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domingo, 6 de julho de 2025

Geoeconomia em forma de game: uma obra-prima da simulação global ainda por nascer

Resumo

Este artigo propõe o desenvolvimento de um jogo de simulação geoeconômica que una os fundamentos lúdico-estratégicos de três títulos consagrados — Capitalism Plus, Sid Meier’s Railroad Tycoon e TransOcean: The Shipping Company — articulando as dimensões terrestre, marítima e industrial da economia global. A ausência de um simulador aéreo robusto impede, até o momento, a consolidação de um ecossistema lúdico completo da economia mundial. A presente análise apresenta o esboço conceitual de um playbook de game design que permitiria a construção de uma verdadeira obra-prima no campo dos jogos de estratégia econômica, com potencial de educar, entreter e formar estrategistas para o século XXI.

1. Introdução

O mundo dos jogos de simulação e estratégia econômica evoluiu exponencialmente nas últimas décadas, permitindo experiências cada vez mais complexas e imersivas. Jogos como Capitalism Plus, Sid Meier’s Railroad Tycoon e TransOcean: The Shipping Company exemplificam esse progresso ao focarem, respectivamente, nos pilares da produção capitalista, da infraestrutura ferroviária e da logística marítima. Contudo, mesmo com esses avanços, permanece ausente um simulador aéreo de igual robustez que complete a tríade dos meios modernos de circulação de mercadorias e pessoas.

A proposta que aqui se apresenta é a criação de um jogo que una essas três dimensões sob uma mesma lógica sistêmica, oferecendo ao jogador uma simulação da economia global em tempo real. Trata-se de um projeto que, se concretizado, teria potencial não apenas lúdico, mas também educativo, cultural e até diplomático.

2. Os Três Pilares da Simulação Econômica

2.1. Capitalism Plus – o cérebro da produção

Lançado originalmente em 1995 e posteriormente aprimorado em Capitalism Lab, este jogo é referência incontornável em simulação econômica. Ele modela, com impressionante realismo, mercados de bens de consumo, produção, distribuição, marketing, ações e pesquisa e desenvolvimento1.

2.2. Sid Meier’s Railroad Tycoon – o eixo logístico terrestre

Lançado em 1990, o jogo marcou uma revolução ao permitir ao jogador expandir um império ferroviário em consonância com o desenvolvimento de cidades e centros industriais2. A bitola das ferrovias, o tipo de carga e a rentabilidade das rotas são elementos que fazem deste título um estudo de caso em logística terrestre.

2.3. TransOcean: The Shipping Company – os veios comerciais do mar

Lançado em 2014, esse jogo introduziu a simulação do comércio marítimo moderno em portos realistas com diferentes capacidades e custos de operação3. O jogo brilha ao mostrar a complexidade de rotas globais, manutenção de frota e contratos de transporte em cenários sujeitos a crises logísticas e políticas.

3. A Lacuna Aérea: O Vazio Estratégico

Falta ao ecossistema dos simulation games um título que modele a aviação comercial e de carga com realismo comparável aos três jogos anteriores. Títulos como Airline Tycoon ou o DLC Airports de Cities: Skylines oferecem experiências limitadas, sem simular com profundidade o impacto da aviação sobre o comércio internacional, as cadeias logísticas e os acordos bilaterais de tráfego aéreo4.

Essa ausência impede a construção de uma simulação geoeconômica holística. Afinal, em um mundo onde 35% do valor comercial circula pelo ar, mesmo representando apenas 1% do volume transportado5, ignorar o transporte aéreo compromete a verossimilhança do sistema.

4. O Playbook: rumo à obra-prima

A proposta central deste artigo é a concepção de um jogo chamado, provisoriamente, GeoEconomia – O Jogo do Poder Global. Ele combinaria:

  • Capitalismo e indústria, com sistemas produtivos e financeiros integrados.

  • Logística ferroviária, conectando polos de produção a portos e aeroportos.

  • Comércio marítimo, com gestão de frota e riscos geopolíticos.

  • Aviação comercial, com hub airports, restrições alfandegárias, tratados e sazonalidades.

Tudo isso interligado por um mecanismo sistêmico de geopolítica, incluindo:

  • Acordos multilaterais e sanções.

  • Barreiras alfandegárias dinâmicas.

  • Eventos globais como pandemias, guerras, colapsos financeiros.

  • Sistema climático afligindo rotas e cadeias logísticas.

