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segunda-feira, 7 de julho de 2025

Nine Provinces: Caravan — O tycoon histórico que o Ocidente esqueceu de fazer

 Num mar saturado por jogos repetitivos, gráficos chamativos e fórmulas industrializadas, vez ou outra emerge uma obra discreta, mas profundamente significativa. É o caso de Nine Provinces: Caravan, um jogo que, à primeira vista, pode parecer modesto — gráficos pixelados, menus simples, interface minimalista —, mas que, sob essa aparência despretensiosa, esconde uma verdadeira obra-prima do gênero tycoon, criada aparentemente por uma única pessoa.

Uma pérola rara no nicho esquecido

Enquanto o Ocidente continua a produzir jogos de gestão e comércio com foco em capitalismo industrial, impérios coloniais e megacorporações modernas, Nine Provinces: Caravan trilha um caminho oposto: propõe uma experiência enraizada em uma cultura oriental fictícia, com base nas tradições e dinâmicas da China histórica. O jogador, ao invés de ser um CEO ou conquistador, é um simples mercador, tentando sobreviver e prosperar nas complexas redes de caravanas, mercados locais, líderes tribais e ciclos sazonais.

O comércio aqui não é apenas uma atividade econômica. É um modo de viver, uma forma de pertencimento, uma missão de harmonia social. Isso o coloca muito mais próximo das práticas tradicionais de troca de valor nas antigas civilizações do que dos gráficos de lucro trimestral dos simuladores ocidentais.

Minimalismo com Profundidade

Os gráficos simples e desenhados à mão de Nine Provinces: Caravan não são uma limitação — são uma escolha estética consciente. Eles não distraem o jogador com efeitos visuais, mas o convidam a mergulhar na estratégia, na observação do mundo, na tomada de decisões com consequências reais.

Não há pressa, não há estímulos artificiais. O jogo ensina a esperar a colheita, acompanhar as chuvas, observar as tensões locais e navegar por uma tapeçaria de narrativas e relações. Trata-se de um jogo mais contemplativo do que competitivo — o tipo de design que não encontra espaço fácil nas grandes distribuidoras ocidentais.

O valor da solidão criativa

Tal como outras joias criadas por indivíduos solitários — como Dwarf Fortress, Undertale ou Banished —, Nine Provinces: Caravan carrega a marca de uma visão pessoal. Não é um jogo genérico. Cada aspecto parece escolhido com cuidado: o ritmo da jornada, o equilíbrio da economia, os dilemas morais, a geopolítica das nove províncias. Isso não se consegue em comitês. Isso é fruto de alguém que realmente acreditou naquilo que estava fazendo.

O mercado dos jogos mainstream raramente permite esse tipo de liberdade. O resultado é uma produção em massa de jogos que parecem derivados uns dos outros. Nine Provinces: Caravan, ao contrário, é singular. E, justamente por isso, permanece na memória daqueles que o jogam.

Um sopro do Oriente no gênero tycoon

Há uma lacuna profunda no mundo dos jogos de estratégia e simulação: poucos títulos abordam outras visões de mundo que não a ocidental. Nine Provinces ajuda a corrigir isso. Ele oferece uma perspectiva de mundo que não é expansionista, militarista ou puramente utilitária. Em vez disso, mostra que é possível crescer através de relações, respeito e equilíbrio com a natureza — algo profundamente enraizado no imaginário oriental.

Não se trata apenas de jogar: trata-se de aprender com outra cultura e refletir sobre as nossas próprias escolhas enquanto mercadores, cidadãos e seres humanos.

Conclusão

Nine Provinces: Caravan é mais do que um jogo. É uma obra de cultura — um lembrete de que o comércio, a história e a vida cotidiana podem ser tão dignos de poesia quanto batalhas épicas e gráficos de última geração. Ele representa uma direção alternativa para o design de jogos: mais humana, mais enraizada, mais sábia.

Enquanto a indústria ocidental esquece de criar jogos que celebrem o comércio tradicional, a honra das caravanas e o saber ancestral dos povos, Nine Provinces nos lembra que há muito mais para explorar do que lucros e batalhas. Há rotas, jornadas e relações que valem muito mais do que ouro.

Estocagem Estratégica e Lucro Logístico: uma proposta de evolução para o TransOcean: The Shipping Company

No universo dos simuladores de logística e comércio marítimo, TransOcean: The Shipping Company apresenta uma proposta interessante ao permitir ao jogador o controle de uma companhia de navegação global. Contudo, à medida que o jogador avança no jogo, torna-se evidente que há uma limitação que inibe a complexidade estratégica e impede a maximização dos lucros: a impossibilidade de armazenar mercadorias nas sedes e subsidiárias.

Esse artigo propõe uma evolução concreta na mecânica do jogo, tomando como ponto de partida as mercadorias que não possuem prazo de entrega. Tais cargas, ao contrário das que exigem entrega urgente, abririam margem para um tipo de inteligência logística hoje ausente no jogo — o armazenamento estratégico e a entrega oportuna.

