Um jovem me escreve isto:
Vi seu blog – e gostaria de parabenizá-lo. As críticas são verdadeiras e estou aprendendo com a parte jurídica. Digo isso como um estudante que pouco sabe, e não como quem quer se colocar na posição de apto a julgar.
Quanto ao seu post sobre escravidão, tenho um questionamento. Meus avós ou bisavós, dependendo do lado da família, eram italianos, levados para trabalhar no interior do estado de SP – eles chegaram a levar chicotadas. Não haveria dívida histórica para comigo? Como ficariam minhas cotas?
Eis a resposta que dou para esse jovem:
Essa questão de dívida histórica, que é alegada por esses grupos pró-cotas raciais, não passa de puro revanchismo. A gente não pode ficar pautando nossa vida com base nos pecados dos outros – se formos assim, jamais seremos pessoas livres.
Aliás, Princesa Isabel assinou a Lei Áurea porque sabia que a escravidão é uma coisa desumana e moralmente injustificável – aliás, a própria Igreja Católica condena a escravidão, já que ela contraria frontalmente o ensinamento de Cristo. Ela assinou a Lei Áurea porque tinha planos de assentar esses escravos nas terras devolutas que o governo tinha, de modo a que viessem constituir família e assim ter direito ao seu pedaço de chão, pela usucapião (isso ela tinha falado em uma carta, que ficou inédita por muito tempo, cujo conteúdo foi revelado na Revista Nossa História de Maio de 2006). Mas esse nobre gesto da futura imperatriz não pôde ser concretizado, porque logo depois a monarquia foi derrubada pela República, sob a alegação de que o Império era atraso e que a nova ordem era progressista – e esse processo de inserção do negro na sociedade livre acabou não acontecendo, de fato. E como os republicanos nunca tiveram planos para recuperar a dignidade dessa gente - aliás, os republicanos não tinham planos de fazer a abolição dos escravos - as favelas começaram a surgir ao longo da Cidade do Rio de Janeiro – e pelo país inteiro.
Se a Princesa fosse viva e visse isso, ela certamente entraria em depressão profunda. Qualquer pessoa bem intencionada teria isso, ao ver que crápulas mal-intencionados se aproveitaram de uma massa desvalida, vítima do golpe do 15 de novembro, para inculcar seu ódio vil e desonesto, na busca pelo poder absoluto sobre tudo e sobre todos. Infelizmente, o que muitos desses negros pró-cota não sabem que os escravos, recém-libertos, foram os maiores defensores da monarquia. Pois o gesto de nossa senhora foi nobre – e nos dias de hoje corre um processo de beatificação de nossa Princesa Redentora.
O gesto da princesa repete aquilo Igreja fez, historicamente, quando começou a ensinar a doutrina cristã para os escravos – a Igreja os acolheu como filhos, como seres humanos que são, à Imagem e semelhança de Deus, permitindo que estes se casassem e constituíssem família, adquirissem bens por conta do trabalho honesto e que tivessem filhos – assim, pouco a pouco, a escravidão foi paulatinamente sumindo da Europa, na transição da Antiguidade para a Idade Média – assim, a escravidão lentamente se decantou em servidão, para daí se decantar em trabalho livre; e esse processo levou muitos séculos até se completar. Esse processo se deu gradualmente – e não através de violência abrupta ou de corrupção dos nossos valores morais, como querem esses seres odiosos.
Uma pessoa de bem jamais deve pensar em dívida histórica ou dívida social, com o intuito de se imiscuir de sua responsabilidade como indivíduo – essa pessoa, tal como eu ou você, na condição de indivíduo, deve assumir, com responsabilidade, aquilo que foi legado, seja de bom ou de ruim, fundado naquilo que os nossos antecessores deixaram – e devemos cuidar desse legado, de modo que o mal não se repita de novo, de modo a que a geração futura, os nossos filhos, não passe pelas tragédias que você passou para descobrir a verdade, enquanto se vive a vida – e que aprenda, desde cedo, que isso que foi feito é errado - e que disso não se esqueça. É neste ponto que o ensino de história se aproxima da moral.
Por isso que existe o passado para se conhecer – ao você conhecer o erro e a injustiça cometida, você se compromete, para si mesmo, que não vai fazer, com o seu semelhante, aquilo que os outros cometeram de ruim, seja com aqueles que vieram antes de você ou com você mesmo. Até porque o que vem depois do opressor pode não saber dos males que aquele praticou - pois os seres humanos não possuem o dom da onipresença e nem da onipotência. E a pessoa vingativa é uma pessoa fraca por essência, que não tem nada a te acrescentar.Por isso, é sempre conveniente se afastar dessas pessoas.
Se tivéssemos onipresença estaríamos sempre presentes em todos os lugares e em todos os tempos. Não existiria passado, presente e futuro. E sem isso nós não seríamos seres humanos, mas deuses.Por isso que a onisciência foi negada ao homem, na criação. Imagina o quão terrível seria se fosse isso!
Precisamos conhecer a nós mesmos primeiro, antes de fazer alguma coisa em prol dos que nos estão mais próximos. Só assim descobriremos o quanto de bom podemos fazer por nossos semelhantes. De nada adianta mudar o mundo se você não arruma o seu próprio quarto, não é mesmo?
Da forma como elas estão fazendo, essas pessoas só enxergam uma coisa: que a moral só vale para os outros, e que isso não vale para eles próprios. Essa via de mão única é hipócrita, convenientemente hipócrita – as melhores coisas da vida são conquistadas a base de trabalho, suor e sacrifício, pois as coisas se conseguem através de acordos, de entendimento. Nada se conquista usando força, pura e simplesmente.
Por isso que a uma das primeiras coisas que se acabou, numa sociedade evoluída, foi a vendeta – a vingança sem limite, no seio familiar, por conta dessas dívidas históricas. Se isso continuasse, seria o caos da própria sociedade. Uma das primeiras finalidades da lei escrita foi isso.
Sabe aquilo que o Seu Madruga diz? De que a vingança nunca é plena, pois mata a alma e a envenena? O que se aplica aos indíviduos, se aplica asociedade, pelo efeito da mão invisível. É a mais pura verdade.
Esta é a resposta que eu te dou!