Trata-se de uma simulação em escala mundial, com possibilidades de expansão histórica (DLCs como “Era Colonial”, “Guerra Fria” ou “Ascensão Asiática”).

5. Considerações Finais

O que hoje são três títulos isolados — cada um, uma obra significativa — pode, com esforço coordenado de game design e desenvolvimento técnico, se tornar um dos jogos mais influentes da próxima década. Sua complexidade o colocaria não apenas entre os melhores jogos de todos os tempos, mas também como ferramenta de ensino em cursos de economia, logística, relações internacionais e administração.

Assim como o SimCity inspirou urbanistas, ou Civilization moldou historiadores, GeoEconomia tem potencial para formar estrategistas econômicos capazes de compreender o mundo em sua totalidade sistêmica.

Notas de Rodapé

  1. CAPITALISM LAB. Capitalism Lab: The most realistic business simulation game. Enlight Software, 2023. Disponível em: https://www.capitalismlab.com. Acesso em: 6 jul. 2025.

  2. MEIER, Sid. Sid Meier’s Railroad Tycoon. MicroProse, 1990. Clássico absoluto da simulação ferroviária.

  3. TRANSOCEAN. TransOcean: The Shipping Company. Deck13 Hamburg, 2014. Disponível na Steam.

  4. COLOSSAL ORDER. Cities: Skylines – Airports DLC. Paradox Interactive, 2022. Embora útil, não substitui uma simulação dedicada à aviação comercial.

  5. IATA. Air cargo makes it happen. International Air Transport Association, 2023. Disponível em: https://www.iata.org. Acesso em: 6 jul. 2025.

Referências Bibliográficas 

COLOSSAL ORDER. Cities: Skylines – Airports DLC. Paradox Interactive, 2022. Jogo eletrônico.

DECK13 HAMBURG. TransOcean: The Shipping Company. Alemanha: Deck13, 2014. Jogo eletrônico.

ENLIGHT SOFTWARE. Capitalism Lab: The most realistic business simulation game. Hong Kong, 2023. Disponível em: https://www.capitalismlab.com. Acesso em: 6 jul. 2025.

IATA – INTERNATIONAL AIR TRANSPORT ASSOCIATION. Air cargo makes it happen. 2023. Disponível em: https://www.iata.org. Acesso em: 6 jul. 2025.

MEIER, Sid. Sid Meier’s Railroad Tycoon. MicroProse, 1990. Jogo eletrônico.

Dublin como elo geocultural entre Nova Iorque, Londres e São Petersburgo

Resumo

Este artigo propõe a leitura da cidade de Dublin como elo civilizacional entre os centros culturais de Nova Iorque, Londres e São Petersburgo. A hipótese é que existe uma rota simbólica, histórica e geopolítica que conecta o Ocidente anglo-americano ao Oriente eslavo-cristão, na qual Dublin exerce o papel de ponto de inflexão. A análise parte de eventos históricos como a diáspora irlandesa, a expansão do Império Britânico e a fundação de São Petersburgo como janela da Rússia para o Ocidente, percorrendo caminhos linguísticos, culturais e diplomáticos. O objetivo é mapear uma trilha civilizatória que conecta os três polos por meio de uma geografia simbólica.

1. Introdução

Ao longo dos séculos, as cidades tornaram-se mais do que meros espaços de aglomeração populacional: transformaram-se em símbolos vivos de civilizações, articulando relações entre cultura, economia e poder. Neste contexto, é possível propor que Dublin, capital da Irlanda, exerce uma função peculiar como elo entre o mundo anglo-americano e o universo eslavo-europeu. Entre Nova Iorque, metrópole do capitalismo moderno, e São Petersburgo, símbolo do desejo russo de europeização, Dublin é ponto de contato cultural, histórico e linguístico que viabiliza a mediação entre mundos.

2. Dublin e a ponte atlântica

2.1. A diáspora irlandesa

Entre 1845 e 1852, a Irlanda sofreu com a Grande Fome (Great Famine), que forçou milhões de irlandeses à emigração. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas emigraram para os Estados Unidos durante esse período, estabelecendo grandes comunidades em cidades como Nova Iorque, Boston e Chicago (MILLER, 1985).

"A cultura irlandesa, com seus valores comunitários, seu catolicismo resiliente e sua oralidade poética, teve profundo impacto na vida cultural americana" (IGNATIEV, 1995, p. 43).