1. A natureza das mercadorias sem prazo de entrega

No jogo, existem mercadorias que não exigem entrega imediata, o que, em termos logísticos reais, as torna ideais para serem estocadas. Em vez de serem entregues diretamente, essas cargas poderiam ser acumuladas em depósitos regionais, para posterior entrega quando fosse mais conveniente ou mais lucrativo — por exemplo, quando o navio passasse por um porto próximo ao destino, ou quando a oferta e demanda tornassem a transação mais vantajosa.

O jogador, no entanto, não pode fazer isso. O jogo obriga-o a carregar a carga e levá-la ao destino indicado, mesmo que a rota seja inconveniente ou gere prejuízos operacionais. Esse imediatismo, embora torne o jogo mais acessível a iniciantes, empobrece sua complexidade à medida que se avança.

2. A função estratégica do armazém

Na realidade da logística portuária global, armazéns são instrumentos cruciais para o sucesso operacional. Portos como Roterdã, Xangai ou Dubai funcionam como hubs, nos quais mercadorias são estocadas até que haja navios ou rotas disponíveis para sua redistribuição. Além disso, tais armazéns permitem consolidação de cargas, ajuste de prazos, adaptação à variação de demanda e ganho de escala.

Incluir armazéns nas sedes e subsidiárias do jogo permitiria:

  • Consolidação de carga: reunir mercadorias similares para transporte mais eficiente;

  • Flexibilidade de rota: entregar quando e onde for mais estratégico;

  • Planejamento de longo prazo: construir estoques próximos a regiões de alta demanda;

  • Maximização do lucro: vender ou entregar no momento mais vantajoso.

3. Mecânicas Possíveis para uma Expansão

Segue uma proposta estruturada de expansão para o jogo, baseada na introdução dos armazéns:

a) Criação de Armazéns nas Sedes e Subsidiárias

Cada sede ou filial poderia ter armazéns com capacidades variáveis, melhoráveis por investimento. A cada nível, aumentaria a quantidade de containers ou tipos de carga que poderiam ser estocados.

b) Gestão de Estoque

O jogador poderia escolher manualmente o que estocar, por quanto tempo, e com que prioridade. Mercadorias perecíveis ou de valor volátil poderiam ter penalidades ou bonificações associadas ao tempo de estocagem.

c) Demanda Dinâmica

Ao introduzir um sistema de demanda flutuante (tal como ocorre em Railroad Tycoon ou Capitalism Plus), o jogo passaria a simular picos de preço por região, eventos econômicos, ou desastres que aumentem ou reduzam o valor das mercadorias estocadas.

d) Integração com Navios Feeders

A presença de armazéns possibilitaria o uso racional dos feeders — pequenos navios de distribuição — para o transporte de cargas regionais, reduzindo custos e criando novas dinâmicas entre navios grandes e pequenos.

e) Custo de Armazenagem e Tributação Local

Para manter o equilíbrio, o jogo poderia impor taxas de armazenagem e variações tributárias por porto, exigindo decisões cuidadosas quanto ao tempo de estocagem e ao local escolhido.

4. Ganhos de Profundidade no Jogo

Essa nova mecânica levaria TransOcean: The Shipping Company a outro patamar. O jogador deixaria de ser um simples executor de fretes para se tornar um verdadeiro estrategista logístico. Teria que pensar em:

  • Roteirização inteligente;

  • Formação de hubs regionais;

  • Gestão de risco associada à demora na entrega;

  • Aproveitamento de oportunidades sazonais de mercado.

Essa evolução não apenas tornaria o jogo mais realista, como também ensinaria princípios reais de logística internacional, administração de cadeias de suprimento e estratégia empresarial global.

5. Considerações Finais

TransOcean já é um jogo elogiável pela sua proposta. No entanto, como simulador de navegação comercial, ele peca pela ausência de uma mecânica fundamental: a estocagem estratégica. Ao ignorar a possibilidade de armazenar mercadorias sem prazo de entrega, o jogo se afasta da realidade logística que ele pretende simular.

Propomos, portanto, que uma futura versão ou expansão do jogo considere esse aperfeiçoamento — não como um mero adicional cosmético, mas como uma base para um jogo mais rico, mais complexo e mais realista.

O resultado não seria apenas um jogo mais desafiador, mas também uma poderosa ferramenta educativa sobre o funcionamento do comércio marítimo internacional.

domingo, 6 de julho de 2025

Frontier: o nascimento de um MMORPG contemplativo

Introdução: quando a solidão é virtude

Vivemos a era do excesso. Games disputam atenção com velocidade, luzes e recompensas imediatas. Nesse cenário de competição desenfreada, a experiência do jogador solitário e contemplativo se torna cada vez mais rara — mas não menos necessária. O surgimento de jogos como Saelig, Medieval Dynasty e o modo online de Red Dead Redemption 2 sinalizam algo maior: o desejo de um outro tipo de imersão. Um modo de habitar o tempo digital com mais densidade, menos pressa, e maior profundidade existencial.

