.

2. A Tentativa de Colonização de Kairós por Chronos

À medida que o mercado avança, a lógica do desempenho permanente e da produtividade incessante tenta suprimir os tempos extraordinários, absorvendo-os para dentro da linearidade do tempo cronológico. Um exemplo concreto disso foi a tentativa da MLB de fazer com que a vitória no All-Star Game garantisse o mando de campo nas finais. Ou seja, transformar um tempo que deveria ser gratuito, festivo e simbólico em mais uma variável instrumental dentro da lógica competitiva da temporada — um tempo que é cronológico.

O efeito, como se poderia prever a partir da análise de Polanyi, Han, Debord e Bauman, foi paradoxal: em vez de aumentar o valor simbólico e o prestígio do jogo, desvalorizou-o. A tentativa de atribuir uma função prática ao rito destrói o próprio rito.

3. A Transferência da Função Rítmica: Do All-Star Game ao Wild Card

No vácuo deixado pela degradação do tempo kairológico do All-Star Game, um novo evento emerge para cumprir parcialmente essa função: o jogo do Wild Card. Diferente da série de playoffs, que se inscreve plenamente no tempo cronológico da competição (melhor de cinco, de sete, etc.), o Wild Card é um jogo único, um momento decisivo, carregado de tensão existencial, onde tudo se define em poucas horas.

Paradoxalmente, o Wild Card não pertence plenamente nem a Chronos nem a Kairós. Ele é uma espécie de híbrido contemporâneo, que surge justamente do colapso da distinção entre os dois tempos. Funciona melhor que o All-Star Game moderno em sua capacidade de mobilizar atenção, emoção e sentido, mas o faz não mais como rito, e sim como espetáculo de risco máximo, aderindo à lógica líquida e ansiosa da modernidade.

4. Consequências Antropológicas e Culturais

A dissolução do tempo kairológico no calendário esportivo reflete uma transformação antropológica mais ampla. A cultura contemporânea não sabe mais pausar. Não sabe mais produzir intervalos carregados de sentido. Tudo deve ser fluxo, desempenho, produtividade, engajamento, audiência. A experiência do extraordinário, que deveria estar marcada pelo All-Star Game, é esvaziada, triturada pela lógica do conteúdo constante e da monetização incessante.

Quando Debord fala da Sociedade do Espetáculo, ele descreve precisamente esse processo: a substituição da experiência direta, qualitativa, comunitária, por uma sequência infinita de representações consumíveis.

Quando Bauman descreve a Modernidade Líquida, ele aponta que até os vínculos simbólicos, como o pertencimento a uma comunidade de fãs ou a tradição de um evento, tornam-se descartáveis, mutáveis e frágeis.

Quando Han fala do Desaparecimento dos Rituais, ele lamenta justamente que o mundo moderno tenha perdido sua capacidade de produzir pausas significativas, intervalos carregados de solenidade e reverência.

5. Conclusão: O Jogo que Perdemos

O All-Star Game não é apenas um jogo de basquete: é um espelho do modo como nossa civilização lida com o tempo, o rito e o sentido. Sua degradação reflete a tentativa da modernidade de suprimir Kairós e submeter tudo a Chronos.

O jogo do Wild Card cumpre hoje, de maneira precária, a função que outrora pertencia ao All-Star Game: dar ao público uma experiência que parece extraordinária, justamente porque é única, irrepetível e definitiva. No entanto, faz isso não mais como rito, mas como espetáculo de risco e de ansiedade — sinal inequívoco de que a modernidade líquida não sabe mais celebrar: apenas consome.

Bibliografia Complementar (Atualizada)

  • Adorno, T. W.; Horkheimer, M. (1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar.

  • Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar.

  • Debord, G. (1997). A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto.

  • Byung-Chul Han. (2017). Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes.

  • Byung-Chul Han. (2021). Sociedade da Transparência. Petrópolis: Vozes.

  • Byung-Chul Han. (2023). O Desaparecimento dos Rituais: Uma Topologia do Presente. Lisboa: Relógio D’Água.

  • Polanyi, K. (2000). A Grande Transformação: As Origens da Nossa Crise Atual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus.

  • Sennett, R. (1999). A Corrosão do Caráter: As Consequências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record.

  • Eliade, M. (1974). O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões. São Paulo: Martins Fontes. (Referência essencial sobre a distinção entre tempo sagrado e tempo profano).