Essa emigração massiva levou a uma espécie de duplicação cultural da Irlanda nos EUA, especialmente em Nova Iorque, onde o Dia de São Patrício é celebrado com mais fervor do que na própria Irlanda. Assim, Dublin tornou-se um símbolo compartilhado entre dois mundos — o da origem e o da promessa.

2.2. A Dublin do século XXI

Atualmente, Dublin é hub europeu para empresas norte-americanas, graças a políticas fiscais favoráveis da República da Irlanda. Grandes corporações como Google, Facebook, Apple e Microsoft estabeleceram sedes operacionais na cidade, intensificando o papel de Dublin como plataforma intermediária entre os EUA e a Europa (O’SULLIVAN, 2019).

3. Londres como centro de articulação imperial

Londres foi durante séculos o coração do Império Britânico, cuja presença na Irlanda, nas treze colônias e nas relações com o Império Russo moldou o mundo moderno. Na segunda metade do século XIX, o eixo Londres-São Petersburgo foi marcado por um equilíbrio tênue entre rivalidade e colaboração.

“O Império Britânico, apesar de sua oposição formal ao expansionismo russo, via São Petersburgo como parte de uma civilização europeia com a qual era possível negociar e à qual se opunha apenas nos termos da Realpolitik” (FERGUSON, 2004, p. 223).

Do ponto de vista da geopolítica, Londres representa o centro de cálculo racional da expansão ocidental — articulando Dublin e Nova Iorque como extensões periféricas de sua lógica imperial.

4. São Petersburgo e a janela para o Ocidente

São Petersburgo foi fundada por Pedro, o Grande, em 1703, com o propósito explícito de ser uma janela da Rússia para o Ocidente. A cidade foi projetada com influência direta de arquitetos europeus, sobretudo italianos e alemães, espelhando-se em capitais como Amsterdã e Paris (HUGHES, 2002).

"São Petersburgo não foi apenas uma cidade construída no pântano, mas uma cidade construída sobre uma ideia: a de que a Rússia poderia ser europeia" (RANCIÈRE, 2014, p. 97).

No século XIX, a cidade tornou-se o centro de uma elite cosmopolita que lia Shakespeare e Byron, falava francês e mantinha correspondência com intelectuais de Londres. Por esse caminho, Londres conecta-se a São Petersburgo também como interlocutora cultural, e não apenas diplomática.

5. A rota civilizacional: de Nova Iorque a São Petersburgo via Dublin e Londres

Essa linha imaginária entre Nova Iorque e São Petersburgo, passando por Dublin e Londres, pode ser vista como um eixo simbólico da modernidade cristã-ocidental, ligando:

  • o Novo Mundo americano (Nova Iorque),

  • a velha tradição católica (Dublin),

  • o racionalismo imperial britânico (Londres),

  • e o cristianismo ortodoxo imperial (São Petersburgo).

É uma trilha de expansão cultural, onde cada cidade representa uma etapa da tensão entre liberdade e ordem, entre tradição e modernização. Dublin, nesse sentido, é a dobra da história: por onde passa tanto a memória da fé católica quanto o avanço da racionalidade anglo-saxã.

Conclusão

A leitura de Dublin como elo entre Nova Iorque, Londres e São Petersburgo permite enxergar a cidade como mais do que um território insular: ela é um portal simbólico que liga diferentes civilizações sob a moldura comum do cristianismo, da modernidade e do conflito entre centro e periferia. Ao percorrermos essa rota, entendemos não apenas como as ideias circulam, mas também como se estruturam as geografias da alma ocidental, que ainda hoje disputam o futuro da civilização.

Referências

FERGUSON, Niall. Empire: How Britain Made the Modern World. Londres: Penguin Books, 2004.

HUGHES, Lindsey. Russia in the Age of Peter the Great. New Haven: Yale University Press, 2002.

IGNATIEV, Noel. How the Irish Became White. Nova Iorque: Routledge, 1995.

MILLER, Kerby A. Emigrants and Exiles: Ireland and the Irish Exodus to North America. Oxford: Oxford University Press, 1985.

O’SULLIVAN, Patrick. Ireland and the Global Technology Economy. Dublin: Institute for International and European Affairs, 2019.

RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: Política e Filosofia. São Paulo: 34, 2014.

As limitações logísticas de TransOcean: The Shipping Company e o potencial de um verdadeiro simulador marítimo

 Lançado como uma proposta de simulação econômica e logística no mundo do transporte marítimo, TransOcean: The Shipping Company atraiu jogadores interessados na gestão de frotas, planejamento de rotas e comércio internacional. No entanto, ao aprofundar-se na mecânica do jogo, torna-se evidente que ele carece de dois elementos logísticos essenciais que impedem a simulação de uma cadeia de suprimentos eficiente: o sistema de transbordo entre navios (hub-feeder) e a presença de armazéns regionais.