Este artigo propõe um novo paradigma: a criação de um MMORPG contemplativo, fundado na lentidão, na simulação histórica e na liberdade espiritual. Um jogo que, longe da lógica do vício e da vaidade, se aproxime mais de uma vida interior moldada pelo trabalho, pela terra, pela comunidade e pelo silêncio.

O passado que não morre: Ultima Online

Lançado em 1997, Ultima Online não foi apenas o primeiro MMORPG da história. Foi, em certo sentido, o mais ousado. Em vez de guiar o jogador por caminhos já definidos, ele o soltava num mundo persistente e dinâmico. Havia crimes, comércio, arquitetura, leis, religião e política — tudo isso sustentado por jogadores reais. A liberdade ali era autêntica, mesmo que custasse a perda de progressão rápida e de recompensas previsíveis.

Até hoje, Ultima Online sobrevive, não por nostalgia, mas por fidelidade dos seus jogadores, que compreenderam algo essencial: o verdadeiro MMO não é um parque de diversões, mas um mundo para se viver.

A Trindade do Contemplativo Digital: Saelig, Medieval Dynasty e Red Dead Online

Cada um desses jogos, à sua maneira, rompe com o paradigma dominante da indústria:

  • Saelig simula a vida medieval anglo-saxã com uma precisão relacional rara. Aqui, casar, trabalhar e herdar são mais importantes que guerrear.

  • Medieval Dynasty coloca o jogador como fundador de uma linhagem em uma região remota, num ciclo longo de colheitas, invernos, construção e silêncio.

  • Red Dead Online, apesar das limitações herdadas da Rockstar, oferece momentos em que cavalgar sozinho ao entardecer vale mais do que qualquer combate ou missão.

Esses jogos não recompensam o “grinder”; recompensam o “habitante”. O jogador não joga — ele vive.

Proposta: Frontier – The Contemplative Age

E se uníssemos o espírito desses três jogos num só mundo? Surge então a ideia de Frontier – The Contemplative Age, um MMORPG que se recusa a ser “massivo” no sentido moderno e se dedica ao “massivo” no sentido espiritual: o peso da história, da terra, da alma e do tempo.

Características-chave:

  • Tempo Real: Estações, colheitas, envelhecimento e construção seguem um ciclo real. Um castelo leva meses para ser erguido. Um filho leva anos para crescer.

  • Economia Viva: Baseada em oferta e demanda real, com escassez, mercados regionais e necessidade de transporte físico. Uma caravana pode ser mais valiosa que um exército.

  • Profissões Livres: O jogador pode ser monge, ferreiro, médico, pastor, comerciante ou camponês. Sem combates, se quiser. Sem obrigação de “progredir”.

  • Solidão Respeitada: Não há chats globais. Apenas cartas, correios e mensageiros. A presença do outro é rara e, por isso, significativa.

  • Morte e Sucessão: O personagem pode envelhecer, morrer e deixar herança. A dinastia é mais importante que o herói.

  • Religião e Rito: Igrejas, jejum, festas, batismos, juramentos. Não se trata de um sistema moral fictício, mas de uma tentativa de reconstruir a lógica espiritual medieval — não como alegoria, mas como vivência.

Os obstáculos culturais e técnicos

É evidente que um jogo assim não atrairia os jogadores moldados pelo TikTok, pelo lootbox e pelo PvP frenético. É um jogo para uma minoria. Uma minoria exigente, paciente e espiritualmente madura. Mas esta minoria existe — e está órfã.

Do ponto de vista técnico, há desafios reais: servidores persistentes, sincronização climática, gerenciamento de latência. Mas nada disso é impossível com a tecnologia atual, especialmente com o suporte de comunidades como as que sustentam até hoje jogos como Dwarf Fortress e Project Zomboid.

Conclusão: habitar o tempo, redimir o espaço

Um MMORPG contemplativo não é uma fuga da vida. É uma forma de educar o olhar, de treinar o espírito, de reaprender a paciência, a lealdade e a responsabilidade. Ele não nos torna mais eficientes. Torna-nos mais humanos.

O futuro desse gênero não depende das grandes corporações. Depende de nós — dos solitários, dos pensativos, dos construtores de sentido. Aqueles que, como os fundadores de mosteiros, sabem que o tempo verdadeiro não se conta em segundos, mas em colheitas, preces, legados e bênçãos.

 Se você, leitor, se vê nesse perfil — talvez já esteja jogando esse jogo sem saber. Talvez você já o tenha sonhado. Agora é hora de torná-lo realidade.

Referências:

  • Richard Garriott. Ultima Online (Origin Systems, 1997).

  • Stardew Valley e a cultura do tempo lento. Artigo em: Game Studies Quarterly, 2021.

  • Red Dead Redemption 2: análise da imersão atmosférica. In: Journal of Virtual Worlds Research, 2020.

  • Estudos de caso: Saelig e Medieval Dynasty. Fórum do Steam e comunidade Reddit, 2017–2025.