1. A ausência do sistema hub-feeder: uma falha conceitual

No comércio marítimo global, o modelo hub-and-spoke é central para o escoamento eficiente de mercadorias. Grandes navios, como os Panamax e NeoPanamax, operam entre hubs marítimos — grandes portos com capacidade para receber volumes massivos. Desses hubs, as cargas são redistribuídas por navios menores (feeders) para portos regionais ou menos equipados.

Essa prática:

  • Reduz os custos operacionais.

  • Aumenta a eficiência logística.

  • Permite a especialização das frotas por tipo e porte.

  • Gera uma malha de transporte modular, resiliente e adaptável.

Porém, em TransOcean, o jogador não pode transferir cargas entre navios — uma limitação grave. Essa ausência:

  • Elimina a possibilidade de replicar a lógica dos grandes centros portuários, como Rotterdam, Singapura ou o Canal do Panamá.

  • Torna os feeders obsoletos ou secundários, sem função estratégica real.

  • Força o uso de rotas diretas, mesmo quando economicamente inviáveis ou ilógicas.

O jogo, assim, se descola da realidade portuária global e perde a chance de oferecer uma simulação estratégica mais profunda.

2. A ausência de armazéns regionais: logística sem estoques

Outro problema está na impossibilidade de construir ou operar armazéns ou centros de distribuição nas sedes ou filiais da companhia. Essa falha prejudica qualquer tentativa de regionalizar a oferta, gerenciar estoques ou atender à demanda com flexibilidade.

Na prática, isso significa que:

  • Toda carga deve ser entregue imediatamente, sem a possibilidade de armazenamento temporário.

  • A dinâmica de preços regionais e variações de demanda tornam-se secundárias.

  • Estratégias como acumular produtos para vender no melhor momento ou redistribuir de acordo com a necessidade local tornam-se inviáveis.

Em termos de realismo, isso compromete a lógica de distribuição integrada, pois a logística moderna é tanto sobre transporte quanto sobre armazenamento estratégico. Os armazéns permitem:

  • Resposta rápida a flutuações do mercado.

  • Redução de custos por meio de consolidação de cargas.

  • Melhor uso dos ativos (navios e portos).

Sem isso, a gestão vira um fluxo contínuo e rígido, sem espaço para planejamento logístico de médio e longo prazo.

3. Consequências para o design e para a experiência do jogador

Essas limitações impactam diretamente a experiência estratégica:

  • O jogador é impedido de pensar como um verdadeiro armador, operando com uma rede de distribuição e pontos de apoio globais.

  • Não se pode experimentar cenários complexos de integração logística.

  • O jogo favorece a rotina operacional básica em detrimento da inovação estratégica.

É importante reconhecer os méritos do jogo enquanto simulador introdutório, mas sua falta de profundidade impede que ele se firme como referência entre os grandes jogos de simulação econômica. Seria como um jogo ferroviário que não permite estações de transbordo — a essência da malha logística fica perdida.

4. Caminhos para um TransOcean 3 ou para um concorrente à altura

Caso um novo título venha a ser desenvolvido, ou mesmo para inspirar concorrentes, duas implementações são urgentes:

a) Sistema de transbordo entre navios

  • Permitir que navios feeders recebam carga de Panamax e vice-versa.

  • Incorporar smart ports e zonas de livre comércio.

  • Implementar custos de operação de guindastes, gruas e pessoal portuário.

b) Armazéns regionais e lógica de estoques

  • Oferecer centros de distribuição para estocagem temporária.

  • Permitir operações de just-in-time e cross-docking.

  • Variar preços conforme oferta e demanda regional, clima e sazonalidade.

Com isso, o jogo teria um salto qualitativo, abrindo espaço para jogadores profissionais, entusiastas de logística e até uso educacional em cursos de comércio exterior, logística e administração portuária.

Conclusão

O TransOcean: The Shipping Company cativa, mas não se aprofunda. Ao ignorar práticas logísticas básicas — como o transbordo entre navios e o uso de armazéns —, o jogo perde a chance de ser um verdadeiro simulador do transporte marítimo moderno. Para além do entretenimento, há um potencial pedagógico e técnico que permanece inexplorado. Que um futuro título possa resgatar esse horizonte — pois o mar, como a estratégia, exige profundidade.