Por que Saelig supera The Sims como simulador da vida: uma crítica antropológica e histórica à simulação contemporânea

Resumo

Este artigo parte de uma afirmação ousada, mas precisa: Saelig supera The Sims como simulador da vida. Através de uma análise comparativa dos fundamentos ontológicos, históricos e antropológicos de ambos os jogos, argumenta-se que Saelig, por mais modesto em escala e orçamento, oferece uma simulação mais profunda, realista e moralmente significativa da existência humana. Enquanto The Sims representa a vida como um playground consumista de desejos, Saelig propõe a vida como um drama histórico intergeracional, enraizado em estruturas econômicas, sociais e espirituais.

1. Introdução

Em tempos de virtualidade acelerada, em que o mercado de jogos eletrônicos é dominado por gráficos hipnóticos e gratificação imediata, torna-se cada vez mais raro encontrar simuladores que tentem reproduzir a vida em sua complexidade histórica, econômica e espiritual. Contra todas as expectativas de mercado, surge um jogo como Saelig, desenvolvido por uma única pessoa, e que, sem alarde, oferece uma experiência de simulação da vida muito mais rica do que aquela proposta por gigantes da indústria como The Sims.

Afirmar que Saelig supera The Sims pode soar provocativo — e é. Mas é também uma constatação inevitável quando se analisa o que, de fato, esses jogos estão simulando. Um é uma boneca Barbie digital com barras de humor; o outro é um retrato orgânico da vida camponesa e urbana da Alta Idade Média e da Modernidade nascente, com morte real, herança, comércio, propriedade, tempo e religião. A seguir, desdobramos essa comparação.

2. A simulação em The Sims: o teatro do desejo burguês

Lançado em 2000, The Sims se consagrou como uma franquia de sucesso por oferecer ao jogador a possibilidade de "viver" uma vida paralela. Construir casas, escolher móveis, seguir uma carreira, se relacionar romanticamente, ter filhos. No entanto, toda essa simulação se resume a um modelo simplificado de consumo e expressão pessoal.⁽¹⁾

The Sims opera com símbolos funcionais, como barras de fome, energia, higiene, diversão. A vida não tem continuidade nem peso histórico. Os personagens não envelhecem de maneira significativa até que se ative tal função. Eles não deixam herança, não carregam dívida moral, não participam de estruturas sociais que os transcendem. Tudo está centrado no indivíduo e na sua satisfação momentânea.

Trata-se, portanto, de uma simulação voltada ao cotidiano burguês contemporâneo, onde o lar é um centro de conforto, onde a estética é mais importante que a funcionalidade, e onde o tempo não carrega gravidade existencial. Como produto, é brilhante. Como espelho da vida humana, é raso.

3. A simulação em Saelig: economia, morte, herança e transcendência

Saelig, por sua vez, é um jogo historicamente ambientado no século IX anglo-saxão, com ciclos de tempo que atravessam gerações. O jogador nasce, vive, trabalha, casa, tem filhos, pode prosperar ou fracassar — e morre. Mas sua história não acaba ali: o patrimônio passa adiante, o mundo segue, e o jogador pode continuar vivendo através de seus descendentes.

A vida aqui é vivida com peso e consequências:

  • Se você não comer, morre.

  • Se não trabalhar, empobrece.

  • Se não cuidar de seus negócios, perde tudo.

  • Se não casar ou ter filhos, sua linhagem termina.

E mais: o mundo não gira ao redor do jogador. O tempo passa, os eventos seguem seu curso, outros personagens também têm suas vidas, carreiras, casamentos, problemas e ambições. Isso confere ao jogo uma dimensão sistêmica e orgânica, ausente na maioria dos simuladores mainstream.⁽²⁾

Além disso, o jogo inclui elementos religiosos e sociais: rituais, festas, tributos, respeito pelos mortos, e um senso comunitário de pertencimento. A vida simulada em Saelig é relacional, econômica, histórica e espiritual. E isso o coloca em uma classe distinta.

4. Ontologia da simulação: desejos ou estruturas?

A principal diferença entre The Sims e Saelig reside na ontologia que cada jogo adota para representar a vida humana:

  • Em The Sims, a vida é uma sequência de desejos momentâneos; o tempo é uma moldura artificial para o consumo de objetos e relações. A “felicidade” é medida em sorrisos, decorações e status. A morte, quando vem, é um efeito dramático, reversível ou irrelevante.

  • Em Saelig, a vida é uma travessia histórica. A morte é certa. O tempo não pode ser ignorado. A estrutura econômica do mundo é realista: produtos têm escassez, preços variam, a geopolítica afeta o comércio. A família é núcleo da sobrevivência. O corpo envelhece, e o trabalho gera acúmulo ou ruína.

Essa diferença é radical. A primeira visão é moderna, hedonista e niilista. A segunda é pré-moderna, comunitária e realista.

5. O valor simbólico e educativo

Por fim, é preciso destacar que Saelig ensina o que The Sims jamais se propôs a ensinar: a relação entre o tempo e a responsabilidade, a importância da continuidade familiar, o impacto da vida econômica bem ou mal conduzida, e o valor da experiência comunitária.

Mesmo custando apenas R$ 27,00 na época de seu lançamento, Saelig oferece uma experiência com alto retorno simbólico e formativo. É um jogo que pode transformar a maneira como alguém entende história, economia, trabalho, tempo e família. Já The Sims oferece o que ele de fato promete: entretenimento cosmético, leve e sem consequências. Ambos têm seu valor — mas apenas um se aproxima da vida como ela realmente é.

6. Conclusão

A afirmação de que Saelig supera The Sims enquanto simulador da vida não é mero juízo de gosto — é um diagnóstico ontológico e antropológico. Em um tempo onde tudo tende à leveza e à superficialidade, Saelig lembra que a vida é pesada, demorada, marcada por estruturas invisíveis que sustentam sua continuidade.

E talvez seja por isso que jogos como ele sejam desenvolvidos por artistas solitários, como aqueles mestres artesãos que, na penumbra das catedrais medievais, assentavam cada pedra com a certeza de que jamais veriam a obra pronta — mas com a fé de que ela serviria a gerações.

Referências

GALLOWAY, Alexander R. Gaming: Essays on Algorithmic Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

WINKLER, Robert. Saelig. Steam Store. Disponível em: https://store.steampowered.com/app/794260/Saelig/. Acesso em: 06 jul. 2025.

WRIGHT, Will. Entrevistas e comentários sobre o design de The Sims. Em: Game Developer Conference Archives, 2000–2004.

Jogos como Catedrais Medievais: Saelig, a estética da paciência e o ofício do artista solitário

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre o desenvolvimento de jogos digitais que, ao contrário da produção industrial dos estúdios AAA, surgem da visão persistente de um único artista. Partindo do exemplo de Saelig, jogo criado por uma só pessoa, argumenta-se que tais projetos se aproximam mais de obras de igreja — em complexidade, tempo de maturação e vocação simbólica — do que de produtos de mercado. Aponta-se ainda como esse modelo artesanal proporciona uma experiência contemplativa, dotada de valor simbólico e espiritual muitas vezes ausente nas grandes produções.

1. Introdução

Na história das artes, nem toda obra nasce da pressão do mercado ou da demanda do público. Catedrais medievais, cantatas de Bach, pinturas de Fra Angelico — todas essas criações são fruto de uma dedicação prolongada, muitas vezes transgeracional, que só se justifica por uma ideia de transcendência. No campo dos jogos digitais, uma analogia semelhante pode ser feita. Jogos como Saelig não são produtos de entretenimento de massa, mas sim estruturas simbólicas, feitas com a paciência de um mestre de ofício.

2. A lógica das obras de igreja

Construir uma catedral, como a de Chartres ou a de Colônia, exigiu não apenas engenho técnico e artístico, mas também um espírito de vocação. O tempo médio de construção ultrapassava gerações.¹ Não se tratava de cumprir prazos ou buscar lucro imediato, mas de erigir algo belo e durável — digno do sagrado. Analogamente, jogos como Dwarf Fortress, RimWorld e Saelig amadurecem ao longo de muitos anos, guiados por uma ideia de completude e coerência interna, mais do que por qualquer deadline editorial.

3. O artista solitário contra a indústria AAA

Enquanto os grandes estúdios — como Ubisoft, EA ou Rockstar — investem milhões para desenvolver títulos que devem agradar investidores e audiências globais, desenvolvedores independentes operam no sentido oposto. O criador de Saelig, Robert Winkler, desenvolveu sozinho um sistema dinâmico de relações sociais, economia, política feudal e herança patrimonial — um feito raríssimo mesmo entre grandes equipes.²

Essa oposição entre artista e corporação se repete em outros títulos: Stardew Valley (Eric Barone), Banished (Luke Hodorowicz), Kenshi (Chris Hunt) e Factorio (Wube Software, inicialmente um projeto de dois programadores tchecos). O que une esses projetos é a intenção estética, mais do que a escala de produção.

4. Economia relacional e realismo sistêmico

Jogos que simulam o tecido relacional da vida são mais do que simples RPGs de mundo aberto. Eles funcionam como microssociedades, em que o jogador participa não apenas como executor de missões, mas como habitante, comerciante, líder comunitário ou camponês.³

Em Saelig, por exemplo, o jogador pode nascer, casar, herdar terras, administrar negócios, tornar-se nobre ou viver como mendigo. O mundo não gira ao redor do jogador, como nos jogos tradicionais; ele é apenas parte de um sistema. Isso é radicalmente diferente da lógica dos jogos mainstream, que colocam o jogador no centro de tudo, com missões sempre à sua espera.

5. A estética da paciência e da contemplação

Jogos como Saelig são jogados com tempo, com atenção. Não há pressa, nem urgência artificial. Não há competição multiplayer tóxica, nem loot boxes, nem algoritmos de retenção. Há uma experiência de vida — com suas repetições, ritmos lentos, surpresas e fracassos.