Saelig: um jogo como obra de Igreja

Se a memória não me falha, Saelig foi lançado por volta de 2016 ou 2017, ainda em acesso antecipado. O jogo me chamou atenção imediatamente, não apenas pelo tema – uma simulação de vida na Inglaterra medieval – mas pela dimensão artesanal do projeto. Assim como Stardew Valley, Saelig foi criado por uma única pessoa, o que, por si só, já é uma proeza digna de nota num mercado dominado por grandes estúdios e ciclos de produção impessoais.

Só por isso, comprei o jogo. Comprei como quem aposta não só em um produto, mas em uma visão. Não porque eu fosse jogá-lo imediatamente, mas porque algo em mim já sabia – por experiência, por prudência – que Saelig era um jogo à frente de seu tempo. Seu mérito estava justamente naquilo que muitos jogadores ignoram: ele não é um jogo para o agora.

A experiência me ensinou que certos jogos são como vinho ou como catedrais: pedem tempo. Não apenas tempo para maturar no sentido técnico – atualizações, melhorias, correções –, mas também tempo para que o mundo ao seu redor amadureça, especialmente no que se refere ao hardware. Um jogo como Saelig, com sua proposta complexa e sistemas interligados que simulam vida, comércio, política e relações sociais no período medieval, exige uma máquina que esteja à altura da sua ambição. E isso, naquela época, era raro.

Estamos falando de quase dez anos de acesso antecipado1. Isso não é falha – é fidelidade a uma visão. Em outro contexto, essa espera se pareceria com a construção de uma igreja: tijolo por tijolo, pacientemente. E é assim que vejo Saelig: como uma obra de igreja. Seu tempo é outro. Sua lógica é outra. Seu valor está mais na fidelidade ao projeto do que na pressa de agradar.

Por isso, tão logo o jogo fique “pronto”, eu aguardarei mais uns dez anos para finalmente jogá-lo como ele merece: em um computador de entrada que, no futuro, será capaz de rodar Saelig com toda sua complexidade, fluidez e beleza. Não, Saelig não é um Star Citizen, não tem o marketing nem o escopo megalomaníaco2. Mas nele reside algo mais raro: coerência, esforço solitário e amor à ideia. E isso, para mim, já é motivo suficiente para esperá-lo. Com reverência.

Assim como Stardew Valley, feito por Eric Barone (ConcernedApe), ou Manor Lords, desenvolvido por Slavic Magic, Saelig é um clássico em formação: uma prova de que o trabalho de um só homem, guiado pela verdade, pode valer mais que os bilhões de dólares despejados por conglomerados como a EA, cuja produção muitas vezes carece de alma e se contenta com a ilusão. A Electronic Arts comercializa promessas recicladas ano após ano; Saelig entrega um mundo inteiro, feito com o suor de um artista. E é disso que precisamos: menos publicidade, mais verdade

Posso agora converter esse artigo para publicação em seu blog ou Medium com formatação Markdown, ou montar um PDF com diagramação elegante se desejar divulgar como ensaio. Deseja que eu o formate em alguma dessas opções?

Notas de Rodapé

  1. Saelig foi desenvolvido por Eric J. Rempel, fundador da Stardog Games, de maneira praticamente individual. Já Stardew Valley foi criado por Eric Barone, e Manor Lords por Greg Styczeń (Slavic Magic).

  2. A data oficial de lançamento em acesso antecipado foi 18 de agosto de 2017. Desde então, o jogo recebe atualizações periódicas e melhorias significativas, preservando sua integridade conceitual.

  3. Star Citizen é frequentemente lembrado por seu desenvolvimento prolongado e orçamentos astronômicos. Mas a diferença fundamental está na motivação: enquanto Saelig é um projeto de fidelidade e coerência artística, Star Citizen se tornou um símbolo da promessa eterna.

Bibliografia complementar

  • GARDINER, Bryan. "How One Man Made Stardew Valley". Wired Magazine. 2016.

  • PARKIN, Simon. "The cathedral builders of indie gaming". The Guardian, 2020.

  • VOS, Dirk. "Medieval Simulators: Between Game and Historical Reconstruction". Game Studies Journal, 2022.

  • NEWMAN, James. Best Before: Videogames, Supersession and Obsolescence. Routledge, 2012.

  • COOKE, Rachel. "Why we need slow games in a fast world". New Statesman, 2019.