Trata-se, portanto, de um jogo contemplativo. Tal como os monges que meditavam em seus claustros, o jogador encontra no ritmo do jogo um espelho de sua própria interioridade. Trata-se de uma “arte que suspende a vontade”, como dizia Schopenhauer,⁴ e não de uma experiência desenhada para a gratificação imediata.

6. O valor simbólico de um jogo

Um dado relevante: Saelig foi adquirido por R$ 27,00 no momento de seu lançamento. Esse valor, irrisório em termos monetários, não corresponde ao valor simbólico que o jogo adquiriu para o jogador. Ele não é apenas um passatempo, mas uma companhia, um espaço simbólico, um microcosmo de vida medieval cristã e econômica.

Esse tipo de retorno — imaterial, contemplativo, interior — é o que justifica o investimento paciente na criação de mundos coerentes. O artista, como o construtor de catedrais, não busca apenas aplauso, mas oferecer um lugar onde outros possam habitar espiritualmente.

Considerações finais

O desenvolvimento artesanal de jogos como Saelig inaugura uma estética do ofício e da permanência. Trata-se de uma resposta silenciosa à lógica industrial da obsolescência e da massificação. Como as catedrais, esses jogos não foram feitos para serem consumidos rapidamente, mas para durar, amadurecer, ser revisitados. São menos produtos e mais moradas. E, como tais, merecem ser reconhecidos como obras de arte.

Notas de Rodapé

  1. Eco, Umberto. A Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1989. A noção de uma obra em contínua construção, comum na Idade Média, aparece amplamente tratada por Eco.

  2. Ver entrevista de Robert Winkler sobre o desenvolvimento de Saelig no fórum Steam, onde ele relata o processo solitário de desenvolvimento: https://store.steampowered.com/app/794260/Saelig/

  3. Galloway, Alexander R. Gaming: Essays on Algorithmic Culture. University of Minnesota Press, 2006. O autor argumenta que jogos não são apenas narrativas, mas sistemas interativos com lógicas próprias.

  4. Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Livro III, §36. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2005.

Referências

ECO, Umberto. A Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1989.

GALLOWAY, Alexander R. Gaming: Essays on Algorithmic Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

WINKLER, Robert. Entrevista no fórum da Steam sobre Saelig. Disponível em: https://store.steampowered.com/app/794260/Saelig/. Acesso em: 06 jul. 2025.

A Rota Sul-Sul Atlântico-Índico-Pacífico: Geopolítica, História e Potencial Estratégico

Resumo

Este artigo analisa uma rota marítima alternativa Sul-Sul que conecta os portos de Santos (Brasil) ou Buenos Aires (Argentina) à Cidade do Cabo (África do Sul), e, desta, aos portos australianos de Melbourne ou Sydney. Essa rota propõe uma integração logística transoceânica que evita os principais gargalos geopolíticos do comércio global, promovendo um redesenho estratégico das conexões econômicas no hemisfério sul. A proposta é contextualizada a partir da história naval, da geopolítica contemporânea e das potencialidades comerciais desse eixo intercontinental.

Palavras-chave: Rota Sul-Sul; Geopolítica marítima; Comércio internacional; Hemisfério sul; Integração transoceânica.

1. Introdução

O comércio internacional moderno está fortemente concentrado em rotas que atravessam os hemisférios norte e sul por meio de corredores marítimos sob controle geopolítico de grandes potências, como os canais de Suez, do Panamá e o Estreito de Malaca. No entanto, a instabilidade crescente nesses pontos de estrangulamento tem reavivado o interesse por rotas alternativas. Entre essas alternativas, uma rota Sul-Sul que conecta a América do Sul, a África Austral e a Oceania se destaca não apenas por sua viabilidade geográfica, mas também pelo potencial de integração econômica entre países historicamente periféricos no sistema global.

2. Estrutura Geográfica da Rota

A rota proposta se estrutura a partir de três grandes vértices portuários:

  • Santos (BRA) ou Buenos Aires (ARG) – principais hubs de exportação do Cone Sul;

  • Cidade do Cabo (ZAF) – ponto histórico de conexão entre os oceanos Atlântico e Índico;

  • Melbourne ou Sydney (AUS) – terminais estratégicos voltados ao comércio com o Pacífico Sul.

A grande vantagem geopolítica dessa rota é a capacidade de evitar áreas de conflito ou congestionamento, como o Golfo Pérsico, o Mar do Sul da China ou o Canal do Suez. Trata-se de uma rota oceânica que, por sua própria geografia, minimiza riscos logísticos em tempos de instabilidade internacional.

3. Relevância Geopolítica

3.1 Alternativa Estratégica

A configuração dessa rota permite uma descentralização logística do sistema internacional. Ao contornar os centros hegemônicos e seus respectivos gargalos, ela se alinha à lógica multipolar emergente, promovendo a resiliência estratégica de países em desenvolvimento.