Captain of Industry e A Virtude de Esperar: a estratégia de quem vence no Fim

Há jogos que não se jogam no lançamento. Jogam-se no tempo certo — e esse tempo não é medido pela ansiedade do mercado, mas pela maturidade do próprio jogo e da tecnologia que o acolhe. Captain of Industry, lançado em acesso antecipado no dia 31 de maio de 2022¹, é um desses títulos que exigem não apenas atenção, mas discernimento temporal. Ele não é feito para quem quer tudo agora, mas para quem sabe o valor da espera.

Desde o seu lançamento, o jogo se apresenta como um simulador industrial complexo, repleto de camadas de engenharia, logística, geopolítica e gestão de recursos. Jogá-lo enquanto ainda está em desenvolvimento é possível — mas não recomendável para quem busca uma experiência verdadeiramente refinada. E aqui começa a lição.

O valor da estratégia antecipada

A verdadeira estratégia antecipada não é a pressa, mas a previsão. E prever, neste caso, é compreender que, tão logo Captain of Industry atinja sua versão definitiva, o jogador prudente ainda aguardará uns bons dez anos. Por quê? Porque sabe que só então poderá jogá-lo de modo sustentável, fluido e sem frustrações técnicas — em um computador de entrada, comprado a preço justo, com capacidade de sobra para rodar o que hoje exige hardware de elite².

Essa espera, aparentemente longa, é justamente o que distingue o homem comum do estrategista. Enquanto muitos se agitam por gráficos e FPS no agora, o homem previdente investe em tempo e paciência. Ele entende que a qualidade suprema de uma experiência está no momento em que ela é colhida com plenitude — e não quando é arrancada verde da árvore.

O futuro como território da justiça

Esperar, nesse caso, não é resignação. É justiça com o próprio jogo, com o próprio tempo e com a experiência que se quer viver. Assim como não se abre um vinho raro logo após engarrafá-lo, também não se joga um jogo como Captain of Industry em seus primeiros anos de vida — a menos que se aceite o amargo sabor da instabilidade³.

O prudente sabe que daqui a uma década, o jogo estará não apenas finalizado, mas polido por atualizações, alimentado por mods, documentado por guias, respaldado por uma comunidade madura e, sobretudo, acessível a qualquer máquina comum⁴. Nesse momento, o que antes era luxo, torna-se medida justa.

Conclusão: a melhor parte das coisas

Esse olhar — sóbrio, calculado e humilde — é a prova de que a estratégia antecipada só premia quem espera, pois é esse que alcança a melhor parte das coisas. Em um mundo marcado pela pressa e pelo consumo voraz, a espera consciente é um ato de resistência. É o traço do homem que não quer apenas consumir, mas viver com plenitude, de maneira integral, aquilo que ama.

Captain of Industry ainda não chegou. Mas o homem prudente já o vê no horizonte — não como pressa, mas como promessa. E essa promessa, quando se cumprir, encontrará um jogador pronto para acolhê-la com a mesma nobreza com que um rei acolhe o ouro que o tempo lhe fez merecer.

Notas de Rodapé

  1. Steam. Captain of Industry – Early Access. Disponível em: https://store.steampowered.com/app/1594320/Captain_of_Industry/. Acesso em: 6 jul. 2025.

  2. Segundo a página do jogo na Steam, os requisitos mínimos atuais envolvem pelo menos 8 GB de RAM, processador quad-core e placa de vídeo com 2 GB de VRAM, mas o desempenho ideal exige hardware bem superior. O jogo ainda não está otimizado para placas integradas.

  3. Em fóruns como Reddit e Steam Community, usuários frequentemente relatam que o jogo consome bastante CPU e que ainda há bugs e mecânicas em desenvolvimento (versão 0.5.x em 2025).

  4. A tendência histórica de jogos como Factorio, Cities: Skylines e Oxygen Not Included mostra que, ao longo de 5 a 10 anos, títulos exigentes tornam-se muito mais leves em comparação ao avanço do hardware de entrada. 

Referências Bibliográficas

STEAM. Captain of Industry. Disponível em: https://store.steampowered.com/app/1594320/Captain_of_Industry/. Acesso em: 6 jul. 2025.

STEAMDB. Captain of Industry – Release history. Disponível em: https://steamdb.info/app/1594320/history/. Acesso em: 6 jul. 2025.

REDDIT. Captain of Industry subreddit. Discussões técnicas e feedbacks da comunidade. Disponível em: https://www.reddit.com/r/CaptainOfIndustry/. Acesso em: 6 jul. 2025.

STEAM COMMUNITY. Captain of Industry Discussions. Tópicos diversos sobre bugs, atualizações e desempenho. Disponível em: https://steamcommunity.com/app/1594320/discussions/. Acesso em: 6 jul. 2025.

Retrogaming: um olhar prudente para o futuro da experiência digital

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre o retrogaming como prática que transcende a nostalgia e se estrutura como atitude crítica diante da lógica de consumo da indústria dos jogos eletrônicos. Argumenta-se que o retrogamer, longe de ser alguém preso ao passado, é aquele que, ao valorizar experiências consolidadas e acessíveis, antecipa o futuro e sustenta uma forma de consumo mais racional e historicamente consciente.

Palavras-chave: retrogaming; indústria de jogos; consumo tecnológico; sustentabilidade digital; cultura gamer.

Introdução

A indústria de jogos eletrônicos tornou-se uma das mais lucrativas e influentes do mundo. No entanto, por trás do apelo das grandes produções, dos gráficos de última geração e do marketing agressivo, esconde-se uma lógica que associa a experiência do jogo ao consumo imediato de hardware de ponta. Quem comercializa jogos, na prática, comercializa experiências — e essas experiências exigem máquinas que estejam à altura do que os desenvolvedores projetaram.

1. O jogo como experiência e a lógica do agora

Um jogo não é apenas um produto técnico; ele é um universo interativo, uma forma narrativa e sensorial que envolve o jogador de maneira total. Essa experiência, no entanto, não pode ser dissociada do suporte técnico que a viabiliza. Os requisitos mínimos e recomendados de hardware funcionam como um filtro social e econômico: quem pode jogar o lançamento com qualidade está, de fato, vivendo a experiência completa; quem não pode, vive apenas um esboço.

Diante disso, o consumidor comum de jogos, o chamado gamer, é frequentemente compelido a investir em upgrades constantes, numa lógica de obsolescência programada que favorece a indústria, mas penaliza o jogador¹. Essa corrida constante pelo “último lançamento” acaba por fragmentar a comunidade gamer e excluir muitos da plena fruição das experiências.

2. A prudência do retrogamer

Enquanto o gamer médio deseja o agora, o retrogamer age com prudência: sabe que, no futuro, o acesso a boas experiências será democratizado, quando os hardwares de hoje se tornarem acessíveis. Assim, o retrogamer espera. E, enquanto espera, joga o que já está consolidado, o que já provou seu valor estético e técnico. Com isso, ele se situa fora da lógica da ansiedade de consumo e adota uma postura econômica, histórica e filosófica.

Retrogaming, nesse sentido, não é simplesmente jogar “jogos velhos”. É sustentar um modelo de experiência que respeita o tempo, a memória e o investimento. É compreender que o jogo, como obra cultural, permanece valioso mesmo fora do hype — e que o prazer de jogar pode ser mais pleno quando liberto das pressões do consumo.

3. Retrogaming como cultura e estilo de vida

Retrogaming é, também, uma forma de resistência. Uma cultura própria, com fóruns, comunidades, festivais, museus digitais e colecionadores que mantêm viva a história da indústria de jogos². É um estilo de vida digital que aposta na sustentabilidade, na preservação e no respeito à tradição da mídia.

Assim como o colecionador de vinil resgata o valor da música em sua materialidade analógica, o retrogamer resgata o valor da jogabilidade, da estética e da inovação dos jogos de outras eras — muitos dos quais ainda superam em design e desafio títulos contemporâneos³.

Conclusão

Enquanto o mundo monta a máquina do futuro, o retrogamer monta o melhor emulador para viver o passado com dignidade. E, paradoxalmente, ao fazer isso, ele se antecipa. Pois sabe que, no tempo certo, o jogo do presente será acessível e sua experiência, plena. Retrogaming, portanto, não é olhar para trás com saudade, mas olhar para frente com sabedoria.

Referências Bibliográficas

  1. Dyer-Witheford, N.; De Peuter, G. Games of Empire: Global Capitalism and Video Games. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009.

  2. Huhtamo, E. “Slots of Fun, Slots of Trouble: An Archaeology of Arcade Gaming.” In: Handbook of Computer Game Studies. Cambridge: MIT Press, 2005.