3.2 Integração Horizontal

Tradicionalmente, o comércio internacional se organiza de modo vertical, conectando economias exportadoras de matérias-primas a centros industriais do Norte. A rota Sul-Sul propõe uma integração horizontal, onde os países do sul global negociam entre si com base em complementaridades produtivas e logísticas.

3.3 Legado Histórico

Durante os séculos XVIII e XIX, a rota transoceânica sul foi utilizada por impérios marítimos como o britânico e o português para conectar colônias e bases navais estratégicas. Ao reativar esse corredor, os países do hemisfério sul não apenas inovam, mas também recuperam uma tradição marítima esquecida por interesses geopolíticos centrados no norte do globo1.

4. Potencial Econômico

4.1 Complementaridade Comercial

A América do Sul exporta alimentos e minérios; a África Austral, recursos energéticos e metais estratégicos; a Oceania, alimentos, tecnologia agrícola e inovação. Essa diversificação de portfólios exportadores torna a rota economicamente sustentável.

4.2 Infraestrutura Logística

Com investimentos em hubs regionais, armazéns logísticos e terminais feeders (especialmente no Cone Sul e na África Oriental), a rota poderia ganhar robustez operacional, atraindo empresas interessadas em diversificação de riscos e redução de custos com congestionamento portuário.

4.3 Impulso à Cooperação Sul-Sul

Essa rota pode se articular com organismos como o BRICS, a União Africana e o G20 do Sul, viabilizando alianças logísticas, tecnológicas e comerciais que aumentem a autonomia das nações do hemisfério sul frente às potências tradicionais2.

5. Conclusão

A rota Sul-Sul que conecta o Atlântico ao Pacífico através do Índico não é apenas uma proposta logística. Ela é, antes de tudo, uma afirmação de soberania geoeconômica por parte dos países do hemisfério sul. Ao desafiar os paradigmas verticais do comércio global, essa rota representa um caminho de maior autonomia, cooperação e estabilidade, tanto do ponto de vista estratégico quanto econômico. Resta às lideranças políticas e empresariais da região reconhecerem o potencial dessa conexão e investirem em sua concretização.

Referências Bibliográficas

  • NUNES, João Paulo Hildebrand. Geopolítica e comércio internacional: dinâmicas das rotas marítimas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2016.

  • RODRIGUE, Jean-Paul. The Geography of Transport Systems. 5. ed. New York: Routledge, 2020.

  • SACHS, Jeffrey. The End of Poverty: Economic Possibilities for Our Time. New York: Penguin Books, 2005.

  • IPGH – Instituto Pan-Americano de Geografia e História. Estudos sobre infraestrutura marítima no Atlântico Sul. Brasília: IPGH, 2019.

 Notas de Rodapé

  1. RODRIGUE, Jean-Paul. The Geography of Transport Systems. Routledge, 2020. A obra discute o papel da África Austral como pivô logístico em rotas transoceânicas nos séculos XIX e XX.

  2. SACHS, Jeffrey. The End of Poverty: Economic Possibilities for Our Time. Penguin, 2005. O autor argumenta que o desenvolvimento sustentável passa por uma integração regional independente das rotas comerciais tradicionais.

Da simulação ao império: como TransOcean ilumina a logística marítima em Sid Meier’s Colonization

Resumo

Este artigo propõe uma leitura comparativa entre os jogos TransOcean: The Shipping Company e Sid Meier’s Colonization, a partir de uma lógica logística aplicada ao transporte marítimo. Utilizando categorias modernas como hub and spoke, feeder services e classificação de embarcações (Panamax, Neopanamax), interpretamos o modelo de colonização proposto por Colonization como um sistema logístico complexo, à semelhança do comércio marítimo global contemporâneo. Fundamentamos a análise em referências históricas, geopolíticas e econômicas da expansão colonial, sobretudo do período mercantilista e do tráfico transatlântico.

1. Introdução: jogos de estratégia como laboratórios de simulação histórica

Os jogos de estratégia têm se tornado, nas últimas décadas, ferramentas de simulação e reflexão sobre modelos históricos complexos. No caso de Sid Meier’s Colonization (1994), temos uma representação lúdica da colonização europeia nas Américas, com foco nas dinâmicas econômicas, políticas e religiosas entre colônias e metrópoles. Já TransOcean: The Shipping Company (2014) simula o sistema logístico global de transporte marítimo no século XXI, com destaque para conceitos como capacidade de carga, portos, rotas de transbordo e especialização de embarcações.

Ao combinarmos a lógica de ambos, obtemos uma leitura poderosa das estratégias imperiais coloniais sob a ótica da logística moderna — não apenas como dominação territorial, mas como construção de redes eficientes de transporte e redistribuição de riquezas.