  3. Donovan, T. Replay: The History of Video Games. Lewes: Yellow Ant, 2010.

  4. Juul, J. The Art of Failure: An Essay on the Pain of Playing Video Games. Cambridge: MIT Press, 2013.

  5. Newman, J. Best Before: Videogames, Supersession and Obsolescence. New York: Routledge, 2012.

Notas de Rodapé

  1. Sobre a lógica de obsolescência programada no universo dos jogos, ver Dyer-Witheford & De Peuter (2009, p. 148), que analisam a produção constante de novos hardwares como parte da estratégia de expansão de lucros da indústria.

  2. Há um crescente número de museus digitais dedicados à preservação dos jogos clássicos, como o Internet Archive (https://archive.org/details/softwarelibrary_msdos_games), que mantém versões jogáveis em emuladores online de títulos dos anos 1980 e 1990.

  3. Jogos como Chrono Trigger (1995) ou Planescape: Torment (1999) continuam sendo referência em narrativa, mecânica e design, sendo frequentemente citados em listas de melhores jogos da história, mesmo após décadas de seu lançamento.

Jogos para quem prefere o silêncio ao ruído: por que escolho Sid Meier's Railroads e TransOcean como resistência ao mundo online

 Vivemos uma era em que até o lazer foi tomado pela lógica da performance. A maioria dos jogos, hoje, não apenas exige que você jogue, mas que jogue contra alguém, que vença, que suba no ranking, que exiba conquistas e que, de preferência, esteja online o tempo todo. A lógica do espetáculo infiltrou-se no mundo dos jogos — e com ela, entrou a pressa, a vaidade, a exposição constante. Mas eu resisti. E sigo resistindo.

Dois jogos têm me acompanhado nessa resistência discreta: Sid Meier’s Railroads e TransOcean: The Shipping Company. Ambos são títulos que muitos talvez considerem ultrapassados, ou “lentos demais” para os padrões atuais. Mas é justamente por isso que os escolho. Eles não exigem pressa. Não me cobram performance pública. Não me forçam a competir com alguém que nem conheço. Não há ninguém “enchendo o saco” no chat, nem querendo provar que é melhor do que eu. E, sobretudo, não me arrancam do meu ritmo.

O silêncio construtivo de Sid Meier's Railroads

Em Sid Meier’s Railroads, o que me encanta não é só o tema ferroviário, mas o ritmo próprio da construção econômica. Há algo de profundamente satisfatório em ligar cidades, equilibrar oferta e demanda, ver o mapa crescer como um organismo vivo. Em vez de adrenalina, o jogo me oferece compasso, decisão estratégica, previsibilidade dentro do caos natural do capitalismo ferroviário do século XIX. Jogo por longos períodos, em sessões que se estendem como uma leitura demorada — e por isso mesmo frutífera.

A vastidão oceânica de TransOcean

Já em TransOcean, o apelo é diferente, mas igualmente meditativo. Nele, sou dono de uma companhia de navegação, atravessando rotas globais, administrando contêineres, otimizando tempo de carga e descarga. O mar me ensina a esperar. As rotas não mudam com o clique de um botão. As decisões erradas cobram um preço com atraso — mas cobram. Quando jogo no modo livre, off-line, sinto-me como um monge mercante: sozinho com minha planilha, meu porto e meus navios, longe das interferências que desgastam a experiência.

A escolha como gesto moral

Poderia parecer que essa escolha é meramente estética ou prática. Mas para mim, ela também é moral. Num mundo em que o tempo é devorado pela velocidade, escolho o tempo longo. Num mundo em que todos gritam suas vitórias para serem vistos, escolho o silêncio do mérito invisível. Jogar offline é, de certo modo, reivindicar o direito de estar só com o próprio pensamento.

Isso não significa que rejeito os jogos online ou os multijogadores competitivos. Significa apenas que, quando jogo, quero estar em paz — e quero construir alguma coisa que só eu compreendo, no ritmo que me cabe. Porque o jogo, nesse caso, se torna uma extensão do trabalho espiritual e intelectual que me proponho a fazer: com método, com regularidade, sem vaidade.

Conclusão

Enquanto o mundo monta a máquina do futuro, eu me especializo em montar o melhor emulador do passado. Isso não é nostalgia. É estratégia. É fidelidade ao que fui chamado a fazer: crescer por dentro, e não para os olhos do mundo.

E se amanhã, alguém perguntar se estou “por fora” por não jogar os grandes títulos online do momento, sorrio. Porque eu sei onde está o verdadeiro jogo — e ele acontece onde ninguém me vê: num mapa ferroviário bem administrado ou numa rede de portos discretamente próspera.