2. A Logística Naval em Colonization: uma releitura com olhos do século XXI

Em Colonization, o jogador controla uma potência europeia (Inglaterra, França, Espanha ou Holanda), fundando colônias e gerenciando recursos, trabalhadores, comércio e guerra. A gestão da frota marítima é central ao progresso econômico: navios transportam tabaco, algodão, prata, rum e outros produtos para a metrópole, enquanto trazem imigrantes e suprimentos de volta às colônias.

2.1 Tipologia dos Navios e Equivalência Moderna

Ao analisarmos os tipos de embarcações disponíveis no jogo, podemos traçar uma equivalência funcional com os navios de TransOcean

Navio (Colonization) Equivalente Moderno (TransOcean) Função Histórica
Galeão Neopanamax Alta capacidade, segurança, rotas longas e de alto valor. Usado na rota das Índias Ocidentais e no transporte de prata da América para a Espanha.
Navio Mercante Panamax Transporte regular entre colônias e metrópole. Média capacidade. Ideal para produtos de exportação como açúcar e tabaco.
Navio Pirata Feeder/Corsário Rápido, versátil, pode servir como navio de guerra ou abastecer pequenas colônias.
Caravela Explorador/Logística leve Primeiras missões, mapeamento costeiro, ligação entre colônias, transporte de pessoas.

Essa estrutura revela um sistema logístico avançado para sua época, antecipando práticas como o hub and spoke (porto central com distribuição regional) e a divisão funcional da frota.

3. As Colônias como Hubs Regionais: A Lógica do Hub-and-Spoke

O modelo hub and spoke, característico da aviação e do transporte marítimo moderno, consiste em estabelecer um porto central (hub) onde navios de grande porte atracam, redistribuindo carga para navios menores que atendem destinos periféricos (spokes).

Em Colonization, essa lógica pode ser implementada através de:

  • Colônias principais com portos avançados e Customs House: funcionam como hubs.

  • Navios piratas e caravelas: atuam como feeders que ligam colônias menores ao hub.

  • Navios mercantes e galeões: fazem a conexão metrópole ↔ hub colonial.

Este modelo reproduz com fidelidade as estratégias dos impérios marítimos europeus, como a Casa de Contratação de Sevilha (Casa de la Contratación), fundada em 1503, que centralizava o comércio espanhol com as Américas, utilizando portos como Veracruz (México) e Cartagena (Colômbia) como hubs estratégicos para coleta de tributos e envio à Espanha1.

4. Peter Stuyvesant e a Customs House: A burocracia como motor logístico

A presença de Peter Stuyvesant no Congresso Continental concede ao jogador a capacidade de construir a Customs House, um edifício que permite a venda automática de produtos à metrópole, sem necessidade de embarcação.

Esse evento simula a institucionalização da logística, por meio de um aparato burocrático portuário que regula o comércio exterior — algo típico do modelo holandês de porto livre, como observado em Amsterdã e Curaçao, onde a liberdade de comércio combinava com forte controle alfandegário2.

A Customs House, nesse contexto, equivale a um porto automatizado com gateway comercial, liberando recursos navais para atividades militares ou redistributivas e integrando as colônias ao sistema-mundo. 

5. Evidências Históricas da Logística Imperial

A logística naval foi a espinha dorsal dos impérios marítimos. Algumas evidências históricas reforçam o modelo aqui descrito:

  • Convoy System da Espanha (Flotas de Indias): navios organizados em comboios para proteção e transporte centralizado de prata e produtos coloniais — verdadeiro “neopanamax” da época3.

  • Portos intermediários como hubs: Havana, Veracruz, Cartagena e Manila funcionavam como entrepostos estratégicos do Império Espanhol, redistribuindo carga para outras partes do mundo.

  • Uso de navios menores para alimentação regional: em todos os impérios, havia esquadras leves ou navais menores encarregadas de rotas locais e abastecimento.

6. Conclusão: uma nova leitura de Colonization como simulador logístico

Ao aplicar a lógica moderna da simulação logística de TransOcean ao universo histórico de Colonization, percebemos que este último, ainda que rudimentar, antecipa preocupações fundamentais com eficiência, especialização e estrutura comercial — tudo isso enraizado em uma prática histórica real.

Essa transposição lúdica serve como ponte entre história, teoria econômica e design de jogos, evidenciando como o estudo do passado pode ser enriquecido pelo uso de modelos contemporâneos de análise.

 Referências

  1. ELLIOTT, J. H. Empires of the Atlantic World: Britain and Spain in America, 1492–1830. New Haven: Yale University Press, 2006.

  2. ISRAEL, Jonathan I. The Dutch Republic: Its Rise, Greatness, and Fall, 1477–1806. Oxford: Oxford University Press, 1995.

  3. PARKER, Geoffrey. The Military Revolution: Military Innovation and the Rise of the West, 1500–1800. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

Bibliografia Complementar

  • BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

  • WOLF, Eric R. Europa e os Povos Sem História. São Paulo: UNESP, 2005.

  • WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. Berkeley: University of California Press, 2011.

  • STAPELBROEK, Koen. Trade and War: The Neutrality of Commerce in the Inter-State System. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2011.